No próximo mês completam 11 anos de um caso emblemático de falha do sistema prisional catarinense. João Alvez Ferreira foi preso por engano acusado de estupro e chegou a ficar quase três anos atrás das grades até que o equivoco fosse percebido. A soltura, há oito anos, era para ser um recomeço, mas o morador de Trombudo Central, no Alto Vale do Itajaí, logo descobriu estar doente. 

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Morreu em março deste ano à espera da indenização que ele acreditava que poderia lhe oferecer um tratamento de saúde melhor.

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A perda, as angústias e a revolta da família vieram a público agora, quando a família aceitou falar do caso. Cleciana, uma das três filhas de Nero, como era conhecido, lembra do pai bastante ativo, trabalhador, festeiro, mas que ao deixar a cadeia estava abalado, apesar de ter sido absolvido ao conseguir um segundo julgamento por causa das contradições nos depoimentos da vítima. 

Logo ele começou a sentir dores nas costas e por três anos foi tratado como se tivesse problemas de coluna. Só em 2019 descobriu ser câncer.

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Um ano antes do diagnóstico, a Justiça determinou ao Estado pagamento de indenização no valor de R$ 15 mil a João por danos morais. Era uma tentativa de se redimir diante dos anos perdidos dentro da prisão por um crime que não cometeu. Confiante na cura, ele acredita então que o dinheiro chegaria a tempo de salvá-lo.

— Ele fazia muitos planos. Queria se tratar, achava que pagando ia se curar mais fácil. Também dizia que ia ajudar os três filhos, comentava que ia comprar um carrinho pra um, me ajudar a construir a casa. Ele era tudo para nós — conta a filha.

Em março deste ano, João teve Covid-19. O quadro que já era grave, com o câncer avançando em diferentes partes do corpo, inclusive o pulmão, teve o pior desfecho. O pai de Cleciana morreu em março, aos 56 anos. Deixou a esposa, três filhos, nove netos, um bisneto e um vazio no peito de quem o amava.

A família conta que fez o que pode para mantê-lo vivo. Mesmo sem dinheiro, correram atrás para fazer os exames que o patriarca precisava na rede particular, para não encarrar a fila do SUS. Também compraram alguns remédios. Quando João partiu, a família estava com a conta no vermelho. Até mesmo o sepultamento precisou ser parcelado. A última parcela vence este mês, conta a filha que largou o emprego para cuidar do pai.

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Família lamenta a perda do patriarca e a forma que ele passou os últimos anos de vida
Família lamenta a perda do patriarca e a forma que ele passou os últimos anos de vida (Foto: Arquivo pessoal)

Quando o diagnóstico de câncer chegou, o advogado da família Ferreira incluiu a informação no processo e pediu celeridade no pagamento da indenização, mas isso não ocorreu. A autorização de pagamento segue na fila de precatórios que o Estado precisa quitar, mas não tem prazo definido. Em alguns casos, a espera é de uma década. 

Cleciana diz que tenta não se revoltar com a situação e guardar apenas as boas recordações do pai, mas o irmão caçula ainda sofre bastante.

—Ele sempre diz que nosso pai sofreu, ficou doente e não aproveitou esse dinheiro — revela.

Quando o dinheiro finalmente sair, a esposa de João terá direito.

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