A investigação da Operação Presságio revelou possíveis desvios de dinheiro público em eventos esportivos e até mesmo a suspeita de desvios em um estacionamento da Festa Nacional da Ostra (Fenaostra), em 2023, em Florianópolis. A operação cumpriu mandados de busca e apreensão em 18 de janeiro para apurar um suposto esquema de corrupção com a coleta de lixo em Florianópolis.
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As novas informações sobre o caso são detalhadas pela equipe de investigação da Delegacia de Investigação de Crimes Ambientais e Crimes contra as Relações de Consumo, da Polícia Civil, em uma representação apresentada à Justiça. O documento obtido pela reportagem da NSC pedia a prorrogação do afastamento dos investigados dos cargos públicos.
Os alvos já haviam sido exonerados do cargo após a operação, mas legalmente o prazo de afastamento terminaria esta semana. O pedido foi atendido nesta segunda-feira (19), com uma decisão da Vara do Crime Organizado da Grande Florianópolis que prorrogou o afastamento dos investigados do cargo.
O documento da Polícia Civil cita um possível desvio de recursos na realização de eventos culturais e esportivos. No esquema, pessoas ligadas a uma organização social que seria controlada pelo ex-secretário de Turismo, Cultura e Esporte de Florianópolis, Ed Pereira (União Brasil), emitiriam notas fiscais falsas e devolveriam recursos para o próprio secretário. A investigação também encontrou uma suspeita de desvio de recursos em um estacionamento da Fenaostra, em novembro de 2023.
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Os investigadores citam também uma planilha que identificaria supostos beneficiários de recursos públicos destinados a projetos sociais. Confira abaixo em detalhes os trechos da investigação.
Esquema em eventos esportivos
A maior parte das informações reveladas pela investigação no documento foram localizadas no telefone celular de Renê Raul Justino, diretor de projetos da Fundação Franklin Cascaes, submetida à Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte, comandada por Ed Pereira. O aparelho foi apreendido nas buscas de 18 de janeiro, quando foi deflagrada a Operação Presságio.
O pedido de prorrogação do afastamento ocorre inclusive porque a análise do material encontrado no aparelho de Renê deve durar mais tempo do que o previsto — foram 3,3 mil conversas pelo aplicativo WhatsApp e mais de 183 mil mensagens trocadas por meio do celular.
Em um áudio obtido pela investigação, Renê falaria com um interlocutor do ramo de lutas sobre uma prática de realização de eventos esportivos, com recursos da prefeitura, em que parte dos valores seria desviada para ser repassada ao chefe dele, o então secretário Ed Pereira:
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“Cara, como é que é, o ED ia precisar em torno de 60, 70 pau, tá ligado? Esse é o grande lance dele, isso limpo né. Então qual era o grande lance do evento, fazer o evento entre 150 e 120 pila, sacou? Porquê daí o que que acontece, ah vamos supor que é 150, tá ligado, 75 pra realização do evento, 75 pro ED”, diz Renê no áudio divulgado pela investigação” (trechos escritos conforme as transcrições relatadas no documento da Polícia Civil).
Segundo Renê, o dinheiro ajudaria Ed a pagar dívidas:
“(…) Esses setenta pau pro ED limpo, ele paga boa parte do que ele precisa, sabe? Porque ele tá pagando dívida de campanha né, ele vai pagar a gráfica, que era 20 pau da gráfica e vai jogar 50 pau pro cunhado dele, que ele deve 300 pau pro cunhado dele! Por favor, esse áudio não pode sair daqui.”

Conforme a investigação, a conversa ocorreu em janeiro de 2023, e os débitos seriam referentes à campanha a deputado federal nas eleições de 2022.
Renê conta ainda o caso de outro evento em que essa prática teria sido adotada e que o organizador teria “limpado oitenta pau [oitenta mil reais] pro ED”.
