Passados praticamente meses desde o anúncio de que o Mercosul e a União Europeia (UE) chegaram a um denominador comum, em 28 de junho, para selar uma parceria de livre comércio entre os dois blocos, ainda não há resultados práticos do acordo — quase estremecido na semana passada após as discussões sobre a Amazônia.
Continua depois da publicidade
Entidades empresariais de Santa Catarina e de Joinville aguardam a divulgação oficial dos produtos e setores que devem ser impactados pela relação comercial para ter projeções econômicas mais concretas para a indústria em Santa Catarina.
No Norte do Estado, por exemplo, a Associação Empresarial de Joinville (Acij) e a indústria estão atentos aos desdobramentos, que ainda depende da aprovação dos parlamentos dos países membros para que o tratado passe a valer. A nível estadual, a Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) acompanha com cautela a negociação.
Mesmo se tratando de um acordo político até o momento, em escala nacional, o Ministério das Relações Exteriores acredita que a medida pode injetar R$ 1 trilhão na economia, entre exportações e importações, nos próximos 15 anos, além de gerar ganho de R$ 500 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) e outros R$ 450 bilhões em investimentos no país no período.
Eliminação de tarifas
A perspectiva considera o tempo estipulado para a eliminação de tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos — 15 anos para que os países do Mercosul eliminem as taxas previstas e 10 anos para os países europeus. A previsão é de que a redução comece entre o fim de 2020 e o início de 2021.
Continua depois da publicidade
Já em Santa Catarina, a corrente comercial entre o Estado e a União Européia tende a ter reflexos também bilionários. Segundo dados da Fiesc, em 2018 as importações e exportações envolvendo empresas catarinenses e o mercado europeu representou US$ 3,79 bilhões.
Em 2019, a relação financeira já ultrapassa US$ 1,5 bilhão. Mercadorias como reatores nucleares, caldeiras, máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos, carnes e alimentos, além de plástico se destacam.
Internacionalização de empresas catarinenses
De acordo com Maria Teresa Bustamante, presidente da Câmara de Comércio Exterior da Fiesc, de maneira geral a indústria catarinense recebeu o acordo como uma oportunidade, que vai de encontro com a ênfase da Fiesc desde 2018 para a internacionalização das empresas. No entanto, é preciso aguardar novos detalhes para apontar cenários econômicos possíveis a partir do acordo.
– Vemos essa questão ainda com cautela por uma razão simples, até este momento oficialmente não foram liberadas as listas de produtos (impactados pela eliminação tarifária), que é o que realmente interessa para haver uma análise pontual de aproveitamento ou de perda. Estamos esperando que o Governo Federal faça essa publicação – aponta.
Continua depois da publicidade
Apesar dos potenciais reflexos, Maria Teresa afirma que não dá para esperar quanto a necessidade de as empresas investirem na melhoria da competitividade.
– Um fato concreto é que este acordo pode demorar, mas um dia vai acontecer, por isso as empresas têm de se preparar para essa internacionalização, independente dos acordos que o Brasil e o Mercosul possam assinar. Isto é uma provocação que o setor empresarial tem que encarar por saber que, mais cedo ou mais tarde, esses outros países estarão concorrendo no mercado interno brasileiro, com condições favoráveis – analisa.
Segundo a especialista, o que joga a favor desses mercados externos é o fato deles não enfrentarem tantos problemas complexos de tributação ou infraestrutura quanto o Brasil, além de terem malha organizada de legislação e políticas públicas desenvolvidas.
– A Fiesc hoje desenvolve um programa de internacionalização com ações feitas junto com as empresas para identificar quais são os potenciais que ela tem para que aumente a sua competitividade. Ao mesmo tempo, trabalha junto aos governos estadual e federal para melhoria da infraestrutura e de incentivos fiscais – completa.
Continua depois da publicidade
Acordo Mercosul-UE será o maior do mundo e favorecerá SC
Acordo Mercosul e União Europeia: grande potencial, duras contrapartidas
Acij vê chance de fortalecimento
Maysa Fischer, presidente do Núcleo de Negócios Internacionais da Acij, destaca que a isenção gradual do imposto de importação atualmente incidente sobre as mercadorias de baixo ou alto valor agregado "Made in Brazil" exportadas para a Zona do Euro é uma notícia relevante, que deve ser considerada na formulação do planejamento estratégico da indústria catarinense e de Joinville e região, o maior pólo industrial do Estado, voltada especialmente a produção de commodities e produtos acabados.
