Rubiana Nunes, 23 anos, ou Rubi, como gosta de ser chamada, tem cara e jeito de menina. É alegre, falante e divertida. Gosta de animais, de internet e de viver rodeada de gente. Apesar da idade, está casada pela segunda vez, tem um filho de três anos e cuida de todos que frequentam a coxeira de cavalos onde trabalha com o marido. É a mais nova de quatro irmãos.
Continua depois da publicidade
Um deles é Rafael Nunes da Silva, 30 anos. O ex-modelo é usuário de drogas e mora nas ruas do Centro de Curitiba. Ele ficou famoso ao ter uma foto postada no Facebook e compartilhada mais de 50 mil vezes. O irmão mais velho, tem 34 ano, é ex-usuário e vive em eterno tratamento contra o vício.
A irmã Fabiana, 31, assim como Rubi, nunca usou drogas. Há seis meses, Fabi e o marido abriram uma clínica de recuperação para pessoas portadoras de doenças mentais em Colombo, região metropolitana de Curitiba. Na mesma cidade, moram a mãe Edite, a quem Rubi chama de guerreira, e o pai José, que é aposentado e perdeu a visão.
Quando Fabiana abriu a clínica, a família se encheu – mais uma vez – de esperança. Ficaria mais fácil cuidar de Rafael.
Continua depois da publicidade
– Sairia a preço de custo. Ele estaria em casa – diz Rubi, com os olhos mareados e voz forte.
– Mas ele não quer saber. Quando desconfiou que a Fabi abriu uma clínica, viu que não era apenas a casa dela, saiu de perto e não há quem o coloque lá dentro – acrescenta Rubiana, já com tom desanimado.
A conversa com a jovem durou quase três horas e ocorreu na casa onde ela mora e trabalha. Antes de começar a desabafar sobre os 17 anos de convivência quase diária com os irmãos dependentes químicos, ela fez um pedido: não mostrar seu rosto nas fotos. Depois de ver Rafael em jornais, sites e emissoras de TV de todo o País, ela acha que a história dele tem que ser ainda mais divulgada.
Continua depois da publicidade
– Digo para a minha mãe que o caso dele tem que servir de exemplo para outras famílias. Um alerta. É isso que espero desta repercussão toda – diz.
O começo
Rubiana era uma menina de seis anos quando Rafael, na época com 13, começou a usar drogas em Tenente Portela (RS), cidade natal da família.
– Lembro de uma casa com uma mesa cinza. Dos meus irmãos e a namorada de um deles se preparando para fumar maconha – conta olhando para o horizonte.
Continua depois da publicidade
Rubi diz que a droga foi a única usada pelos irmãos durante anos.
– Começou por causa de más companhias. Minha mãe tentou afastá-lo dos amigos que eram má influência, mas não adiantou.
Assim como ela e os irmãos, Rafa começou a trabalhar cedo e ajudavam em casa. Ela não sabe quando as coisas começaram a piorar ou com quantos anos Rafael passou a usar drogas mais pesadas.
Enquanto fala, Rubi parece uma montanha-russa. Intercala momentos alegres e de muita esperança com memórias terríveis, nas quais via pessoas amadas sofrendo mudanças pelas drogas.
Continua depois da publicidade
– Quando percebemos, já havia passado um, cinco, dez, 15 anos. O tempo vai passando. Sempre temos esperança de que Rafa vai se recuperar. Aí, temos uma decepção. Chega uma hora em que você parece que fica anestesiado.
A dor
Entre as lembranças mais difíceis está uma surra que a caçula deu em Rafael. Os pais viajaram para o RS e ela ficou sozinha com os irmãos.
– Eu tinha 16. Trabalhava em uma loja. Juntei dinheiro e comprei um tênis caro. Quando fui me arrumar para ir à academia, o tênis não estava lá. O Rafael tinha roubado para comprar drogas. Fiquei com muita raiva. Trabalhava para pagar as minhas coisas. Minha mãe não podia me dar, gastava com ele, com clínicas. Fiquei com muita raiva. Peguei um chinelo e bati nele. E ele apanhou calado.
Continua depois da publicidade
Quatro anos depois, quando Rubi tinha dado à luz há um mês, Rafael, que estava em uma fase boa, tentou sair para usar drogas. Rubiana flagrou o irmão e pulou a janela para tentar impedi-lo.
– Corri, mas estava fraca. Tentei segurar o Rafa, mas não sei se ele me bateu ou empurrou. Fiquei deitada na calçada. Ele tinha trancado a porta. Minha mãe e minha irmã não conseguiam sair para me ajudar. Ele ficou me olhando e rindo. Quando elas saíram, correram atrás dele. Minha irmã deitou em cima dele e amarramos os pés e os braços dele com cachecóis. Ele se debatia muito. Ficou com o corpo todo roxo. Chamamos o Samu e ele ficou três dias internado. Quando melhorou, teve que sair do hospital. Falaram que não tinham vagas em clínicas.
Os sacrifícios
Quando Rafael virou modelo, já era usuário de drogas. Na época, a família vivia no Mato Grosso e Fabiana decidiu se mudar para Curitiba.
Continua depois da publicidade
– O Rafael quis ir junto e foi, mas ela só se incomodou. Foi nesta época que ele começou a ser modelo e ganhou dinheiro com isso. Meu pai então começou a perder a visão e nos mudamos para Curitiba, que era referência no tratamento.
O vício falou mais alto do que a carreira e Rubi lembra que Rafael entrou em uma fase terrível. Para tentar afastar o jovem das drogas, a família foi morar em um sítio entre Paranaguá e Matinhos (PR).
