A interdição das construções erguidas por indígenas na região do Terminal do Saco dos Limões (Tisac), em Florianópolis, nesta quinta-feira (1º), revelou um novo impasse na relação dos povos com a prefeitura. Para o Ministério Público Federal (MPF), o executivo tem descumprido uma série de ordens judiciais, como a que determinou a construção de uma casa de passagem para acolhimento do grupo. Já o executivo da capital catarinense alega que falta diálogo e que a medida foi tomada para garantir a segurança das pessoas.
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A ação ocorreu durante a tarde de quinta-feira. As construções eram erguidas no terreno vizinho ao Tisac, que pertence à União, e tinha como foco ampliar o espaço com um acampamento improvisado para aquelas famílias.
No entanto, a prefeitura alega que os barracos foram erguidos no local sem qualquer licença ou autorização, além de não ter a supervisão de um profissional técnico. Toda essa situação estaria colocando em risco a segurança da população.
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“Estamos alertando há meses para a situação no local. Há crianças sem cuidados médicos, inclusive pedindo esmola nas sinaleiras. Para piorar a situação, o movimento está construindo barracos em uma área federal que a justiça impede o município de atuar. Não é apenas uma invasão ilegal, agora estamos falando de construção sem qualquer profissional técnico que garanta a segurança das pessoas. Estamos reiteradamente comunicando a justiça federal, que está ignorando as leis no local”, disse o prefeito de Florianópolis, Topázio Neto, no comunicado sobre a interdição.
A nota diz, ainda, que o receio era de que o local se tornasse um novo espaço para moradias “sem qualquer infraestrutura de esgoto, água ou energia” e que o município “já ofereceu, em juízo, a construção de uma casa de passagem para indígenas vindo de outro Estado, mas os locais oferecidos foram negados pelas lideranças”.
Atualmente, cerca de 400 indígenas, de diferentes etnias, vivem no local. Em entrevista à NSC TV, ele reforçou a necessidade de autorização para a construção das moradias.
— Nós nos deparamos, nessa semana, com alguns barracos de madeira sendo construídos naquela área, sem nenhum tipo de alvará, sem nenhum tipo de projeto, e até por uma questão de segurança das pessoas, fizemos interdição daquelas construções. Enquanto eram barracas de lona, nós entendemos que era uma questão cultural. Na hora que começa a ser casas de madeira com telhado, precisa ter autorização da prefeitura — diz.
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Porém, de acordo com a procuradora do MPF, Analucia Hartmann, as construções foram feitas para dar mais conforto aos indígenas que estão no terreno. Ela enfatiza que o espaço teria sido cedido para a construção de uma casa de passagem.
— O que a prefeitura alega não tem sentido, porque essas pequenas casas que estão sendo construídas são efêmeras, são provisórias. Elas não vão ter ligação de energia. Infelizmente, as famílias vão ter que continuar usando também os poucos banheiros que foram cedidos pela prefeitura na área do Tisac. O que está por trás disso é uma falta de atendimento aos termos do acordo que está em execução judicial contra o município — alega a procuradora.
Casa de passagem segue sem previsão
O MPF alega que o município já havia se comprometido a construir a casa de passagem para atendimento dos indígenas no terreno ao lado do antigo terminal. A estrutura, conforme a procuradora, deveria funcionar desde 2019.
— Infelizmente, todas aquelas ações que foram previstas em 2018, acordadas pelo então prefeito, inclusive com orçamento, foram descumpridos pelo município. Os indígenas continuam chegando. Não é só uma comunidade, são várias comunidades que vem do Paraná, Rio Grande do Sul, do Oeste de Santa Catarina, que se dirige para o local, que já tem tradição de acolher essas famílias que vivem de vender o seu artesanato durante a temporada de verão — pontua Analucia.
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Sobre a casa de passagem, a prefeitura alega que é uma questão que ainda precisa ser discutida. Conforme o município, falta diálogo, não só com as lideranças, mas também com a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas.
— Nós não temos interlocução com os indígenas porque a cada dia tem uma liderança diferente. E a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas, que deveriam estar à frente disso para ajudar a resolver o problema, inclusive com recursos financeiros, porque está sobrando para a população de Florianópolis todo o custo de fazer uma casa de passagem, que era para ser de passagem durante o verão e agora já se fala, inclusive, de ser uma moradia para indígenas — alega o prefeito Topázio Neto.
No entanto, a procuradora do MPF, Analucia Hartmann, contesta a alegação da prefeitura:
— Desde o início deste acordo já estava previsto que o município teria um teto de gastos na construção e, a partir daí, tanto Ministério Público quanto a Funai buscariam recursos de compensações ou outras fontes para completar a construção da casa de passagem.
Na próxima quarta-feira (7) uma audiência será feita pela 6ª Vara Federal de Florianópolis para discutir a responsabilidade da casa de passagem.
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Em nota, a Funai afirmou que não tem atribuição para a construção do espaço, mas que tem coordenado ações para a promoção e a proteção dos processos de mobilidade dos indígenas artesãos na região Sul, em articulação com outros órgãos governamentais.
Veja a nota na íntegra
“A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) esclarece que a construção de uma Casa de Passagem no local não é atribuição da fundação. A Funai tem coordenado ações visando a promoção e a proteção dos processos de mobilidade dos indígenas artesãos na região Sul, em articulação com os diversos órgãos governamentais e os indígenas artesãos, para garantir que a Prefeitura de Florianópolis disponibilize um espaço adequado para os artesãos indígenas.
A Funai compreende o processo de mobilidade e permanência das famílias de artesãos indígenas como prática tradicional que ocorre há muitas décadas, não só em Florianópolis, mas em outros centros urbanos médios, grandes e turísticos da Região Sul. O processo de mobilidade dos indígenas artesãos da região Sul do Brasil totaliza, atualmente, 119 municípios em cinco estados e três regiões, sendo 41 deles no estado de Santa Catarina (SC), 30 no Rio Grande do Sul (RS), 45 no Paraná (PR), 2 no estado de São Paulo (SP) e 1 no Mato Grosso do Sul (MS).
A demanda por acolhimento aos indígenas artesãos em processo de mobilidade é amplamente reivindicada pelas organizações indígenas e de conhecimento dos órgãos e entidades envolvidos no atendimento aos indígenas. Já existem modelos de referência de projeto das Casas de Passagem para os artesãos indígenas na região Sul, por exemplo: a Casa de Passagem de Curitiba; e as duas soluções de acolhimento aos artesãos do município de Maringá – uma Casa de Passagem Indígena de gestão da Prefeitura e o apoio à Associação Indigenista de Maringá (Assindi), que recebe os indígenas em equipamento da instituição e possui a missão de humanizar a passagem dos Kaingang na municipalidade, sendo apoiados também pelo Ministério Público do Trabalho.
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Assim, a Fundação compreende que a solução local de cada município deve ser adequadamente desenhada em diálogo entre organizações indígenas, Funai e municípios“.
O NSC Total também entrou em contato com o Ministério dos Povos Indígenas, mas não teve retorno até a publicação.
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