Uma corrente ganha espaço no mercado de trabalho no mundo: a presença da mulher na tecnologia. O tema tem relevância em Santa Catarina, já que a Capital trabalha para se consolidar como um dos principais polos do setor tecnológico no país. No Estado, segundo o Observatório da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), 17.974 mulheres estão empregadas na área. O número representa 39,6% dos funcionários do setor. Para ampliar este espaço para o público feminino, iniciativas estão surgindo para incentivar a capacitação delas para os cargos disponíveis. Vagas existem, o que falta, garantem as profissionais, é a conquista do espaço.
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Jannaina Pacheco da Silva, 43 anos, se interessou pelo mercado de Tecnologia da Informação (TI) há duas décadas, quando esta começou a ser apontada como a “profissão do futuro”. Natalia Thiel, 21, dá os primeiros passos na área como programadora – no Brasil, segundo a ONU Mulheres, só 17% dos programadores são mulheres. Franciele Silva, 33, percebendo a quantidade de vagas abertas no setor, decidiu mudar de vida: deixou a carreira na Moda para se dedicar à TI.
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São mulheres com potencial comprovado pela história. Ada Lovelace foi a primeira programadora no mundo. Mary Kenneth Keller a pioneira ao receber um diploma de pós-graduação na área. Recentemente, a PhD em Ciências da Computação Katie Bouman foi responsável pela primeira imagem de um buraco negro já registrada. Os números, porém, mostram que o desafio para conquistar este espaço ainda é grande.
Gisele Machado, da Mulheres Acate – grupo temático para a redução de desigualdades e desenvolvimento da mulher na tecnologia em SC –, acredita que o setor acompanha o processo histórico de abertura do mercado de trabalho para o público feminino. Mas é hora de equilibrar a conta, avalia.
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Mulheres na tecnologia
A analista de sistemas Jannaina Pacheco da Silva, 43 anos, trabalha há duas décadas na área de tecnologia em Florianópolis. Ela ingressou no setor porque acreditava que era promissor na Grande Florianópolis, e seguiu o conselho do pai, que avisou que essa seria a “profissão do futuro”. Jannaina resolveu cursar Ciências da Computação. De 20 formandos em sua turma, apenas cinco eram mulheres.
Já no mercado, a profissional percebia que precisava demonstrar mais conhecimento que os homens, estar mais “antenada”. Garante, porém, que conseguiu construir uma história pautada no respeito, e conquistar espaço de liderança em uma grande empresa de tecnologia da Capital, onde atua há 18 anos.
Jannaina começou na área da programação, manipulando banco de dados e analisando requisitos de um sistema de uso interno da empresa. Atualmente, trabalha com análise, é gestora da equipe de sistemas e, em alguns momentos, ainda codifica.
— Hoje ainda somos minoria nesse mercado, imagina há 20 anos. Mas me encontrei nessa profissão. Acredito que muitas mulheres não se interessam por temer o mercado técnico e ter a visão de que ele é voltado para homens, o que não é verdade. Nunca encontrei problemas durante a carreira por ser mulher — garante.
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Natalia Thiel, 21, está começando a traçar o mesmo caminho de Jannaina. Estudante de Ciências de Computação, ela já atua na área, em uma empresa de Rio do Sul, Vale do Itajaí.
É a única programadora mulher na equipe. A paixão por TI foi descoberta ainda no Ensino Médio, quando fazia o curso técnico do Senai.
— Tive meu primeiro computador aos 12 anos, e como na época eu ainda não tinha internet em casa, ficava mexendo nas configurações do próprio computador, tentando descobrir como a coisa funcionava. Em seguida, entrei no curso técnico, e isso abriu minha mente — conta.
Na faculdade, Natalia encara situação parecida com a vivenciada por Jannaina, mesmo 20 anos depois. De 40 alunos, apenas sete eram mulheres no início da graduação. Delas, só Natalia continua no curso.
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— Penso que estar numa área com muitos homens mudou até um pouco minha personalidade. Então eu vejo como é importante ter exemplos de mulheres, para me fortalecer e a outras meninas também. Estou com esperança que isso mude — reflete a jovem.
Incentivos desde a educação infantil
Para mulheres que atuam na área de TI e em projetos que fomentam a inclusão feminina no setor, é preciso que o incentivo surja entre a infância e a adolescência, como ocorreu com Natalia. Esta é a opinião da diretora de Gestão de Pessoas de uma empresa de tecnologia de Florianópolis, Michele Martins. Ela avalia que há um aumento de mulheres na área, mas o avanço ainda é lento.
