O ano era 1839, e a Revolução Farroupilha, uma das batalhas mais longas e sangrentas da história do Brasil, não estava nem na metade (1835 a 1845). Em Lages, na Serra Catarinense, os farrapos formaram um pelotão de cavalaria para auxiliar Anita e Giuseppe Garibaldi na tomada de Laguna. Só que no meio do combate, os carretões e canhões puxados por bois atolaram na lama e precisaram ser retirados pelos guerreiros lageanos. Impressionado com tamanha valentia, o comandante David Canabarro se dirigiu ao chefe da expedição, coronel Serafim de Moura, e entoou a frase que seria eternizada como símbolo de heroísmo e orgulho do povo de Lages: “Seus soldados se portaram com tal bravura e força como se fossem verdadeiros bois de botas”.

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Passados 174 anos daquele histórico episódio, os atuais 156 mil lageanos voltam a enaltecer os Bois de Botas que enfrentam batalhas campais em busca de uma conquista. Um exército de 30 guerreiros, com base no Estádio Municipal Vidal Ramos Junior (Tio Vida), atende pelo nome de Inter de Lages e luta para voltar à elite do Estado.

Os comandados do técnico Nasareno Silva – que conquistou a Segunda Divisão pelo próprio Inter em 1990 e como coordenador técnico levou o Joinville à Série B do Brasileiro – fazem uma campanha excepcional na Divisão de Acesso, a Terceirona.

Em 14 jogos realizados até agora, o Inter de Lages conquistou 32 dos 42 pontos possíveis, com dez vitórias, dois empates e duas derrotas. O time marcou 36 gols e sofreu oito, com saldo positivo de 28. O aproveitamento de 76,2% é maior até que o do Cruzeiro, líder da Série A, que tem 71,3%.

A campanha tem atraído públicos maiores que os seus adversários. Somando os outros seis jogos em casa até agora, o Inter levou 16.028 pagantes ao estádio e obteve uma renda bruta de R$ 214,4 mil. A média de pagantes por jogo é de 2.290 pessoas. Já a renda média, de R$ 30.585,00 por partida, seria suficiente para pagar a folha salarial do clube.

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Só que o lucro é bem menor devido aos compromissos financeiros com os quais o Inter deve honrar. Parte do dinheiro arrecadado em casa em cada jogo é destinada à Federação Catarinense de Futebol (FCF) para cobrir taxas obrigatórias, como arbitragem e policiamento, e metade da renda líquida, mais uma cota de R$ 1,5 mil por mês, é depositada em uma conta única para rateio entre os credores do clube, num acordo feito neste ano com a Justiça do Trabalho. Assim, se por um lado sobra menos dinheiro da bilheteria, por outro o Inter começa, enfim, a pagar dívidas acumuladas há anos e que chegavam a nada menos que R$ 890 mil.

Os débitos de R$ 20 mil junto à FCF não existem mais. Os fornecedores, os salários e o alojamento do elenco estão em dia. As cerca de 30 placas colocadas por R$ 500 cada uma ao redor do gramado do Tio Vida resultam em permutas de produtos e serviços em favor do clube. Já os cinco patrocínios no uniforme do time rendem um pouco abaixo da folha salarial, complementada pelo que sobra das bilheterias. O estádio e o ônibus para as viagens ficam a cargo da prefeitura de Lages.

Outra estratégia adotada pela diretoria foi investir nas categorias de base para economizar dinheiro, fortalecer o time com recursos próprios e possibilitar lucros em caso de negociação de atletas formados pelo clube. A medida está dando certo, tanto que o Inter de Lages foi campeão da Terceira Divisão neste ano com os times de juvenis e juniores, e alguns atletas estão sendo utilizados no time principal.

E assim, o Leão Baio reconquista cada vez mais a confiança dos empresários, do poder público e, principalmente, dos moradores de Lages na árdua batalha para voltar à elite do futebol catarinense, que conquistou em 1965 e para a qual pretende voltar até 2015.

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MARTINHO BIN

O Inter de Lages tem em seu elenco um dos jogadores profissionais mais antigos em atividade no futebol mundial. Trata-se do volante Martinho Bin, de 57 anos, que atuou em cerca de 500 partidas pelo clube entre 1976 e 1994. Agora, Bin está tendo uma temporada de despedida e vai atuar durante alguns minutos no fim das partidas em que o Inter estiver com a vitória garantida. A reestreia ocorreu no dia 4 de setembro, ainda no primeiro turno, contra o Maga, em Indaial.