– Ambos os setores devem ser beneficiados com alguns alívios, mas também serão desafiados a fornecer ao exigente mercado europeu bens de consumo ambientalmente amigos e com certificação internacional, tendo em vista principalmente o Acordo de Paris, ao qual obriga a diminuir a emissão de gases com efeito estufa até 2030. Portanto, as mercadorias brasileiras que apresentarem alto grau de segurança e qualidade no seu consumo e forem de baixo impacto ao meio ambiente terão grande possibilidade de acesso aos consumidores localizados na União Europeia, de 780 milhões de pessoas – aponta.
Ainda conforme Maysa Fischer, caso consiga ampliar e ter boa inserção no mercado europeu a partir do acordo, deve resultar num impacto econômico positivo, ou seja, lucro favorecido pela livre negociação entre exportadores brasileiros e importadores europeus com o benefício da paulatina desoneração fiscal no prazo de 10 anos.
– O Tratado de Livre Comércio representa um incremento do PIB catarinense com reflexos previstos no PIB brasileiro de US$ 87,5 bilhões em 15 anos, sendo que esse valor pode chegar a US$ 125 bilhões se forem consideradas a redução das barreiras não tarifárias e o incremento esperado na produtividade total dos fatores de produção. E o aumento de investimentos europeus no Brasil, no mesmo período, está estimado no patamar de US$ 113 bilhões. O novo Bloco reúne 25% do PIB mundial e em tempos de Guerra Comercial entre os Estados Unidos e a China, a assinatura do Tratado ressalta o compromisso das Nações signatárias com a abertura econômica e o fortalecimento das condições de competitividade internacional – observa.
Continua depois da publicidade
A especialista constata ainda que, considerando um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) com 1.100 mercadorias com código fiscal comum no Mercosul, que podem ser exportados para a EU, 68% sofrem tarifações ou quotas de importação como por exemplo: têxtil, químicos, autopeças, madeireiro e aeronáutica. Com isso, a indústria local e a Catarinense, por ter elevada diversificação, terá em torno de 90% dos seus produtos alcançados pelo acordo, trazendo uma nova realidade para esses segmentos.
O investimento estrangeiro direto será facilitado, principalmente na infraestrutura, como ponto de compliance e evolução a nível global
Novas perspectivas para o futuro

Em Joinville, uma das empresas que acompanha os efeitos do avanço das intenções de relação comercial com a Europa é a Ciser Parafusos e Porcas, a maior fabricante de fixadores da América Latina. Conforme uma leitura de cenário de Renato Fiore, Gerente Nacional de Vendas da companhia, são enfrentadas questões referentes ao custo Brasil que precisam ser resolvidas com urgência para que os efeitos positivos deste acordo não sejam anulados.
– A indústria brasileira continua tendo dificuldades, por exemplo, no acesso a crédito e na busca de inovação. Temos problemas tributários, custos embutidos na produção que encarecem os produtos brasileiros. Será necessário que o setor industrial faça a sua lição de casa, em conjunto o Congresso e o governo, em ritmo mais acelerado, para conseguirmos competir na Europa e também globalmente – avalia.
Atualmente a Ciser vende seus produtos para clientes da América do Sul, México e Estados Unidos e, no passado, já exportou para a Alemanha. Hoje, a empresa considera difícil competir no mercado europeu frente a concorrentes chineses, indianos e turcos. Em contrapartida, essa condição atual tem chances de ser superada tendo em vista as oportunidades mediante o acordo.
Continua depois da publicidade
– Estamos estudando a possibilidade de atender, especificamente, o mercado de fixadores automotivos na Europa. Observamos um enorme potencial para os planos de futuro da empresa, tendo em vista que o acordo dá grande possibilidade de acesso das mercadorias brasileiras aos países que compõem a União Europeia – vislumbra Fiore.
Marcelo Merkle, Gerente de Logística e Internacionalização da Ciser, aponta que um estudo mais aprofundado do mercado europeu deve ocorrer a partir da unidade da empresa em Sarzedo (MG), voltada justamente ao ramo automotivo.
– Fixadores de maior valor agregado, utilizados pela indústria automobilística, podem ser competitivos e, sim, permitir a exportação direta a partir do Brasil. Devemos aproveitar a oportunidade e verificar se as linhas mais nobres feitas em Joinville, destinadas a outros segmentos, podem também ser competitivas – sinaliza.
Ainda de acordo com Merkle, o acordo pode possibilitar maior acesso a tecnologia e máquinas de ponta, o que representa uma perspectiva de ganho direto, também com possibilidade de redução de custos. Já a presença no mercado europeu deve ser trabalhado por meio de parcerias e apoio dos governos estadual e federal para garantia de mais poder competitivo.
Continua depois da publicidade