A operação que o país conheceu em março de 2014 e voltou às manchetes de jornais desde a semana passada por causa das delações divulgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) começou com uma investigação coordenada pelo procurador da República Deltan Dallagnol. Com o tempo, os casos foram crescendo e ele ficou responsável pela chefia de uma força-tarefa formada no Ministério Público do Paraná (MPF/PR) para dar conta do trabalho, que fez a Lava-Jato ter apurado 17 milhões de registros na Justiça e R$ 1 trilhão em movimentações financeiras.

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Dallagnol conversou com jornalistas em Florianópolis na manhã desta sexta-feira (21) sobre os novos passos da operação Lava-Jato, como a apuração das delações de ex-diretores da Odebrecht e a colaboração do MPF paranaense com outros órgãos de investigação. O procurador esteve na Capital catarinense para participar do 15º Simpósio Anual de SC (SUESC), no Costão do Santinho, organizado pela Federação das Unimeds de SC.

O ministro Edson Fachin, do STF, divulgou na semana passada despachos referentes a acordos de colaboração premiada de ex-diretores da Odebrecht. A partir de agora, como funciona o trabalho dos órgãos de investigação para apurar as delações?

A partir do momento que o colaborador traz informações sobre os crimes, é nosso dever buscar identificar se aquelas informações procedem. Com esse objetivo nós fazemos buscas e apreensões, quebra de sigilos bancário e fiscal, checamos entradas em edifícios, encontros realizados, sinais de celular para rastrear se as pessoas estiveram em determinado local na mesma época. O objetivo é verificar o quão verossímil é a delação, e apenas se as provas forem boas o suficiente isso vai ensejar uma acusação criminal contra a pessoa citada.

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Há uma discussão sobre a relação entre propina, fruto de crime de corrupção, e crime de caixa 2. Qual a diferença desses dois crimes?

Propina e caixa 2 são práticas com critérios diferentes. Quando tentam classificar corrupção como caixa 2, o que se busca é uma névoa para confundir as pessoas. O binômio que a Lava-Jato trata é: corrupção ou não corrupção. Quando você diz que algo é corrupção? Quando você tem provas que algo foi obtido com a venda do serviço público, com a venda o agente público. A Lava-Jato em Curitiba não trata de caixa 2, que é um crime eleitoral. Mas o que pode acontecer é que o dinheiro da corrupção, que tem origem na corrupção, pode ter por destinação o financiamento eleitoral. Isso pode ocorrer por caixa 1 (doação declarada) ou pode ser paga para para fins eleitorais sem ser registrada, então neste caso teríamos corrupção com caixa 2. A corrupção também ter outros objetivos, como o enriquecimento ilícito. Quando se fala em anistia a caixa 2, acredito que a população não queira isso, pois é um crime com punição bem mais baixa do que corrupção. Segundo um levantamento recente, apenas uma pessoa foi punida por crime de caixa 2 no Brasil em vários anos.

Nas delações divulgadas na semana passada, políticos catarinenses responsáveis por governos com ou sem contratos com a Odebrecht foram citados. Em administrações sem contratos com a empresa, como o Governo do Estado, a principal defesa é a não existência de um contrato com a construtora. Só isso basta para afastar suspeita de corrupção?

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Quando acusamos alguém de corrupção é quando há provas de que houve uma venda do serviço público. O fato de não existir um contrato de um governo com a Odebrecht não é prova de que aquelas pessoas não receberam propina, pois os políticos podem ter influenciado e beneficiado a empresa por meio de um serviço público ou a aprovação de uma medida provisória ou lei. Isso que deve ser investigado. Uma empresa como a Odebrecht, quando ganha uma licitação, precisa que os valores da sua obra sejam inseridos no orçamento anual. Ou seja, precisa que parlamentares estejam dispostos a inserir a rubrica dos gastos nos anos que a obra vai se estender. É um exemplo de como a atuação parlamentar pode ser relevante em um esquema de corrupção. Além de tudo isso, uma destinação de recurso de propina para prefeito ou governante pode ser através do pedido de um parlamentar que tenha aquele governante na sua base de apoio e votação, aquilo que as pessoas chamam de curral eleitoral. Então todas as hipóteses devem ser investigadas.

No começo da investigação, o MPF paranaense tinha receio do fatiamento da investigação da Lava-Jato. Desde 2016, vários casos foram desmembrados e encaminhados para a Justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo, por exemplo. Nos despachos do ministro Fachin, o fatiamento foi ainda maior, espalhando procedimentos para quase todos os Estados brasileiros. Como o você vê essa distribuição atual da operação?

