Pode-se dizer que a eleição parlamentar da Catalunha, neste domingo, tem o condão de desencadear uma onda que já se insinua com mais intensidade em razão da crise econômica: a do separatismo europeu.
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Incrustado no extremo nordeste da Península Ibérica, na ponta de uma região que vive intensamente a crise, o território de 32 mil quilômetros quadrados, lar de 7 milhões de catalães, parece querer tomar rumo próprio, rasgando a ponta do mapa, afastando-se do reino espanhol e vivendo dos próprios e vastos recursos.
Sim, esse parece ser o problema: a Catalunha é rica, com seu turismo pujante, indústria forte, oliveiras em abundância, frutas e cereais para os mercados interno e externo – e, se já tinha em seu histórico uma tradição separatista, mais ainda fala nisso agora.
Veja os países e os motivos pelos quais pregam o separatismo
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O sentimento entre os catalães (16% da população total espanhola) é de que os 6,3% que ocupa do território da Espanha se equiparam a uma locomotiva a evitar o descarrilamento de um país em frangalhos.
– Em tempo de crise, percebe-se que (a Catalunha) está contribuindo excessivamente para a manutenção de um Estado que tampouco dá satisfações a suas demandas de reconhecimento a respeito da sua identidade diferenciada – disse a Zero Hora José Ignacio Torreblanca, principal pesquisador e diretor do escritório madrilenho do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês), articulista do jornal espanhol El País e autor do livro A Fragmentação do Poder Europeu.
Torreblanca, tido como uma das principais referências mundiais em Espanha e Europa, identifica o possível alastramento de iniciativas separatistas para Escócia (na Grã-Bretanha) e Flandres (na Bélgica), além do norte da Itália.
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Regiões ricas e insatisfeitas
O primeiro passo nessa possível corrente separatista foi dado pelo presidente catalão, Artur Mas, que convocou eleições regionais antecipadas e defendeu um referendo sobre a independência da Catalunha.
A Escócia pretende promover também seu referendo no segundo semestre de 2014 para decidir a independência. Os flamengos em Flandres já conquistaram autonomia quase absoluta, mas reclamam do que definem como resquícios da hegemonia dos francófonos da Valônia.
A situação é a seguinte: a Catalunha e o País Basco, de forte nacionalismo dentro da Espanha, costumam ser os responsáveis por cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) espanhol. A região norte da Itália (especialmente as províncias do Tirol do Sul e de Milão) se queixam de que financiam o Sul empobrecido.
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Os escoceses produzem petróleo e querem usufruir dos lucros que esse produto proporciona. Na Bélgica, os flamengos de Flandres, que defendem o afastamento do Sul francófono, argumentam serem um terço do país e representarem 60% do PIB belga.
– Essa eleição na Catalunha é muito importante para toda a Europa, não está separada de outras situações vividas no continente. Uma coisa vai estimulando a outra – diz Giorgio Romano Schutte, mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Amsterdã.
– O que surpreende é que o movimento sempre foi basicamente apenas cultural e, agora, é mais econômico, por causa da crise. Quando se falou em um referendo na Escócia, foi reportagem de capa nos jornais da Espanha. É uma onda, mas estou certo de que não chegará ao ponto do separatismo. O que a maioria quer é mais autonomia fiscal – acrescenta.
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Enfim, a economia aparece como elemento condutor de outros aspectos importantes, como a história, a cultura, a etnicidade e o idioma. Mas é ela – e o que representa para o bolso de cada catalão, escocês ou flamengo -, disparado, a motivação para o atual clamor separatista.
Espanhóis pedem união
A independência da Catalunha anda tão na ordem do dia que centenas de personalidades assinaram um manifesto – que, na verdade, é mais um apelo. O que pedem: que a Catalunha permaneça uma região espanhola. Entre outros, constam no abaixo-assinado o cineasta Pedro Almodóvar e o escritor Mario Vargas Llosa, que, aliás, é peruano.
“Centenas de intelectuais e profissionais assinaram na Catalunha um chamado em favor da esquerda e do federalismo, para responder ao separatismo crescente estimulado por forças políticas de inclinação nacionalista”, diz o manifesto.
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“Os separatistas convertem sua ideia particular de Espanha em bode expiatório de todas as coisas ruins”, acrescentam os signatários, entre eles economistas, escritores e atores, que também defendem um federalismo mais equânime.
Qual é, efetivamente, a situação atual na Catalunha? Comunidade autônoma mais endividada da Espanha (e ao mesmo tempo uma das mais ricas), a região pediu em setembro – e não levou – um status de maior autonomia fiscal. O presidente catalão, Artur Mas, mediante a negativa do governo espanhol, convocou então eleições antecipadas, que são as deste domingo.
Caso sua coalizão, a nacionalista Convergència i Unió, vença o pleito, ele organizará um referendo sobre a autodeterminação da Catalunha. Ao convocar o pleito, veio junto essa promessa eleitoral.
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