As audiências públicas sobre a revisão do plano diretor de Florianópolis despertaram questionamentos à proposta da prefeitura de permitir prédios mais altos na cidade. Quem contesta ela diz que melhorias na infraestrutura deveriam vir antes desse estímulo e cobram garantias de que os serviços em regiões com problemas históricos de saneamento básico, por exemplo, vão suportar uma maior demanda.

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O tema que ganhou maior projeção nas audiências é o único que foi descrito com mais detalhes pela proposta de revisão da prefeitura, que não divulgou uma minuta até aqui com tudo o que pretende mudar — ela realiza uma audiência pública final nesta segunda-feira (8), às 16h, no CentroSul, ainda sem previsão de mostrar o documento.

As contestações ao plano de verticalização partiram de opositores da Câmara dos Vereadores, onde o projeto precisará ser aprovado antes de receber sanção, de especialistas e lideranças da cidade, além de moradores de cada região.

A gestão Topázio Neto (PSD) afirma que a cidade tem acolhido hoje novos moradores de forma dispersa, com construções muitas vezes irregularmente espalhadas sobre áreas de proteção ambiental, formando bairros poucos diversos, sem equilíbrio entre residências e comércios, por exemplo, com pouca infraestrutura e maiores custos ao poder público, que diz ser inviável fiscalizar esse processo.

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— É humanamente impossível a gente fiscalizar 640 km² de ilha. Depois da segunda semana em que a pessoa pôs a casa de pé e alguém está habitando, eu já não consigo mais fazer a demolição sumária do imóvel. E lá nós criamos mais um problema — disse Topázio na audiência pública da Lagoa da Conceição, de 11 de junho, ao citar que confusões jurídicas do atual plano diretor em vigor também agravam o problema.

O desenho atual dos bairros, ainda segundo a prefeitura, pressiona o trânsito na Capital, já que milhares de moradores se deslocam diaramente de áreas residenciais nos cantos da Ilha de Santa Catarina para o centro em busca de serviços básicos e para trabalhar.

Qual a proposta da prefeitura?

A ideia então é que o plano diretor revisto, o documento que determina instruções e objetivos para o desenvolvimento da cidade, incentive o surgimento do que os urbanistas chamam de novas centralidades em Florianópolis.

Para isso, a prefeitura quer que o plano diretor passe a privilegiar prédios de uso misto, que sirvam para moradia e atividades econômicas, e maiores ao menos em parte dos bairros, para que possam concentrar os habitantes do município sem que eles precisem se espalhar. Ou seja, a ideia é adotar um modelo de alta densidade de moradores.

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O plano diretor criaria um mecanismo de incentivo para essas novas construções em ruas de maior circulação de transporte público, vistas como potenciais novos centros. Nestas áreas, os edifícios poderiam passar a ter mais dois pavimentos do que é atualmente permitido mediante o pagamento de uma taxa pelo construtor, chamada de outorga onerosa. Essa contrapartida seria revertida em melhorias para a região.

Proposta da Lagoa da Conceição mostra exemplo de área que permitiria incentivo
Proposta da Lagoa da Conceição mostra exemplo de área que permitiria incentivo (Foto: Divulgação/PMF)

Na Lagoa da Conceição, por exemplo, a avenida Afonso Delambert Neto poderia passar a ter prédios de quatro pavimentos por conta disso. O projeto da prefeitura prevê a possibilidade até de um quinto pavimento mediante uma outorga de desenvolvimento econômico, para empreendimentos que tenham essa finalidade.

Isso, ainda de acordo com a prefeitura, garantiria empregos em regiões diferentes da cidade e ajudaria a desafogar o trânsito que se desloca sempre ao atual centro.

E o que diz quem contesta a proposta?

Quem é contrário à ideia, no entanto, afirma que o adensamento, promovido por essa verticalização dos bairros, pode, na verdade, escancarar ainda mais os problemas de infraestrutura nunca corrigidos na cidade, em especial os de saneamento básico.

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A Lagoa da Conceição já chegou a ser atingida pelo rompimento de uma lagoa de tratamento de esgoto da Casan em 2021, o que foi lembrado na audiência pública que tratou do bairro na discussão do novo plano diretor.

— Em 43 anos em que eu estou aqui, foi feita uma rua sequer? Não. Nós não temos instalação de esgoto, como nós vamos falar em verticalização, mesmo que seja um andar? No Canto dos Araçás, dois carros não conseguem passar por uma rua, como vamos verticalizar aí? — disse o vereador Renato Geske (PSDB) na ocasião.

— A nossa água vem da Lagoa do Peri, vocês já viram quantas vezes ela esteve no nível esgotado? Eu quero saber se a Casan e a prefeitura já conversaram sobre isso, se vai ter água para essa gente toda. Da Lagoa do Peri, não vai ter. Nós temos dificuldade com energia elétrica, a gente sabe o que acontece no verão, ficamos sem luz — emendou.

— Primeiro se faz a infraestrutura, as vias, a água, o esgoto, para, aí sim, aumentar. Antes disso, não tem como pensar em nada — afirmou Esdras da Luz, representante da Associação Costa Legal, também na audiência da Lagoa.

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No encontro de São João do Rio Vermelho, uma semana antes, o tema da infraestrutura também havia surgido, mais uma vez com particular atenção ao saneamento básico.