– Era a quilômetros de qualquer coisa. Mas ele fugia a pé. Caminhava por horas em busca de drogas. Por estar fraco, às vezes desmaiava no caminho. Ficava caído em alguma vala.
Continua depois da publicidade
Se não era na ida, Rafael caia na volta, sem forças por causa das drogas.
– Nesta época, eu já era casada e morava em um sobrado. Cansei de ver pela janela ele carregando coisas, roubando. Passava levando de tudo, fios de cobre, panelas. Roubava para vender e comprar droga – lamenta.
As diferenças
Para Rubiana, o irmão mais velho sempre foi o mais tranquilo.
– Ele incomodava também, mas o Rafael incomodava mais. Acho que o mais forte que o mais velho usou foi cocaína. Ele sempre dizia que só iria usar drogas até os 30. E foi o que aconteceu. Eu disse para ele que, se ele fosse se tratar, seria padrinho do meu filho. Ele focou nisso e foi – lembra orgulhosa.
– Conseguimos as duas únicas vagas pelo SUS e os dois foram para uma clínica em Paranaguá. Ele ficou os sete meses completos do tratamento. O Rafa não aguentou três dias.
Continua depois da publicidade
O mais velho tem um padrinho que mora em um bairro nobre de Curitiba e o ajuda muito ele.
– Uma vez, ele teve uma recaída. Conversou com o padrinho que aceitou pagar o tratamento. Ficou mais sete meses na clínica onde conheceu a mulher, que também é usuária. Acho que por isso é que dá certo. Os dois vivem bem. Ele trabalha na construção civil. Mas todos os fins de semana eles voltam para a clínica para se cuidar.
Rubi diz que não se preocupa mais com o mais velho.
– Ele decidiu e conseguiu parar. Às vezes, é até chato. Não se pode fumar nem beber. Fazer nada perto dele.
O convívio
Quando tinha 13, 14 anos, Rubiana ensaiou se revoltar. Mas ela diz que só durou uns quatro meses. Rubi falava para a mãe que não queria mais estudar, não queria mais nada da vida. Mas logo arranjou um namorado, com o qual ficou três anos, e passou a fase.
Continua depois da publicidade
– Sempre ouvi na escola ?aquela é a irmã dos drogados, dos pirados, dos noia – desabafa.
Com a fala mais rápida e a voz nervosa, Rubiana lembra que, aos 16 anos, decidiu que precisava sair de casa.
– Eu não aguentava mais. Não aguentava viver com aquilo. Não poder ter as minhas coisas. Fui morar com uma amiga. Mas não deu para me sustentar e voltei para casa.
Logo depois, ainda aos 16, queria se casar, mas a mãe só permitiu a união quando ela fez 17.
– Casei para sair de casa. Não aguentava ficar lá, com dois irmãos assim.
O casamento acabou uns cinco anos depois. Ela casou novamente e foi por este marido que veio morar em Joinville.
Continua depois da publicidade
– Às vezes, me culpo por não estar lá.
A rua
O ano de 2009 foi bom para a família. O mais velho estava na clínica e Rafael estava bem.
– Estava tranquilo, calmo. Mas muito magro. Os ossos saltavam. Ele dormia na sala e eu me assustava. Dizia pra mãe que ele estava morrendo.
Mas os anos seguintes foram bem diferentes. Ela não sabe ao certo, mas acha que foi nesta época que Rafa começou a usar crack e dava para perceber os efeitos.
– Ele gritava de dor no ciático. Um perna dele encolheu. Começou a não falar coisa com coisa.
Há cerca de um ano, a família teve uma briga e a irmã Fabiana deu um ultimado a Rafael.
– Ela disse que ele só poderia voltar pra casa se aceitasse ir para uma clínica.
Desde então, Rafa aparece de tempos em tempos em datas especiais, como o aniversário da mãe Edite. Também fez visitas no Natal e no Dia dos Pais. No aniversário do pai ele não foi. É no mesmo dia do mais velho, com quem ele tem cisma.
Continua depois da publicidade
– Inventa histórias. Diz que meu irmão mente que ele é rico, fazendeiro.
– No meu aniversário, em 12 de setembro, fiquei o dia inteirinho esperando ele aparecer. Mas ele não veio – conta, com a voz embargada.
Os dias de chuva são os mais difíceis para a família.
– Minha mãe liga chorando, preocupada com o Rafael. Principalmente quando está muito frio. Em Curitiba, é muito frio no inverno. Ela fica preocupada.
A esperança
Rubi ainda está muito confusa com tudo o que está acontecendo e fica triste ao ver que muitos julgam e culpam sua família.
Continua depois da publicidade
– Me sinto muito assustada com toda a repercussão. Olhei a internet ontem. Vi que tem muita gente fazendo montagem, brincadeiras com a foto do meu irmão. Eles não pensam que ele tem família? Tem uma mãe que sofre?
Com os olhos cheios de lágrimas e as fotos dos tempos de modelo do irmão nas mãos, Rubi se enche de orgulho. Ela lembra que Rafael já foi estrela de várias campanhas publicitárias, como a de uma universidade de Curitiba e de uma concessionária de veículos.
– Era andar na rua e ver outdoor com ele – lembra, sorrindo.
E é isto que ela espera para o futuro do irmão. Com a repercussão na internet, vieram também ofertas de ajuda. O jovem foi encontrado na sexta-feira. Uma clínica do interior de São Paulo já tinha falado para Fabiana que tem uma vaga para ele.
Continua depois da publicidade
– A única coisa que quero é ver o Rafa bem. Acho que ele está muito bonito ainda. Não teve problemas de pele. Uma amiga disse que ele está com o dente podre, mas acho que isso dá pra arrumar. Acho que ele ainda pode ser modelo, né?