Todo produto com fins terapêuticos precisa de registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com as devidas informações sobre o fabricante e sobre a composição, mesmo que seja um feito à base de plantas. Os emagrecedores supostamente naturais, adquiridos pela reportagem durante cinco meses de investigação, não apresentavam registro e ainda traziam dentro das cápsulas substâncias químicas controladas crimes que preveem penas de até 30 anos de prisão.

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— Quem vende e quem fabrica responde por produto adulterado, crime contra a saúde pública E dependendo da substancia, que é o caso desses remédios, também pode configurar o tráfico de drogas — adverte Fábio Estuqui , delegado da DIC de Joinville.

Com as compras feitas pela reportagem da NSC, o delegado voltou a apurar a venda ilegal desse tipo de produto em Santa Catarina.

No fim do ano passado, depois que duas mulheres que tomaram as cápsulas foram parar no hospital, ele chegou a uma rede de revendedores na região Norte do Estado. Seis pessoas foram presas. O inquérito mostra que os produtos eram negociados pela internet e chegavam a Santa Catarina pelos Correios.

— Trata-se de um problema a nível nacional, já que esses produtos são vendidos pela internet. Virou febre no Brasil inteiro em busca desse corpo ideal, da beleza — diz.

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Os efeitos colaterais dessas substâncias já foram registrados mesmo em várias regiões do país. Em Lages, na Serra catarinense, uma mulher morreu depois de tomar um emagrecedor supostamente natural. Exames feitos pelo Instituto Geral de Perícias (IGP) mostram que ela morreu por intoxicação, provocada pela mistura de Diazepam e Sibutramina, substâncias que os peritos também encontram no Bio Slim, o composto que ela tomava.

No Piauí a polícia tenta descobrir quem forneceu um suposto emagrecedor natural para a estudante Luanna Raquel, 23 anos. Em novembro do ano passado, a jovem passou mal. Em uma mensagem enviada para a amiga contou que desmaiou e estava "com o coração acelerado". Ela foi levada para o hospital, mas morreu três dias depois.

— Ela dizia que queria emagrecer para ficar bonita para a formatura. Assim que começou a tomar (o composto) teve o problema de saúde — conta Plínio Amorim, primo de Luanna.

Em Rondônia, a Vigilância Sanitária ficou em alerta depois da morte da que a dona de casa Alexandra Jorge Rodrigues, 34 anos. Ela estava tomando um emagrecedor, supostamente natural.

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No produto foi detectada a presença de Sibutramina, substância inibidora de apetite, usada no tratamento da obesidade, que só pode ser comprada com receita médica especial (tipo azul). A polícia apura de onde veio o produto.

A Vigilância Sanitária do Estado orienta que as pessoas busquem no rótulo dos produtos informações como o CNPJ e endereço da empresa e se esses dados são reais.

— Se não tem essas informações, aí é que há grandes evidências que esse produto é irregular — alerta a Vanessa Ezaki, gerente da Vigilância Sanitária.

Depois de receber uma denúncia de tráfico de drogas, a polícia de Goiás chegou por acaso até um fabricante ilegal desses emagrecedores supostamente naturais. Foi na cidade de Jandaia.

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— No decorrer da investigação, vimos que na realidade ele estava fabricando remédios — conta o delegado Daniel Gustavo Gonçalves de Moura, responsável pelo caso.

A fabricação era feita de maneira improvisada numa casa "sem a mínima condição de higiene, sem nada. Eles usavam produtos ilícitos, anfetaminas, misturavam variadas doses de anfetamina em cada comprido", relata o delegado.

Seis pessoas da mesma família foram presas. Segundo a investigação, os criminosos negociavam as cápsulas pela internet e as enviavam pelos Correios. Foram detectadas vendas para Estados do Norte, Nordeste, Sudeste e do Sul, segundo ele.

remédio para emagrecer
Em Lages uma mulher morreu depois de tomar um emagrecedor supostamente natural (Foto: Tiago Ghizoni/NSC Total)

Leia: Cinco são presos suspeitos de vender remédios adulterados para emagrecer em Joinville

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"Não existe milagre para emagrecer"

Alexandre Hohl, médico endocrinologista e professor da UFSC

O que leva as pessoas a tomar medicamentos emagrecedores?

A motivação é muito social. As pessoas têm um padrão social de peso, de imagem. Muitas pessoas que às vezes têm um leve sobrepeso, um aumento pequeno de alguns quilos, o que é considerável saudável, buscam caminhos muitos perigosos. Obviamente, tem situações diferentes, pessoas que têm obesidade grau 2, grau 3 ou mórbida, e têm uma necessidade de perder peso pela saúde. De qualquer maneira, eu diria que boa parte da população busca um peso diferente, seja pra perder, seja pra ganhar. Poucas pessoas são felizes com seu peso no dia a dia. Então, esse motivador social segue pelos exemplos que a gente tem. Observe as capas de revistas falando das mulheres. Geralmente, são mulheres muito magras, muito diferente do padrão que a gente vê no dia a dia, na rua e nos ambientes de trabalho. Isso gera uma necessidade de buscar ajuda.

Se você perguntar para todo mundo como se perde peso, dirão: cuidando da alimentação e fazendo atividade física. Tem uns que não querem fazer isso e preferem fórmulas mágicas para chegar mais rápido nessa perda de peso. E geralmente essa fórmulas mágicas são prejudiciais.

Existe milagre para emagrecer?

