O Diário Catarinense adianta o editorial que publicará no próximo domingo para que os leitores possam manifestar concordância ou discordância em relação aos argumentos apresentados. Participações enviadas até as 19h de sexta-feira serão selecionados para publicação na edição impressa. Ao deixar comentário, informe nome e cidade.
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UM ESTATUTO POLÊMICO
O Senado aprovou na última terça-feira o Estatuto da Juventude, que assegura uma série de prerrogativas para jovens de 15 a 29 anos, entre as quais a meia-entrada em eventos culturais e esportivos, além de gratuidade em ônibus interestaduais. Embora fundamentado em exaustivo trabalho de pesquisa sobre os anseios dos jovens brasileiros, captados em audiências públicas e grupos de estudos específicos, o novo regulamento cria privilégios para uma faixa etária da população ao mesmo tempo em que discrimina outra – os chamados sem-estatuto, grupo formado por pessoas entre 30 e 59 anos. Já temos no país o Estatuto da Criança e do Adolescente, para a faixa de zero a 18 anos; o dos Jovens, entre 15 e 29; e o Estatuto do Idoso, para pessoas acima de 60 anos.
Essa discriminação poderia ser encarada como simples curiosidade se não representasse, na prática, um ônus significativo para quem não está contemplado por qualquer espécie de subsídio. Estes, na verdade, pagam mais para que outros se beneficiem, o que seria justo se houvesse uma metodologia infalível de identificação social. Porém, pela simples aplicação do estatuto recém aprovado, nada impede que trabalhadores de classe média tenham que pagar ingressos de cinema pelo preço mais elevado para que jovens estudantes de maior poder aquisitivo utilizem a meia-entrada. Ainda que a maioria dos estudantes brasileiros pertença às classes C, D e E, a lei não pode restringir os mesmos benefícios para os demais.
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A extensão da “juventude” para o limite de 29 anos também é controversa. Para a ONU, a juventude é o período de transição entre a adolescência e a idade adulta, que se estende dos 18 aos 24 anos. Ao definir cinco anos a mais como parte deste ciclo, o Estatuto da Juventude usa um critério arbitrário, que pode muito bem ser questionado por quem já fez 30 anos e se considera tão jovem quanto os demais da faixa anterior.
Para atenuar os efeitos da extensão do privilégio da meia-entrada, o Senado instituiu uma cota máxima de 40% dos ingressos de cada espetáculo para este fim. Atendeu, desta forma, um apelo dos artistas, manifestado em carta pela atriz Fernanda Montenegro, temerosa de ver sua atividade inviabilizada pelas benesses. “Não me peçam de graça a única coisa que eu tenho para vender, que é o meu ofício”, escreveu a primeira-dama do teatro brasileiro, parafraseando a imortal Cacilda Becker.
É inegável que o Estatuto da Juventude reforça direitos inalienáveis dos jovens brasileiros, inclusive pela repetição de vários dispositivos constitucionais já contemplados no Estatuto da Criança e do Adolescente. Nada errado com isso. O país mostra que está sintonizado com o futuro ao regrar políticas públicas destinadas a proteger, incentivar e valorizar os seus jovens. O questionável é o viés demagógico de uma legislação que prevê benefícios sem apontar fontes de financiamento. Como inexiste almoço grátis, a parcela convocada para pagar a conta também deve ter o direito de reclamar.