— Percebemos isso diretamente pela menor proporção de candidaturas femininas às nossas vagas. No entanto, não podemos deixar de observar que o déficit de participação das mulheres na área começa muito antes delas chegarem ao mercado de trabalho. Vem desde a infância, com uma educação que, na maior parte das vezes, ainda é pautada em expectativas de comportamento divididas entre “coisas de menina” e “coisas de menino”. Vemos assim as meninas sendo afastadas das ciências — opina.
Este fator também é percebido por Vinicius Santos, Guardião de Cultura de outra empresa sediada na Capital. Na área de desenvolvimento, por exemplo, há 40 homens e nenhuma mulher.
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— Começamos a nos perguntar por que isso acontecia. Então começamos a apoiar iniciativas que inspiram meninas ainda no ensino médio e no fundamental, com palestras e outras ações, como a Inspiring Girls e a Technovation — explica.
Na empresa em que trabalha, Vinicius acrescenta, mulheres se reúnem para debater melhorias no ambiente de trabalho e trocar ideias sobre como o setor pode ser mais inclusivo.
Júlia Machado, idealizadora do Anitas, um projeto de Florianópolis que tem como objetivo o empoderamento feminino na área de TI, afirma que há espaço no mercado.
— As empresas já sabem da importância de contratar mais mulheres, mais pessoas negras, de classes sociais diferentes. É um trabalho de formiguinha, que começa com incentivos a meninas desde que elas estão nas escolas — observa Júlia.
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Uma pesquisa sobre diversidade realizada pela consultoria McKinsey and Co. em 12 países, no ano passado, mostrou que as empresas com maior diversidade de gênero possuem 21% mais chances de apresentar resultados acima da média do mercado.
É preciso correr o risco
A postura das mulheres nas entrevistas de emprego também chama a atenção na hora da contratação. O Guardião de Cultura Vinicius Santos observa que, de maneira geral, homens costumam negociar salário, escolher cargo. Já elas aceitam pagamentos muitas vezes mais baixos do que merecem pelo currículo técnico.
Na avaliação da diretora Michele Martins, uma mulher só se candidata a uma vaga se preencher 110% dos requisitos exigidos, enquanto um homem corre muito mais riscos e se candidata até para posições que, de fato, nem está preparado.
— O que muitas vezes transparece como excesso de humildade ou até insegurança são, na verdade, sintomas da “síndrome da impostora”, na qual a mulher não acredita no seu potencial e acha que não merece mérito ou reconhecimento. Assim, genericamente falando, as mulheres têm uma tendência a serem muito mais exigentes consigo mesmas, o que acaba afetando seu comportamento em processos seletivos, na hora da negociação salarial ou até na ambição pelo crescimento dentro de uma empresa — exemplifica Michele.
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O trabalho da iniciativa Anitas também atua neste sentido. Júlia e outras profissionais tentam lembrar as meninas das escolas e mulheres que estão se formando nas faculdades que não há necessidade de ser 100%.
— É uma barreira de comportamento que precisamos quebrar. As mulheres precisam encarar o desafio de tentar vagas em que, às vezes, não preencham todos os requisitos. Não precisa ser perfeita. É dizer que vai atrás do que falta e tentar — sugere a idealizadora do Anitas.
Michele completa:
— A chave para escapar disso é autoconhecimento para que possamos desenvolver nossa autoconfiança. Depois, é só mostrar para o mundo o que temos de melhor, sem medo de ser reconhecidas pelo que somos.
Conheça as iniciativas que estão empoderando as mulheres na tecnologia
Com números e impressões em mãos, empresas, associações, entidades e funcionárias criaram iniciativas para começar a equilibrar este cenário. Conheça alguns dos projetos:
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Anitas é um movimento criado para incentivar mulheres a entrarem na tecnologia e no empreendedorismo tecnológico. Desde 2015, são realizadas ações focadas neste público. A ideia nasceu no Startup SC, realizado pela Sebrae. Das 30 empresas participantes, apenas seis eram de mulheres. Hoje, a iniciativa atua como um “guarda-chuva” e reúne e dá apoio para outros projetos do tipo.
O grupo temática criado na Acate pretende discutir soluções para aumentar a participação feminina no setor, a redução de desigualdades, o desenvolvimento de liderança, o empoderamento e o apoio às novas gerações. Todos os meses, o grupo promove encontros abertos não só às empreendedoras associadas, mas também às profissionais do mercado e estudantes que queiram fomentar o desenvolvimento feminino no ecossistema de inovação e tecnologia. Participam atualmente 50 mulheres, 40 empreendedoras e outras dez em cargos de liderança em empresas.