Não, milagre só na igreja. Na medicina, falando na questão de peso, o emagrecimento acontece por uma estrutura onde a base é uma alimentação saudável, onde a nutricionista tem um papel importante. Uma atividade física regular aonde a gente o profissional da educação física, o personal para ajudar. E o médico entra muito numa situação onde isso é feito, quando não se atinge resultados, e aparece uma doença chamada obesidade. Eventualmente, precisa um tratamento medicamentoso. Então, se trabalha de uma maneira conjunta. Achar que um remédio sozinho, achar que uma fórmula de um composto mágico vai fazer com que a pessoa perca peso saudavelmente é uma falácia, é uma mentira.

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É possível, com medicamentos feitos de plantas, perder 12 ou 13 quilos num mês?

Provavelmente, não. É interessante isso, porque planta não é isenta de risco. De onde vem o cigarro? Vai ter outras substâncias ali que são produtos químicos, que podem fazer perda de peso, que são os chamados anorexígenos. Existem os legalizados e existem os ilegais, e isso é extremamente perigoso.

São anorexígenos, medicamentos químicos, farmacêuticos, que exigem uma receita controlada para ser usadas em território nacional, e as pessoas têm acesso dentro de um composto sem aquele cliente saber que aquilo está lá. É gravíssimo. Põe em risco a saúde das pessoas e precisa ser feito alguma coisa pra tentar coibir isso.

O que é a Sibutramina?

Sibutramina é uma medicação permitida no Brasil para tratamento de obesidade, de pessoa com IMC acima de 30 quilos por metros quadrado, juntamente com mudança de estilo de vida, que é dieta e atividade física. Em todo território nacional, é exigida uma receita controlada, azul, para que o paciente consiga ir na farmácia e compre a Sibutramina, porque é um remédio para ser usado em curto período de tempo, em geral, não mais do que seis meses. Perde peso, mas tem vários efeitos colaterais possíveis. Então, é um remédio que precisa de um acompanhamento rígido, próximo do médico, para algumas poucas pessoas que podem usar esse tipo de medicamento.

E essa mistura, Diazepam e Sibutramina?

Quando se mistura substâncias diferentes com Sibutramina, que é uma medicação sacietogena e pode ser usada para o tratamento da obesidade, mas ao mesmo tempo com outras como o Diazepam e a Bupropiona, temos uma mistura que nunca foi testada. Você não tem remédio no mercado que ponha o três juntos.

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É uma barco à deriva, é uma bomba-relógio. E isso estar dentro de algo que é vendido sem receita médica é inimaginável. Se agora se está descobrindo num desses produtos vendidos aí talvez exista em muitos outros.

É hora das autoridades mudarem a postura diante desses produtos?

O Brasil tem o hábito de copiar modelo tanto norte-americano como europeu das agências regulatórias do ponto de vista de saúde. Acho que aqui deveria ter esse caminho. Na Europa, a EMA, a agência regulatória europeia, faz uma busca ativa de substâncias que possam estar dentro de suplementos ou de fórmulas para emagrecimento que são comercializadas naquele continente. De tempos em tempos, soltam relatórios que identificam preventivamente substâncias que são não permitidas dentro desses compostos e retiram do mercado antes que aconteça desfecho negativo, como alguma doença ou morte de algumas pessoas. Então, cabe esse modelo no Brasil. Temos no país hoje a busca só passiva, só sob denúncia, como está acontecendo aqui. Na minha opinião, precisa de uma fiscalização mais ativa preventivamente dessas substâncias vendias e que prometem milagres. É o foco que a gente precisa ter para ter esse milagre de perda de peso, de grande energia. Tem coisas que não poderiam ser vendidas sem receita.

Falta uma medida diferente?

Acho que falta fiscalização. Atualmente, te diria que a fiscalização não é efetiva. Mas precisam ser punidas pessoas, empresários, seja quem for que faça isso. Tem que ser proibido de trabalhar nessa área. E que isso seja de maneira exemplar porque senão, não vai coibir quem já está fazendo isso, vai piorar, vai fazer com que outras pessoas se estimulem a fazer isso porque acham que existe uma facilitação. Até porque é um mercado provavelmente milionário, que deve vender muito, e bota em risco a população.

Se essa mudança na fiscalização não mudar, o que pode acontecer?

Pessoas vão morrer porque há quem toma esse tipo de medicamento sem uma avaliação médica prévia para saber dos riscos.

Leia: Médica esclarece cuidados após apreensão de remédios ilegais para emagrecer em Joinville

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Contraponto

A reportagem tentou contato com as marcas dos produtos adquiridos, mas não conseguiu nenhum contato por telefone, via site ou serviço de atendimento ao consumidor.

Os revendedores do Yellow Black e do Natural Dieta não quiseram falar sobre o resultado das análises. Já os revendedores do Original Ervas e Royal Slim disseram que não sabiam que havia substâncias químicas nos produtos.

O que diz a Anvisa

A Anvisa diz que cabe à Agência de Regulação o registro sanitário de medicamentos. Explica que o uso de anoxerígenos deve ter orientação médica.

Diz ainda que podem comercializar medicamentos, dentre eles os anorexígenos, as empresas que possuem Autorização de Funcionamento (AFE) da Anvisa e alvará sanitário das Vigilâncias Sanitárias dos municípios onde estejam instaladas.

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A Anvisa tem equipes de fiscalização que varrem a internet regularmente para averiguar desvios. Quando são identificadas as fraudes, o assunto é repassado à polícia, por se tratar de crime contra a Saúde Pública, considerado crime hediondo na legislação brasileira.

Apenas podem ser vendidos pela internet os medicamentos isentos de prescrição médica (que podem ser vendido sem receita).

Para verificar se um medicamento tem registro na Anvisa, basta acessar o Portal da Agência. A agência também disponibiliza o telefone 0800-642-9782.

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