O Diário Catarinense adianta o editorial que publicará na edição impressa para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Serão selecionadas para publicação no jornal impresso participações enviadas até as 19h de sexta-feira. Ao deixar comentário, informe nome e cidade.

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PARA NÃO ESQUECER

Meio século depois, a história do golpe de 1964 está sendo revisada e recontada sob o olhar plural da democracia e o questionamento implacável das redes sociais. O fato histórico merece esta atenção e esta visibilidade, não apenas porque marcou a vida de várias gerações de brasileiros, mas também – e principalmente – porque a lembrança do período autoritário reforça o nosso apreço pela liberdade. Aquela abrupta mudança de rumo político levou o país a mergulhar nas trevas do autoritarismo, mas também o desafiou a encontrar saídas democráticas para o labirinto da ditadura que sucedeu à ruptura institucional.

A deposição do presidente João Goulart, comandada pelos militares com o apoio de parcela expressiva da população, de organizações religiosas e empresariais, da mídia e de outros setores representativos da sociedade brasileira, foi sucedida por um período de inegável desenvolvimento econômico, no início, mas também de supressão de direitos individuais, de perseguição política, de repressão brutal e de censura impiedosa. O regime ditatorial deixou feridas que jamais cicatrizarão e lições que não podem ser esquecidas, entre as quais a de que ninguém, sob pretexto algum, tem o direito de se apropriar do Estado. O ensinamento vale também para a parcela de opositores da ditadura que enveredou pelo lado da violência, sem demonstrar comprometimento com a democracia.

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O Brasil não pertence às Forças Armadas, aos partidos políticos ou a eventuais ocupantes do poder. É uma propriedade coletiva, de todos os brasileiros. E nosso povo optou, inequivocamente, pela democracia, pela liberdade de expressão e de manifestação, pelo direito de escolher livremente seus representantes políticos, pelo desenvolvimento sem milagres, fundamentado no trabalho e na paz social. Na condição de herdeiros das lutas democráticas empreendidas pelos que resistiram ao golpe num primeiro momento e pelos que passaram para a oposição posteriormente, os governantes e as lideranças políticas de hoje não podem ser coniventes com as sabotagens à democracia, com a corrupção em todos os níveis da sociedade, com a impunidade, com a apropriação do Estado por corporações, partidos e ideologias, e muito menos com as tentativas de inibir a livre expressão do pensamento que só contribuem para degradar a condição humana e social dos brasileiros.

Não queremos mais tutores, fardados ou em trajes civis. Queremos, isto sim, governantes responsáveis, comprometidos com a ética administrativa e com o bem-estar da população, submissos à Constituição e à vontade popular, transparentes nos seus atos e tolerantes com os questionamentos às suas administrações. Todas as formas de arbítrio e de totalitarismo merecem ser repudiadas, independentemente de sua coloração no espectro político.

O golpe de 64 e os 21 anos de exceção deixaram sequelas, ressentimentos e também o ensinamento inesquecível de que a liberdade continua sendo o patrimônio mais valioso desta nação.