Na zona Norte de Joinville, recentemente foi inaugurada uma biblioteca com paredes verdes e chão coberto por grama, do jeitinho que a professora Silvane Silva sonhava. Para montá-la, não precisou mais do que a generosidade de pessoas apaixonadas por literatura, que doaram o material principal: quase 800 livros e revistas em quadrinhos. Depois, o processo foi de desconstrução. As 200 crianças e adolescentes atendidas pelo Instituto Priscila Zanette (IPZ) aprenderam que o conceito de biblioteca não precisa ser o mesmo para todo mundo. Por isso, não há limites físicos de verdade na sala de leitura da associação onde eles passam as tardes de segunda a quinta-feira: ela existe em qualquer lugar considerado confortável para abrir um livro e mergulhar nele.
Continua depois da publicidade
A primeira “biblioteca ao ar livre” de Joinville começou a funcionar há cerca de dois meses e, apesar de não ter paredes e portas de verdade, faz parte da estrutura do Instituto Priscila Zanette, que atende a alunos de cinco escolas da rede pública de ensino do bairro Jardim Paraíso com atividades no contraturno no Kartódromo de Joinville. Lá, estudantes de sete a 17 anos passam quatro horas por dia experimentando modalidades esportivas e culturais, além de reservarem um momento para as tarefas da escola e terem acesso a acompanhamento psicológico e amparo assistencial. Há pouco mais de um ano, a coordenadora do programa, Rosa Joesting, convidou a professora Silvane Silva para ingressar no instituto e desenvolver uma horta com os estudantes. Uma mão foi para a terra; a outra, para os livros.
— Antes das atividades na horta, eu sempre fazia uma sessão de contação de histórias. Há muitos autores com livros inspirados no trabalho na terra — conta Silvane.
Assim, enquanto preparava o solo, a professora também cultivava novos leitores, incentivando a paixão pela literatura dos pequenos em fase de alfabetização aos adolescentes prestes a concluir o ensino médio. Descobriu que crianças com problemas de comportamento nas atividades mais agitadas tornavam-se serenas ao pegarem um livro e dedicarem-se àquela história, e que, ao deixá-las livres para decidir como ler e o quê, mesmo os mais jovens poderiam escolher obras de 600 páginas. Assim nasceu a proposta da biblioteca ao ar livre, onde a onomatopeia mais incomum é o “shhh!” das salas de leitura convencionais. Enquanto leem nos lugares que eles mesmos escolheram — geralmente ao ar livre, sentados no gramado, sob a sombra das árvores — os estudantes têm direito a conversar, dividir o mesmo livro, parar para contemplar a natureza que os rodeia e até pular páginas ou desistir da leitura.
— Perguntei aos alunos e, juntos, questionamos escritores e professores qual era o lugar em que mais gostavam de ler. Nenhum deles respondeu que era sentado em uma cadeira, de postura ereta — explica a professora.
Continua depois da publicidade
Compartilhando emoções
Na biblioteca ao ar livre, a lição mais importante é que a leitura e tudo que a envolve precisam ser feitos com prazer. Por isso, enquanto montavam o acervo da biblioteca com doações de escritores do Brasil inteiro, era junto com as crianças que as caixas de livros novos eram abertas, compartilhando entre todos a emoção de receber aqueles presentes especiais. Em uma época em que a tecnologia é eleita como prioridade pelos jovens, os pequenos volumes de papel voltam a ter valor para os alunos do Priscila Zanette.
Confira mais notícias de Joinville e região.
— Rubem Alves disse: “Um livro é um brinquedo feito com letras. Ler é brincar” — recorda Silvane. — Mas, um dia, transformaram a leitura em algo sério, sisudo, e ficamos repetindo este padrão. Aqui, não. Aqui, estamos experimentando emoções.
A oportunidade de vivenciar momentos diferentes está fazendo parte da rotina de quatro adolescentes do programa. Assim como todas as atividades do IPZ, a aula de leitura tem agentes multiplicadores. São alunos que se identificam e tornaram-se uma espécie de monitores, atuando no apoio aos mais novos. Na tarde de ontem, por exemplo, Maria Fernanda Rossi Lourenço, 14 anos, virou ponto de aconchego de um aluno em fase de alfabetização, enquanto este ouvia uma história contada por outra monitora.
— Eu já gostava de ler, mas tinha um pouco de preguiça. Assistir à alegria das crianças menores com os livros me deu mais vontade de me dedicar à leitura — conta a adolescente. A assistente social Kátia Aguiar acompanha o progresso dos alunos desde que o gramado virou opção de local de leitura. Segundo ela, eles passam a compreender melhor o conceito de silêncio e concentração e desenvolvem a memória criativa.
Continua depois da publicidade
— Elas aprendem a lidar com questões que poderão aparecer no futuro e reagirão de forma diferente.