Sarah Polley é um fenômeno. Atriz de pele pálida e longos cabelos ruivos, conhecida no Canadá por papéis infantis nas décadas de 1980 e 90, ela estreou na direção aos 27 anos com o ótimo Longe Dela (2006), filme surpreendentemente maduro sobre como o Alzheimer destruiu o relacionamento que durava uma vida inteira.

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Já estava claro que era alguém em quem se prestar atenção (ela foi indicada ao Oscar pelo roteiro do primeiro longa-metragem), mas onde estavam as inquietações juvenis típicas de sua idade? As errâncias, as imperfeições que, mais do que evidenciar limitações, aproximam o público da alma criativa da artista? As respostas estão no segundo longa, que estreou no fim de semana no Brasil com um péssimo título nacional: Entre o Amor e a Paixão.

Comédia romântica indie da hora, o filme originalmente se chama Take This Waltz e é inspirado na letra da canção homônima de Leonard Cohen – cuja reprodução rende uma de suas três ou quatro sequências que dificilmente sairão da memória do espectador.

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A história é a de Margot (Michelle Williams, de Sete Dias com Marilyn), garota que casou cedo, aos 23 anos, e agora, aos 28, se vê seduzida por um artista marginal puxador de riquixá e metido a Don Juan que vive na vizinhança (Luke Kirby). Sua relação com o marido (o comediante Seth Rogen) é infantil, tem uma beleza singela, oposta ao desejo incontrolável despertado pelo vizinho. O título em português, no entanto, reduz a situação a uma dicotomia que, no fundo, revela-se uma falsa verdade: mais do que entre o amor e a paixão, a protagonista está dividida entre o amor e um novo amor, que é diferente do anterior porque, simplesmente, a garota cresceu.

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Não se está, aqui, entregando o fim do filme – há muita coisa por descobrir em Take This Waltz, inclusive em seu belo e surpreendente último plano. Se tem muito a dizer, contudo, Sarah Polley o faz com diversos sobressaltos. Os dois principais são as composições um tanto caricatas do trio (o marido é um cozinheiro que passa seus dias experimentando novos pratos com frango) e uma moral limitadora da dramaturgia (que é resumida de forma bizarra no discurso de uma personagem secundária alcoolizada, já no finzinho da trama).

Michelle Williams também vem colhendo elogios por sua performance, mas muito da afetação que dá um ar fake a algumas sequências advém de sua pretensão de impor à protagonista uma complexidade maior do que esta limitada dramaturgia sugere.

Muitos defeitos? Não são tantos assim. O visual do filme é em alguns momentos arrebatador, tanto em sua louvável insistência com cores quentes, que vai ao limite do realismo, quanto na escolha das angulações de câmera, por exemplo, nas cenas da piscina – o balé aquático de corpos é um dos mais bem filmados dos últimos tempos. A trilha, indie como se pode prever, foge do óbvio no uso de clássicos (Video Killed the Radio Star, do Buggles) e também na incorporação do trabalho de músicos menos conhecidos fora do Canadá (como Charles Spearin, parceiro da cantora Feist).

Mas o que realmente fica desta incursão de Sarah Polley pelo universo dos relacionamentos mais, digamos, contemporâneos é uma saudável e honesta tentativa de entendê-los. A imaturidade da autora faz parte do pacote: Entre o Amor e a Paixão é um filme irregular mas também revelador, cuja aura encantadora supera aquilo que ele tem de ruim.

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