O vento uivava impressionante na paisagem árida no coração da Patagônia. Com mais de 100 km/h, a ventania encrespava a superfície do Rio Quiroga. A temperatura era de 6ºC, mas a sensação térmica era muito menor. Qualquer área exposta ao vento inclemente queimava e se tornava dolorosa. Péssimas condições de pesca, praticamente impossível arremessar uma isca. Uma tentativa, duas e – por Deus, com oração e tudo – finalmente a mosca chega ao local desejado.

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Bem no canal do rio, uma parte mais profunda onde a correnteza se encarrega de fazer a isca derivar. Segundos depois a linha estica. Uma enorme truta arco-íris está na outra ponta. Enorme. Algo assustador. Ela reboja e mostra seu lombo. Gigante!

O vento de 100 km/h, o frio, os dedos congelados não são mais problemas. A adrenalina está no sangue. A truta corre rio acima fazendo a carretilha cantar como uma cigarra. A linha da vara #6 estica. Qualquer erro na pressão e “adeus, Truta”, a linha fina arrebenta. A briga dura minutos, que parecem horas, e finalmente o megapeixe começa a perder a força.

O guia alcança a rede e, com cuidado, domina o grande exemplar de nove quilos. Hora da foto, retirar a isca e devolver o belo espécime ao hábitat natural. Eis o resumo da pesca esportiva na Estância El Capitan, província de Santa Cruz. Uma pesca difícil, peleada e, com certeza, inesquecível.

A pesca dessas trutas gigantes da Patagônia tem um nome: Kooi Noon. Operada pela Untamedanglig, seu nome deriva de alguma palavra indígena local, algo para impressionar norte-americanos e europeus, clientes preferenciais da operação. A pesca é dividida em dias de pesca e em locais distintos.

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Foto: arquivo pessoal

O principal point é o Lago Quiroga Chico. Localizado num platô, ramifica-se em outros rios tributários e menores com pequenos arroios (creeks) e todos eles cheios de trutas. Um paraíso para quem pratica a pesca com mosca, também conhecida como fly fishing. Para cada dia uma atração, um local, um tipo de pesca e tamanhos diferentes de truta.

Essas águas frias e cristalinas vindas de geleiras formam um cenário deslumbrante com a Cordilheira dos Andes que circunda a área. Por vezes é possível acompanhar de longe o voo elegante do condor, pairando sobre os picos gelados. Difícil se concentrar somente na pesca com um cenário tão grandioso.

No primeiro dia se pesca em um lago. Lago Toro, um lago coberto de vegetação aquática. Por baixo desse verde todo, muitas trutas aguardam ansiosas por algo que caia na água. Ao redor do lago montanhas de cascalho e pedras irregulares. Eis um engano! Na verdade são montanhas de fósseis marinhos.

Ao se aproximar, se percebe o impressionaste afloramento de priscas eras. Conchas, milhares delas, petrificadas, testemunhas que um dia aquela paisagem desértica foi o leito de um oceano. Ao caminhar nessas montanhas se encontra vario tipos de fósseis. Fica-se com a impressão que a qualquer momento se vai topar com um Tiranossauro Rex.

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O segundo dia de pesca é dedicado ao pequenos arroios. Córregos que são transpostos num pulo. Com equipamento mais leve, a diversão é garantida. Muitas trutas e ação. São pequenos canais onde pulula uma população de trutas pequenas a médias. No entanto, eis que de repente pode surgir uma grandona. Surpresas de um córrego pequeno, uma truta de três quilos e a correria de linha e pescador para não perder o peixe e a foto.

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Os dias seguintes são dedicados ao lago Quiroga e ao rio que desemboca dele. São trutas gigantes. Uma pescaria técnica acompanhada por guias todo o tempo. Águas rápidas e geladas podem ser traiçoeiras e fatais.

Outra preocupação nesses dias é a sensação térmica. Ventos que encanam dos Andes e vêm açoitando a paisagem do árido patagônico. Necessário luvas, gorros e toda a sorte de jaquetas e wadders para escapar do vento gelado. Apesar de toda a rudeza da pesca, nada pode superar a emoção da captura de um troféu. As trutas da estância El Capitan podem chegar fácil aos dez quilos, um verdadeiro santuário das maiores trutas do mundo.

Acomodações

A Estância El Capitan tem todo o conforto que um pescador urbano necessita. São acomodações com boas camas, lençóis brancos e limpos, calefação e banheiro individual com ducha muy caliente. Até internet e luz elétrica gerada de forma eólica por dois cata-ventos levam a “civilização” até lá. As refeições são todas preparadas com cuidado internacional, com um toque local.

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Porém, nada supera o dia do cordeiro patagônico. Assado com esmero por Don Luis, proprietário da estância, durante oito horas, o cordeiro é assado inteiro na enorme churrasqueira do galpão. Como decoração da churrasqueira, caveiras de pumas demonstrando o difícil convívio entre criadores de ovelhas e os felinos. Ahhh, vinho à vontade incluso no pacote!

A viagem

Para chegar à Estância El Capitan é necessário logística. Voo até Buenos Aires e, do aeroparque, até El Calafate. De El Calafate, destino muito comum devido ao famoso glaciar Perito Moreno que fica próximo, viaja-se de carro subindo em direção ao norte. Ora pela ruta 40, ora por estradas vicinais de cascalho e muito pó. No total, aproximadamente 600 quilômetros até o local da pesca. É chão e pó que não terminam nunca.

O local

Frio e vento. Mais vento do que frio. Um sol inclemente e duradouro. A claridade do sol dura até as 22h. Um cenário rude e deslumbrante. Montanhas geladas dos Andes e desertos varridos por um vento implacável. Por trás dessa aridez uma rica fauna e flora se desenvolve. São roedores, lebres, graxains, guanacos, corujas e – por fim – sua majestade odiada, o puma. Flores e miniflores como orquídeas minúsculas no meio de cactus e arbustos. Somente os fortes sobrevivem.

*Carlos Iotti viajou por conta própria, mas deve ainda US$ 250 para seu amigo Irineu Rocha

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