É uma iniciativa mantida pela ONG Iridescent que oferece para meninas a oportunidade de aprender as habilidades necessárias para se tornarem empreendedoras e líderes em tecnologia. O projeto desafia as participantes, entre 10 e 18 anos, a criar, desenvolver e lançar um aplicativo de celular que resolva problemas em suas comunidades. Durante 12 semanas, elas trabalham em times para desenvolver um plano de negócios e o aplicativo.
A Inspiring Girls nasceu em 2016, na Inglaterra, com o objetivo de ampliar os horizontes profissionais de meninas. O grupo organiza encontros em escolas, voltados às estudantes de 10 a 15 anos, com mulheres que atuam em cargos de gestão e profissões vistas como “masculinas". Nas palestras, evidenciam a variedade de carreiras e opções profissionais. Os encontros são realizados em Florianópolis também.
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É um programa criado em 2014 pelo Google para dar visibilidade, recursos e criar comunidades que estimulem a participação das mulheres na tecnologia. Na Capital catarinense, a iniciativa é liderada pelo GDG Floripa, comunidade de tecnologia apoiada pelo Google Developers Community Groups, com o apoio de empresas do setor tecnológico catarinense. O Women Techmakers Floripa foi criado em outubro de 2018.
É uma comunidade mundial que surgiu em Los Angeles (EUA) e foi trazida ao Brasil com o propósito de instigar mais mulheres a entrarem na área tecnológica, por meio da linguagem de programação Python. O foco é auxiliar mulheres para que elas se tornem participantes ativas e líderes da comunidade de código aberto. O grupo atua em Florianópolis promovendo eventos e cursos. As meninas, no entanto, estão sempre se comunicando entre si em grupos na internet para trazer soluções e relatos do dia a dia das empresas.
A Mulheres de Produto é uma comunidade digital que quer criar um ambiente em que todas as profissionais de tecnologia se sintam bem-vindas e possam falar de desafios e problemas que enfrentam diariamente. Em plataformas como o Slack e também no Facebook, mulheres que já atuam com tecnologia discutem sobre sororidade, dicas de eventos e palestras sobre o tema, e carreira.
Iniciativa que busca ampliar a participação e liderança feminina no setor tecnológico da Grande Florianópolis por meio da comunicação. O projeto foi criado por mulheres que trabalham na Dialetto, empresa de assessoria de imprensa e marketing digital especializada em tecnologia. A iniciativa possui um calendário com os eventos voltados para mulheres na tecnologia e uma newsletter mensal. Você pode encontrar textos e artigos das mulheres do Tech Power no portal Tech SC, da NSC Comunicação.
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Fonte: Dialetto
Oportunidades de emprego na Capital

Florianópolis tem mais de 500 vagas de emprego abertas na área de tecnologia. Um polo tecnológico se desenvolve na cidade e a busca por mão de obra qualificada se intensifica mês a mês. E as mulheres estão no páreo.
Estas oportunidades abriram os olhos de Franciele Silva, 33 anos. Moradora da Capital, ela formou-se em Moda. Trabalhou na área até os 25 anos, mas não sentia que estava criando soluções para facilitar a vida das pessoas. Além disso, o mercado de trabalho neste setor não apresentava sinais de crescimento na região.
— Eu não queria sair da cidade e comecei a analisar as vagas disponíveis aqui. Eu sempre gostei de disciplinas de exatas, de lógica. Então pensei em um MBA em marketing, e foi o eu que fiz. Mas era muito genérico ainda. Em 2014, decidi mudar totalmente de área: fui fazer Sistemas de Informação — relata.
Franciele ainda estava na segunda fase do curso quando foi contratada por uma empresa de tecnologia da Capital.
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— Em um dado momento, durante o curso de Análise de Sistemas, tive uma matéria sobre usabilidade e interação humano-computador, então não tive dúvidas de que era este o caminho que eu queria seguir. Busquei especialização nesta área, e hoje trabalho como designer de produto com foco em UX (experiência do usuário).
Ela se encontrou. O cargo une todas as características que Franciele buscava para se sentir plena numa profissão e, hoje, busca ser exemplo para outras meninas que querem seguir o mesmo caminho:
— Vão atrás e se joguem.
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