O Diário Catarinense adianta o editorial que publicará na edição impressa para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Serão selecionadas para publicação no jornal impresso participações enviadas até as 19h de sexta-feira. Ao deixar comentário, informe nome e cidade.
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A CULTURA DA PROPINA
Pressionado pelas manifestações de rua, o Brasil deu um passo importante na luta contra a corrupção ao colocar em vigor uma rígida lei contra deformações nas relações entre agentes públicos e privados a partir de janeiro deste ano. Ainda assim, e até mesmo por falta de uma definição clara sobre a aplicação de sanções efetivas, o país segue acumulando casos que contribuem para reforçar, interna e externamente, a imagem associada a uma cultura disseminada da prática de propina na administração pública e na sua relação com fornecedores privados. O caso mais recente – envolvendo denúncias relacionadas a pagamentos indevidos a servidores da Petrobras por parte de uma empresa holandesa – dá uma ideia de até onde podem chegar os prejuízos políticos e financeiros para o país. E, ao mesmo tempo, da ineficácia ou da insuficiência de leis para punir empresas corruptoras brasileiras, pois o país é alvo fácil também de ilicitudes de megacorporações internacionais.
Só em São Paulo, o Estado economicamente mais avançado, há hoje dois escândalos típicos de pagamento de propina sob investigação. Um deles era capitaneado por uma máfia que reduzia o Imposto sobre Serviços (ISS) cobrado pela realização de obras, garantindo em troca propina para servidores da prefeitura paulistana. O outro envolve fraude em licitações e pagamento de “caixinha” para servidores por parte de um cartel de multinacionais com contratos na área de trens no governo estadual de São Paulo. O da Petrobras, que envolveria o pagamento de propina a funcionários por parte de uma empresa holandesa, é apenas o mais recente entre os mais rumorosos. Ainda assim, tem potencial para provocar estragos que vão além da imagem da maior estatal brasileira.
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O ponto em comum entre esses exemplos mais conhecidos, dos muitos que circulam diariamente por baixo dos panos, é alegação dos corruptores sobre a necessidade de “apressar as coisas”. O excesso de burocracia está na origem da maioria dos registros de pagamento ilegal para a obtenção de vantagens. Quando a essa característica brasileira se associa a prática disseminada de abrigar apadrinhados políticos em empresas do setor público, muitos deles sem qualquer habilitação para o cargo exercido, a porta para os malfeitos se escancara. Todo brasileiro que concorda em cortar caminho na máquina pública mediante qualquer tipo de troca de favores acaba contribuindo para reforçar essa deturpação da normalidade administrativa.
O fato de o Brasil ter começado este ano sob a vigência de uma moderna e eficiente Lei Anticorrupção demonstra pelo menos que o clamor das ruas começa a ser ouvido. Muitos políticos continuam fazendo de conta que estão acima da lei, muitos cidadãos seguem recorrendo a jeitinhos para angariar benefícios, mas o país já não pode mais ser citado como paraíso da impunidade. Só o rigor da lei, porém, não basta. A cidadania plena exige a erradicação da cultura do suborno, mas isso só ocorrerá se cada brasileiro fizer a sua parte na construção de uma sociedade mais vigilante e mais ética.