— Há mais de um ano a gente monitora a qualidade da água do Rio Vermelho. Hoje a principal ameaça a ele é a falta de saneamento. Em alguns pontos, a concentração de coliformes fecais está mil vezes acima do que permite a legislação. Então me pergunto: que plano diretor é esse que coloca como prioridade a verticalização, sendo que a gente não dá conta dos habitantes que já existem no bairro? — disse Michelle Lopes, representante da entidade ambiental Ecopaerve, na ocasião.

Ainda na primeira das audiências dos 13 distritos, a de Ribeirão da Ilha, a contestação já ganhou projeção, por parte do vereador em exercício Leonel Camasão (PSOL).

— O que não está respondido no plano é quantos postos de saúde a mais nós vamos precisar nos bairros para suportar o impacto desse crescimento, quantas linhas de ônibus a mais vamos precisar para tentar desengarrafar o trânsito, como vamos manter o que sobrou de praias limpas se não tratamos o esgoto — questionou.

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Infraestrutura x adensamento: o que vem primeiro?

Engenheiro especialista em planejamento urbano e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Elson Pereira diz reforçar a cobrança.

— A infraestrutura deve preceder a ocupação, e não o contrário. O poder público tem corrido atrás da especulação imobiliária que cria o problema, mas não tem compromisso com sua resolução. O correto seria autorizar a construção a partir de uma infraestrutura instalada e nos lugares em que queremos mais construção — afirmou à reportagem.

Ele diz defender a promoção de centralidades, mas que a ocupação mais densa deveria ser precedida de um plano de mobilidade, a ser aplicado junto com o plano diretor.

— O grande problema é que a prefeitura está vendendo centralidades, mas entregando verticalização, que não são a mesma coisa — disse.

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Arquiteto e professor aposentado da UFSC, Lino Peres faz coro à crítica, sobre ser favorável aos novos centros, mas contrário ao método proposto. Ele diz que a revisão sugerida pela prefeitura baseia isso somente em estímulos aos construtores, que ela já não fiscaliza o regramento atual nem garante boas condições de infraestrutura.

— A forma como a prefeitura estimula isso nos bairros acaba adensando, e aumentando impactos que já existem hoje, mas sem garantia da contrapartida — afirma ele, que foi vereador pelo PT na altura em que foi aprovado o plano diretor atual. 

Mesmo quem é favorável à proposta da prefeitura reafirma a urgência de melhorias da infraestrutura, caso do engenheiro Carlos Leite. Ele ocupa uma das 40 cadeiras do Conselho da Cidade, por onde o plano também precisará passar, como representante do Sindicato da Indústria da Construção Civil da Grande Florianópolis (Sinduscon).

— A bola da vez é o saneamento. A prefeitura vai precisar resolver isso com a Casan, não dá para empurrar mais com a barriga — disse à reportagem. Ele pondera, no entanto, que o problema na infraestrutura não inviabiliza o plano diretor.

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— Quando você vai construir uma casa, começa pelo projeto arquitetônico, e não pelo hidrossanitário. Ninguém defende construção indiscriminada, mas o problema não é o adensamento, é a falta de infraestrutura — afirmou Leite.

À reportagem, o secretário de Mobilidade e Planejamento Urbano, Michel Mittmann, afirma que a infraestrutura da cidade será pressionada independentemente do plano, já que é inevitável a chegada de novos moradores. Diz ainda que a revisão dele pode ajudar a organizar isso, já que traria mais construções para a legalidade, o que reverteria a arrecadação em melhorias e tornaria elas menos custosas.

A cidade irregular e espalhada tem cobrado o seu preço. A gente precisa trazer mais gente para a regularidade. [Sem isso] Vai ficar mais caro levar o esgoto para essas regiões, botar as ruas, levar o transporte — disse o secretário, que considera um erro conceitual chamar de verticalização o aumento proposto dos prédios.

Ele defende também que seria impráticavel adotar um plano de mobilidade sem antes estimular novas centralidades na cidade nos moldes como sugere o plano diretor.

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— As diretrizes do plano diretor têm princípios baseados no transporte sustentável, na formação de centralidades, na reorganização dos bairros, tudo isso afeta diretamente a mobilidade. A partir dessas premissas, estamos trabalhando em paralelo na reavaliação do nosso plano de mobilidade e em consonância com o que prega o Plamus [Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis].

Serviços sob dúvida

Nas audiências, ele e o prefeito Topázio reforçaram que o problema específico do esgoto e da água vai ser tratado com maior atenção pelo Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), que também tem revisão hoje em tramitação.

À reportagem, a Casan diz que aguarda a aprovação do PMSB, do qual participou, diferentemente do plano diretor, para adequar seu contrato com a prefeitura.

“É importante destacar que investimentos contínuos têm sido realizados em abastecimento para atender as necessidades da Capital, que nas últimas temporadas de verão manteve o fornecimento de água também nos período de maior presença de turistas”, escreveu também em posicionamento.

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Também à reportagem, a Celesc, que cuida do fornecimento de energia na cidade, diz que os episódios de interrupção tem sido pontuais, por condições normais de operação, e que tem tido esforços para adequar seus serviços ao desenvolvimento das cidades.

“[…] aprovação de um novo Plano Diretor com mudanças significativas será uma diretriz ao planejamento da Celesc para os próximos anos na cidade de Florianópolis”, pontuou.

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