LEÃO BAIO

A exemplo de grandes clubes do Brasil, o Inter de Lages também tem o seu mascote que, nesta Terceira Divisão, tem proporcionado shows à parte no Tio Vida. O Leão Baio é interpretado pelo corretor de seguros Jean Marcelo Gomes, o Tuca, de 43 anos, que faz um trabalho voluntário para o time que acompanha desde criança. Os torcedores, principalmente os pequenos, o adoram, acenam e fotografam.

Erlon joe

Um dos titulares absolutos do Inter de Lages já teve a difícil missão de marcar ninguém menos que Romário e Rivaldo, foi campeão na Europa (Segunda Divisão do Campeonato Alemão) e até pela Seleção Brasileira (Sul-Americano Sub 20 no time que tinha o goleiro Dida e o atacante Sávio). Cinco anos após ter encerrado a carreira no próprio Colorado Lageano, o zagueiro Erlon Joe, 39, voltou à ativa, está em plena forma e é a referência do time dentro de campo. Em um dos jogos mais emocionantes da Terceira Divisão até agora, marcou o gol de empate do Inter contra o Jaraguá, no primeiro turno, aos 47 minutos do segundo tempo, levou à loucura os mais de dois mil torcedores lageanos presentes no Tio Vida e foi às lágrimas. ??

“Fizemos um pacto para erguer o clube”, José Carlos Susin, o Zezé, presidente do Inter de Lages ?

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José Carlos Susin, mais conhecido como Zezé, levantou a taça do Estadual de 1965 e hoje está à frente desta retomada do Inter de Lages. Ele conta ao Diário Catarinense como o clube deixou de ser esquecido para voltar a ser procurado pelos torcedores e empresários da cidade, em uma ressurreição da equipe.

Diário Catarinense – A que se deve o bom momento do Inter de Lages dentro e fora de campo?

Zezé – Toda a diretoria se uniu e fez um pacto para levantar o Inter. Fomos felizes na escolha do treinador (Nasareno Silva), que tem grande conhecimento do futebol catarinense e brasileiro, foi um gestor vitorioso no Joinville e trouxe bastante experiência. Atribuo também o bom momento do Inter aos nossos jogadores, aos empresários lageanos pelo carinho e pelas parcerias e ao público extraordinário que tem ido aos jogos com suas famílias.

DC – Como o Inter de Lages conseguiu passar de rejeitado a assediado em tão pouco tempo nos últimos meses?

Zezé – Um dos fatores é a credibilidade da atual diretoria. Os empresários e os torcedores começaram a nos observar, e com o tempo viram que a coisa era séria e envolvia a comunidade. Antes as empresas recusavam ajuda ao Inter, e hoje nos procuram para oferecer parcerias. A diretoria não cuida apenas da parte futebolística do clube, mas também jurídica, e estamos conseguindo honrar os compromissos anteriores e atuais.

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DC – Quais os planos para o futuro do Inter de Lages?

Zezé – Temos quase que a obrigação de ganhar a Terceira Divisão. Já a Segunda é bem diferente, mais difícil e com times mais estruturados. Mas pensamos grande e não podemos mais errar. É preciso acertar em todos os detalhes. Nosso sonho é estar novamente na elite de Santa Catarina em 2015. Também estamos em conversação com o governo do Estado e com a Ambev para construirmos o Centro de Treinamentos do Inter. O projeto está encaminhado e talvez se concretize já no próximo ano. ???

Inter de Lages na terceira divisão de 2013

? Jogos: 14

? Pontos: 32

? Aproveitamento: 76,2%

? Vitórias: 10

? Empates: 2

? Derrotas: 2

? Gols feitos: 36

? Gols sofridos: 8

? Saldo de gols: 28

? Campeão do 1º turno (garantido na final do campeonato)

? Até domingo, 20 de outubro, quando enfrenta em casa o Maga, é o terceiro colocado do 2º turno (se vencer o 2º turno, elimina a final, automaticamente se torna campeão e garante o acesso para a Segunda Divisão de 2014).