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Veja imagens da operação contra secretários em Florianópolis
Suspeitas sobre organização social
Outra suspeita apontada pela investigação envolve pagamentos feitos a organizações sociais, uma delas chamada Instituto Bem Possível, que segundo os investigadores seria controlada por Ed Pereira. O documento apresentado à Justiça apresenta uma planilha de pessoas que seriam pagas por meio do projeto social. Em uma conversa, Ed teria chegado a propor alterações nos valores pagos a quem aparece na lista, o que indicaria o controle do então secretário sobre a organização.
“Apurou-se que as pessoas que recebem valores através de Organizações Sociais, emitem notas fiscais frias, referente a prestação de serviço, que não foi devidamente prestado e após receberem os valores, fazem a restituição, geralmente para Renê”, diz um trecho da representação da Polícia Civil.
A investigação também apura uma suposta transferência de R$ 14,7 mil da conta do Instituto Bem Possível para a conta bancária de Samantha Brose, esposa de Ed Pereira e assessora de um parlamentar na Câmara de Vereadores de Florianópolis na data da deflagração da Operação Presságio. Outro pagamento de R$ 16 mil feito por Renê a Samantha também é alvo de apuração. Segundo a polícia, o valor seria referente ao pagamento de notas fiscais frias emitidas por pessoas ligadas à organização social controlada pelo próprio grupo.
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Estacionamento de festa
Segundo o documento, a investigação apontou que o grupo aproveitaria “das mais diversas oportunidades para angariar recursos”. Um exemplo teria ocorrido em novembro de 2023, quando Ed Pereira teria enviado uma mensagem a Renê afirmando que o estacionamento iria “livrar as coisas”. Segundo a polícia, seria uma referência a uma cobrança de estacionamento feita na Festa Nacional da Ostra (Fenaostra).
Em um áudio enviado a Ed Pereira pelo WhatsApp, Renê relata que a Polícia Militar teria comparecido ao local e questionado o destino do valor pago pelos motoristas. Por precaução, ele teria mandado “esconder tudo”. Um trecho da transcrição apresentada pela investigação detalha o caso:
“Os caras queriam saber de quem era o estacionamento, se era particular, se era privado, se tinha maquininha, se a maquininha estava tirando o comprovante, se sai em nome da prefeitura se sai de privado, particular, ele mandou tirar cone da pista, pra deixar só um ou dois aqui. Mandou também é, diz que vai mandar pra cima para ver de quem é esse estacionamento, pra quem que tá indo, pra ver pra quem que tá arrecadando, que pode ser corrupção, e pa pa pa”.
Na sequência da conversa, Ed Pereira teria perguntado em mensagem de texto quantos carros teriam estacionado no local no dia anterior e se “vale o risco”. Renê novamente responde por áudio:
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“Cara de verdade acho que não vale, ontem deu movimento de dois pila e pouco”.

A investigação da Polícia Civil destaca o fato de que em um trecho do áudio Renê afirma que quem estava cuidando dos carros eram moradores de rua que pernoitavam no abrigo da Passarela Nego Quirido, que fica próxima ao local em que ocorria o evento. Os agentes não conseguiram ainda indicar o titular da conta que recebia os valores pagos, mas diz que “fica subentendido que estaria vinculado à conta de Renê Raul Justino”.
Câmara de Vereadores e secretarias de Florianópolis são alvos de operação da polícia
Nomes em lista de projetos a serem beneficiados
Por fim, o documento da Polícia Civil a que a NSC teve acesso cita uma suposta ligação do então secretário de Meio Ambiente de Florianópolis, Fábio Gomes Braga, no esquema ligado à Secretaria de Turismo, Cultura e Esporte. Segundo a investigação, o nome de Braga aparece em uma planilha ao lado de nomes de projetos sociais e de valores previstos a serem destinados às iniciativas.
Para a polícia, os termos indicariam quem seriam “os ‘donos’ do projeto e, também, possivelmente os destinatários dos desvios provenientes destas parcerias”. A defesa de Braga afirma que a tese da investigação são meras ilações e que os nomes de políticos na lista seriam lideranças que apoiavam os projetos em questão.
