Falta de treinamento para operar o maçarico, ausência de plano de emergência e a omissão pelo conhecimento prévio da fragilidade do sistema são fatores levantados pelo inquérito instaurado pelos Ministério Públicos de Santa Catarina e Federal, logo após o apagão que atingiu 79,5% dos moradores de Florianópolis, há exatos 10 anos, em 29 de outubro de 2003.

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O inquérito embasou a ação civil pública que tramita na Justiça e responsabiliza a Celesc e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pelo acidente, cobra indenização às 135.432 unidades consumidoras prejudicadas e exige medidas para evitar novo apagão. Parte das ações já foi cumprida pela Celesc. Na última semana, o Tribunal Regional Federal (TRF), em Porto Alegre, manteve a sentença proferida pela Justiça Federal em 2010, obrigando a Celesc a pagar R$ 5 milhões por danos morais, além de calcular um valor para ressarcir danos materiais.

Segundo o site do TRF, a Celesc recebeu intimação eletrônica dia 23. A estatal não confirma o recebimento, mas garante que vai recorrer. O apagão foi preponderante para mudar a postura da Celesc diante dos trabalhos de manutenção. A galeria onde os cinco técnicos trabalhavam, no meio da Ponte Colombo Salles, é estreita e com escassa ventilação. Os funcionários fariam três emendas em cabos de média tensão: duas fora da ponte e uma na galeria. Fora, usaram um compressor térmico movido a gerador, que não pôde ser levado à galeria devido ao tamanho.

Dentro, usaram o maçarico, porque a empresa não tinha emenda a frio. Conforme depoimento prestado em 2008 à Justiça Federal por Jacques Naschenweng _ apontado por colegas como o coordenador do trabalho _ o maçarico passou a não ser mais usado, “sendo adequada a emenda a frio”. Após o acidente, os funcionários receberam treinamento e a empresa começou a avaliar previamente se os locais dos serviços são confinados, obedecendo à norma técnica do Ministério do Trabalho.

Na ação, o MP incluía a Aneel como ré, por considerar que ela não cumpriu com a função de fiscalizar e identificar previamente as deficiências da Celesc. O processo foi embasado nos depoimentos dos cinco técnicos, engenheiros da Celesc e laudos periciais apresentados pelo Corpo de Bombeiros, Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e Aneel.

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A perícia da DRT foi contundente e apontou condições impróprias para o trabalho, falha na antecipação ao risco e despreparo da equipe. Naschenweng defendeu-se na audiência ao garantir que “considerava-se, bem como a seus colegas, apto ao desenvolvimento dos trabalhos de emenda que lhe foram confiados”. A comissão especial instituída pela Celesc para apurar o caso concluiu, em relatório enviado à Justiça, que os técnicos “estavam habilitados para a execução das emendas” e “tinham treinamento e experiência”.

Outras duas ações civis públicas foram incorporadas à ação dos MPs neste ano, por ser mais abrangente. A Aneel também aplicou uma multa de R$ 7,9 milhões, contestada na Justiça. A Celesc responde ainda a processos individuais de consumidores.

O QUE APONTOU A INVESTIGAÇÃO

Ministério Público

– Desobediência às normas e aos procedimentos adequados para o trabalho na ponte

– Falta de equipamentos necessários e desobediência aos procedimentos obrigatórios para a operação

– Falta de um plano prévio de trabalho e treinamento específico para o trabalho

– Falta de plano de emergência, descaso com a segurança e omissão

– Falta de seguro das linhas de transmissão

Delegacia Regional do Trabalho

– Falta de treinamento e orientação da equipe sobre os riscos, prevenção e procedimentos em locais confinados

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– Falta de inspeção prévia do local e ordem de serviço com os procedimentos específicos a serem adotados

– Falta de monitoramento de substâncias que causem asfixia, intoxicação, incêndio ou explosão no ambiente, além da inexistência de ventilação exaustora e máscaras

– Falta de cordas ou cabos de segurança e armaduras para resgate seguro

– Acessos inseguros ou junto aos cabos de alta tensão, com riscos de quedas e choque elétrico, falta de saídas de emergência seguras e iluminação deficiente

Corpo de Bombeiros

– Incêndio foi causado pela propagação da chama do maçarico em ambiente confinado, que promoveu a combustão de gases e vapores acumulados na parte confinada da galeria, gerados pela queima do revestimento dos cabos durante a solda

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– No teto da galeria, se formou uma camada de ar aquecido e favoreceu a formação de vapores dentro do limite de inflamabilidade, que entraram em combustão e geraram um incêndio em cadeia

– Embora admitam a possibilidade, o laudo descarta o vazamento do gás GLP do maçarico, por não haver confirmação dos funcionários durante a perícia. Ainda que um deles tenha dito que achava ter havido “algum problema com a válvula” no dia do acidente

Fiscalização da Aneel

– A Celesc tinha conhecimento prévio da fragilidade do fornecimento à Ilha, pois já previa obras de ampliação no futuro

– A empresa não tinha plano de emergência para atendimento à Ilha, em caso de acidentes nos cabos

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– O apagão ocorreu devido ao descuido por parte dos técnicos das normas para este tipo de manutenção

– Não houve verificação da existência de gases no ambiente, nem foi usado exaustor

Fonte: Ação Civil Pública 2004.72.00.015310-2, dos Ministérios Públicos de Santa Catarina e Federal