Ao reunir 810 depoimentos, o maior inquérito da Polícia Civil gaúcha ultrapassou as 13 mil páginas. Para que o calhamaço de folhas fizesse sentido, as informações relevantes foram catalogadas em um banco de dados que subsidiou a redação do relatório final de 188 páginas entregue nesta sexta-feira à Justiça de Santa Maria.

Continua depois da publicidade

A estratégia deu fôlego à investigação. Em um caso sem precedentes no Estado, o enorme volume de declarações poderia ser um obstáculo. Em vez de emperrar a apuração, as pilhas de papel foram transformadas em dados estatísticos que ajudam a dar contorno à tragédia.

– Esse levantamento nos permitia encontrar dados importantes rapidamente e reunir trechos de depoimentos que davam conta de uma mesma questão – explica o delegado regional Marcelo Arigony.

O trabalho silencioso da jovem delegada Luiza de Sousa, há pouco mais de dois anos na corporação, não foi feito com ajuda de programa de computador específico para o trato de informações estatísticas. A policial listou cada depoimento usando um software de texto comum, usando as horas de folga para a missão adicional imposta a si. Com o trabalho quase artesanal, no entanto, os delegados à frente do caso puderam apresentar com exatidão quantas pessoas presenciaram, por exemplo, o início do incêndio, viram o extintor falhar ou foram barradas por seguranças. Além de ajudar a equipe policial a firmar convicção nos indiciamentos, o levantamento permite a compreensão dos fatos que desencadearam o incêndio que matou 241 pessoas.

O relatório sobre os 52 volumes do inquérito revela ainda que os policiais não se limitaram a ouvir suspeitos, analisar documentos e aguardar laudos do Instituto-geral de Perícias (IGP). Quebras de sigilo telefônico e de e-mails foram solicitados ao Judiciário. Parte do material reunido, no entanto, será usado em outras investigações que surgiram a partir do incêndio. Entre elas, a de irregularidades envolvendo empresas em nome de bombeiros e familiares.

Continua depois da publicidade

– Nem tudo pode ser apurado agora em apenas 55 dias. Alguns fatos que surgiram serão apurados em seu tempo – explica o delegado Sandro Meinerz.

O saldo dos depoimentos

A conclusão da Polícia Civil com base nas informações prestadas por 810 pessoas:

119 pessoas afirmaram que a boate Kiss tinha lotação superior a mil pessoas na data do incêndio

83 afirmaram que o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, usou fogo de artifício que estava em sua mão e ergueu em direção ao teto, atingindo a espuma do teto e iniciando o fogo

50 declararam que havia mais fogos de artifício nas laterais do palco

181 viram que o fogo se iniciou acima do palco

65 viram que os integrantes da banda jogaram água no foco do incêndio

108 declararam que o vocalista e um segurança da boate tentaram apagar o fogo com um extintor de incêndio que não funcionou

153 vítimas afirmam não ter enxergado luzes, placas ou sinais indicando saídas de emergências no interior da boate

Continua depois da publicidade

84 afirmaram que os seguranças impediram a saída das vítimas por alguns segundos ou poucos minutos

124 afirmam que as barras de ferro de contenção ou guarda-corpos existentes próximo à saída obstruíram a saída das vítimas

178 afirmaram que havia a utilização de fogos de artifício na boate em outras oportunidades e circunstâncias (baldes de espumantes, outros shows)

18 afirmaram que não havia treinamento para o uso de extintores, nem orientação para evacuação em grandes tumultos ou incêndio, nem meio de comunicação imediato entre funcionários

14 confirmaram que houveram diversas reformas na boate

17 afirmaram que Mauro Hoffmann participava e possuía poder de mando na boate

47 confirmaram terem presenciados outras pessoas (civis) entrando no interior da boate no momento do incêndio e retirando vítimas do local

Continua depois da publicidade

Confira aqui o relatório do inquérito disponibilizado pela Polícia Civil

VÍDEO: polícia apresenta imagens que embasaram indiciamento criminal

Clique aqui

Clique aqui