A investigação defende a prorrogação do afastamento dos envolvidos de cargos públicos e diz que ainda é preciso avançar na análise dos materiais fruto das buscas.
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“O que detectamos em análise, ainda preliminar, é um verdadeiro assalto aos cofres públicos, onde o grupo capitaneado por Ed Pereira e Samantha Santos Brose, utiliza dos recursos públicos da Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esporte para proveito do grupo criminoso, onde por meio de termos de fomento e captação de recursos de empresas privadas, engordam suas contas bancárias e se enriquecem ilicitamente”, escreve no trecho final do documento a equipe da Delegacia de Investigação de Crimes Ambientais e Crimes Contra as Relações de Consumo.
Contrapontos
Renê Raul Justino
A defesa do ex-diretor de Cultura da Fundação Franklin Cascaes, Renê Raul Justino, informou à reportagem que teve acesso somente nesta terça-feira (20) ao pedido do Ministério Público de prorrogação dos afastamentos dos investigados, e que o pedido é basicamente fundamentado em algumas conversas entre Renê e outras pessoas.
“O que há nos autos até então são relatórios policiais que apenas fazem menção a conversas supostamente mantidas entre Renê e outras pessoas, mas essas conversas ainda não foram trazidas de forma oficial aos autos, ou seja, através dos respectivos laudos técnicos, quando então a defesa poderá constatar a autenticidade de tais mídias, a forma pela qual foram adquiridas, de que maneira foi, ou não, respeitada a cadeia de custódia. Até então o que temos são relatórios nos quais os policiais disseram haver conversas, mas ainda não está oficialmente comprovado o que de fato existe, o que não nos permite uma manifestação minimamente segura a respeito”, afirmou a defesa, em nota.
Ed Pereira e Samantha Santos Brose
A defesa de Ed Pereira e Samantha Santos Brose, esposa do ex-secretário, afirma em nota que “O material apreendido na busca e apreensão ainda está em análise preliminar. A defesa tem ciência da decisão proferida que renovou o afastamento dos cargos, porém não teve acesso a íntegra das provas objeto de análise. No momento oportuno tudo será esclarecido, com o fito de elucidar o caso e demonstrar a inocência do Sr. Edmilson e Sra. Samantha. Estamos confiantes que se fará Justiça, ante as infundadas acusações”.
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Fábio Gomes Braga
A defesa do ex-secretário de Meio Ambiente, Fábio Braga, enviou uma nota frisando que ele assumiu o cargo após a contratação da empresa de coleta de lixo que é alvo da investigação, e que recebeu a incumbência de gerenciar o contrato em razão de uma reforma administrativa aprovada pela Câmara.
O advogado responsável também afirma que Braga alertou sobre a necessidade de licitações para os serviços, e que em duas ocasiões as orientações foram seguidas, em processos suspensos ou judicializados posteriormente. O defensor também lembra que as contratações foram autorizadas pelo comitê gestor da prefeitura, composto por cinco secretários e sem a participação de Fábio Braga.
“Agora, em nova representação nos autos, a investigação estabelece uma ilação de que meu cliente teria participado de desvios ilegais de valores destinados a projetos comunitários da Prefeitura Municipal de Florianópolis, que o faz através de descentralização de recursos a entidades não governamentais.
Tal ilação parte de uma planilha localizada no smartphone de um dos investigados, donde vários secretários e vereadores também são listados, demonstrando que ali não estão participantes de quaisquer atividades ilícitas, mas sim lideranças políticas que declinaram apoio aos referidos projetos, tanto que não há qualquer contato de meu cliente com o agente que teve as conversas extraídas de seu aparelho celular”, diz a defesa de Braga, em um trecho de nota enviada à reportagem.
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Na avaliação dele, a relação feita pelos investigadores seria o mesmo que pôr sob suspeita qualquer valor recebido por associações ou ONGs caso algum agente político tenha manifestado apoio ao projeto. “Temos convicção da inocência de meu constituinte”, finaliza a defesa.
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