As notícias que partem dos Estados Unidos desde a semana passada deixam o mundo inquieto por se sentir vigiado. E mostram o seguinte: a evolução das tecnologias de comunicação, com o aumento na troca de informações, tem o efeito paralelo de possibilitar que esses mesmos dados acumulados, o chamado “big data”, sejam captados, monitorados e utilizados pelos governos.

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O impacto da divulgação de que o governo americano monitorava milhões de pessoas levou a revista The Economist a definir o episódio como um atoleiro comparável ao da Guerra do Vietnã (1955/75), com possíveis reflexos políticos negativos para o presidente Barack Obama.

A Agência de Segurança Nacional americana (NSA, na sigla em inglês) é capaz de acompanhar enormes volumes de informação digital e, com isso, espionar as pessoas em quase qualquer lugar do mundo. Isso ficou escancarado como escancaradas parecem estar as vidas dos americanos que vinham sendo monitorados. Não havia escutas, mas o acesso aos “metadados” (números discados, localização de aparelhos, tempo das chamadas) permite uma bisbilhotice que torna precária a privacidade das pessoas.

Invasão de privacidade

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A fonte que revelou o programa secreto de vigilância das comunicações de Washington, o americano Edward Snowden, 29 anos, assessor da própria agência, dá a dimensão do episódio:

– Não quero viver em uma sociedade que faz esse tipo de coisa, em um mundo em que tudo que faço e digo fica registrado – disse em entrevista ao britânico The Guardian.

Tudo é muito rápido e grandiloquente. Os especialistas estimam que 90% dos dados existentes no mundo foram criados apenas nos últimos dois anos. Nas mais variadas plataformas – sites, e-mails e redes sociais -, o mundo cria, diariamente, 2,5 quintilhões de bytes de dados.

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Apenas em março último, informa o The Guardian, 97 bilhões de dados foram coletados das redes em todo o mundo pela agência americana, sempre de forma sigilosa e com a justificativa de que a ideia é combater o terrorismo. Dados da própria agência mostram que 14% desse total são captados de países onde se supõe que o terror seja fomentado, como o Irã e o Paquistão. Cerca de 3% vieram, porém, de dentro dos próprios Estados Unidos.

– Não posso afirmar se o que está sendo feito é ainda maior do que parece, mas posso dizer que é uma conduta absolutamente temerária e muito grave em razão da privacidade da pessoa humana. Há um abuso de direito – diz a advogada Camilla do Vale Jimene, especialista em Direito Eletrônico do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof, em São Paulo.

Camilla diz ser aceitável o Judiciário permitir o monitoramento, por exemplo, em um caso de sequestro, para elucidá-lo. O argumento de que a ação do governo americano tem como objetivo o combate ao terror, porém, não serve como justificativa e não pode ser comparado a situações de necessidade.

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– Foi tudo, aparentemente, aplicado a toda a população. Não se justifica prejudicar toda a população – afirma, sustentando que, “num mundo fortemente interconectado”, Obama deve ter a imagem prejudicada.

Camilla pergunta: se fizessem uma consulta popular, seria possível tal estratégia de segurança nos EUA? O fato é que, com pouco debate, a agência tem se expandido e se tornado mais e mais estratégica (sua sede é uma fortaleza de 1 milhão de metros quadrados nas montanhas de Utah, no nordeste do Estado, onde imensos volumes de dados pessoais são armazenados), com tentáculos (estações de interceptação) país afora, a partir do investimento de bilhões de dólares do governo americano.

Denunciante quer pedir asilo à Islândia

Os próximos passos de Edward Snowden, 29 anos, que revelou os programas confidenciais de vigilância das comunicações dos Estados Unidos, são uma incógnita. Ontem, o ex-técnico da CIA, que trabalhou durante quatro anos na Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês) como funcionário de várias empresas terceirizadas, teria deixado o hotel onde estava refugiado em Hong Kong.

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Em entrevista ao jornal The Guardian, Snowden revelou que espera não ser deportado do território chinês e que pensa em pedir asilo à Islândia. O governo islandês informou que não recebeu nenhum pedido e destacou que quem deseja obter a permissão deve fazer a solicitação pessoalmente no país. Há três semanas, Snowden deixou a namorada, com a qual morava no Havaí, para viajar a Hong Kong, antes de provocar o vazamento de informações confidenciais.

Ontem, o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, disse que o governo americano não comentará oficialmente sobre a revelação de Snowden.

Na entrevista coletiva diária, o representante afirmou que a administração do presidente Barack Obama também não dará informações oficiais sobre as investigações abertas pelo Departamento de Justiça. O comentário foi a primeira manifestação após republicanos do governo pedirem, no domingo à noite, a extradição de Snowden. O chefe do subcomitê de Segurança Nacional da Casa Branca, o republicano Peter King, pediu o início do processo de extradição do delator “o mais rápido possível”.

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Mesmo com um pedido dos EUA, a extradição do delator pode ser rejeitada por Hong Kong. O país e o território chinês tem contratos que permitem o retorno forçado de criminosos, mas há exceções para casos de perseguição política.

Snowden, no entanto, conta com o apoio de ativistas a favor da liberdade civil e de outras organizações. A ex-procuradora de Justiça Jesselyn Radack disse que este é um dos maiores vazamentos de informações da história americana feito por um só indivíduo. Ontem, cerca de 15 pessoas se reuniram em Nova York para apoiar Snowden.

Em Londres, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, declarou que as agências de inteligência da Grã-Bretanha “agem dentro da lei”. Perguntado sobre as alegações de que o Reino Unido teve acesso ao programa de espionagem americano Prism, Cameron respondeu:

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– Eu não posso comentar assuntos da inteligência.