Hoje seria inviável que a Lava-Jato em Curitiba investigasse e processasse todos os crimes revelados. Acaba sendo um processo natural e saudável que essas sementes do caso sejam espalhadas pelo país. Agora se essas sementes vão germinar e frutificar vai depender do solo onde ela cair. No final de 2015 e começo de 2016 nós sustentamos que as investigações deveriam permanecer em Curitiba porque existe todo um processo de trabalho já estabelecido de cooperação da Polícia Federal, Receita Federal e MPF. Naquele momento ainda estávamos fazendo um diagnóstico da corrupção macro que assolou o país, estávamos expandindo a investigação para alguns outros ramos do Governo Federal, então era saudável que essa investigação permanecesse interligada em Curitiba porque era como peças de um grande quebra-cabeça. A partir de um determinado momento, a investigação se expandiu tanto que passou a ser produtivo que ela fosse dividida.

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Por ter começado as investigações da Lava-Jato, o MPF/PR recebe pedidos de ajuda de outros órgãos de investigação do país? Como isso é feito?

Todos MPs têm independência, mas o que ocorre normalmente é o que chamamos de compartilhamento de informações entre as procuradorias. Já fizemos isso com a PGR, com os MPF de Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo. Sobre os despachos mais recentes da Odebrecht, eles já foi decididos mas ainda não foram espalhados concretamente, não chegaram nos tribunais, então sobre isso ainda não recebemos nenhum pedido de compartilhamento. Mas isso deve acontecer a medida que as investigações comecem a chegar nos Estados.

A Lava-Jato teve erros nesses mais de três anos de operação?

A Lava-Jato é uma investigação técnica, imparcial e apartidária. Quando nós falamos de condutas humanas elas podem ser melhor ou pior, muito melhor ou muito pior. Agora a régua na qual devemos analisar a operação é a Constituição Federal e as leis. Aos nossos olhos, ela foi regular e isso é confirmado pelos tribunais que confirmaram 95% dos atos praticados durante a operação.

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Durante os mais de três anos de operação Lava-Jato, houve episódios de reclamações contra os procuradores, como acusações de abuso de autoridade. Vocês entendem que essas pressões são apenas tentativas de inviabilizar a investigação?

O MP e o judiciário puderam trabalhar nesse caso Lava-Jato de modo livre, apesar dos grandes interesses econômicos e dos políticos envolvidos, porque a sociedade nos deu essa proteção através da Constituição Federal e das leis existentes. Recentemente começou uma iniciativa para cercear o trabalho dos investigadores do judiciário e do MP, colocar uma “camisa de força” como se tivéssemos agido inadequadamente ao trazer esse escândalo de corrupção à tona. Está em discussão no Senado um projeto de lei de abuso de autoridade. Todos nós somos contra abuso de autoridade e queremos que seja punida com penas severas, e que a redação dos crimes sejam melhoradas para punir melhor e adequadamente quem pratica abuso. Mas não é isso que faz esse projeto, ele coloca na mão do próprio investigado a posição de punir o investigador. Em um caso como a Lava-Jato, onde já processamos mais de 260 pessoas, vamos receber uma avalanche de processos de abuso de autoridade e não conseguiremos trabalhar para a sociedade. Vamos passar o resto do caso, alguns o resto da vida, respondendo a processos judiciais criminais e cíveis.

Por que uma operação como a Lava-Jato não foi feita antes? Qual foi o fator determinante para que a investigação tivesse esse alcance?

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A corrupção é um crime muito difícil de ser descoberto, ela acontece entre quatro paredes e aos sussurros. Não interessa ao corruptor e ao corrompido revelar o que aconteceu. O pagamento da propina se dá por uma série de atos de lavagem de dinheiro, pegando dinheiro sujo e fazendo parecer limpo. A Lava-Jato conseguiu um diagnóstico tão amplo por meio de um instrumento de investigação chamado colaboração premiada. Quando o delator decide colaborar com a Justiça, ele traz informações não só sobre o crime que era objeto da investigação como também de todos os outros que não estavam no escopo inicial. Isso aconteceu na Lava-Jato com 78 colaboradores antes das delações de ex-diretores Odebrecht. Isso não foi feito antes porque o nosso sistema de justiça produz impunidade. O delator só vai aceitar colaborar na investigação se isso for melhor que a alternativa punitiva que ele já tem. Se a pena for baixa, é claro que ele não vai reconhecer o crime ou entregar outros crimes que os investigadores sequer conheciam. Nesse sentido, o MPF apresentou par a sociedade do projeto “10 Medidas Contra a Corrupção”, que está no Congresso.

Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato no MPF/PR

Deltan Dallagnol fala sobre corrupção, reformas e delação premiada