O ensino superior como ferramenta de luta, manutenção de direitos e emancipação dos povos. É assim que Reginaldo (Karai Mirim), de 28 anos, Esmeralda (Warydju Xapy’a), de 21, e Kleber (Werá Poty), de 24, indígenas Guarani, da aldeia Piraí, em Araquari, encaram a educação. Os três se formaram na escola Cacique Wera Puku e atualmente estudam Licenciatura Intercultural Indígena na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis.
Continua depois da publicidade
Acesse para receber notícias de Joinville e região pelo WhatsApp
Reginaldo conta que a vida na faculdade é importante para conhecer culturas não indígenas e, principalmente, leis que impactam no dia a dia dos povos originários.
— Servem de armas para manter a cultura e tradição indígena. A escola ajuda a compreender melhor as coisas, repassar o que aprendemos na universidade para os mais novos. Buscar conhecimento e trazer para a aldeia — destaca.
Para ele, é fundamental que os mais novos da aldeia saibam os direitos dos povos originários, como enfrentar violências e preconceitos.
Continua depois da publicidade
— Hoje não usamos flechas, usamos leis no papel para manter a nossa aldeia e combater o não-indígena — crava.
Já para Esmeralda, a escola é base do conhecimento. Ela analisa que cada professor indígena vai para a universidade aumentar o conhecimento e depois volta à aldeia para compartilhar com os indígenas “força” com os mais novos.
— Sabemos que têm as leis e precisamos entender sobre elas. É importante ter voz fora da aldeia — analisa.
Kleber segue em uma linha parecida de pensamento. O garoto destaca que o conhecimento na universidade contribui para que a sociedade não indígena reconheça a importância da cultura e costumes indígenas.
Continua depois da publicidade

Atualmente, apenas três indígenas da aldeia Piraí estão na universidade. A expectativa, porém, é que o número aumente nos próximos anos. Para Reginaldo, um dos cursos importantes é o de Medicina.
— Nossa medicina não é reconhecida pelos não-indígenas. Com o desmatamento, não tem mais como buscar remédio na floresta. A gente tenta trazer o conhecimento do não-indígena para a aldeia — conclui Reginaldo.
Durante o curso, o trio fica 15 dias na UFSC, onde estudam questões técnicas da educação, como gestão escolar; e outros 30 na aldeia, focado em repassar à comunidade o que foi estudado e entrevistar os mais velhos.
Para o diretor da escola, José Lino Souza, é motivo de alegria e orgulho os três indígenas Guarani estarem estudando em uma universidade. Ele afirma que o trio é visto como referência na comunidade Piraí.
Continua depois da publicidade
— Vemos a mudança neles, são seres modificadores na aldeia desde que entraram na faculdade — celebra.
Vida na universidade: voltar com ferramentas dos não indígenas
Em Florianópolis, o ritmo de estudo é intenso. Os alunos entram em sala às 8h e param para almoçar às 12h. Depois, voltam às 13h e encerram às 18h. Na capital catarinense, os indígenas dormem em um alojamento.
— Lá estudamos os não indígenas, aqui é sobre a nossa cultura — conta Reginaldo, na aldeia Piraí.
O curso reúne povos indígenas de aldeias Guanari, Xokleng e Kaingang. Apesar de todos falarem português, o encontro é desafiador para os três jovens da aldeia Piraí.
Continua depois da publicidade

— É difícil, cada etnia tem uma língua e costumes. Estamos lutando para que essas etnias sigam na universidade para cada uma entender a cultura da outra. Para entender a língua precisa aprender a cultura do outro — expressa Esmeralda.
Kleber comenta que ir até Florianópolis é compartilhar o modo de vida e histórias de três povos em uma só sala de aula.
— Busca por respeito. As semelhanças na universidade devem voltar para as aldeias — pensa.
Cleber precisa concluir mais duas matérias para se formar. Já Esmeralda e Reginaldo devem levar mais tempo, já que estão apenas há oito meses na UFSC.
“Não temos violência e bullying na escola indígena”, destaca diretor
Antes de ingressarem na universidade, os três indígenas estudaram na escola Cacique Wera Puku, que fica dentro da aldeia Piraí.
Continua depois da publicidade
Kleber, inclusive, já foi professor no local. Em 2018, ele ministrava aulas de educação física e artes. No ano seguinte, após se formar no ensino médio, ele se tornou coordenador. Entretanto, foi substituído após entrar na universidade.
O diretor da escola, José Lino Souza, ressalta que o princípio da educação indígena é prepará-los para atender as demandas da própria comunidade, além de ter competitividade no mercado de trabalho.

José cita que a experiência como diretor da escola é uma experiência totalmente diferente, destacando a presença da cultura e laços históricos no grade curricular. Além disso, o tratamento dos alunos com os profissionais é diferenciado, gerando expectativas e resultados para todos os envolvidos.
— O respeito que a comunidade tem pelo professor é fora do comum. Não temos violência e bullying na escola indígena. O empenho é maior. Um ambiente totalmente diferente. Existe dificuldade de adaptação dos professores, mas em pouco tempo é superado — destaca.
Continua depois da publicidade
As aulas são adaptadas para a realidade e cultura Guarani, principalmente as de educação física e artes, onde os alunos fazem confecção de artesanato e ensaiam a dança do guerreiro.
Atualmente, de acordo com Kleber, há poucos professores formados na aldeia. Por isso, o jovem ressalta a importância de os indígenas se formarem academicamente.
— Precisamos trazer conhecimentos de “fora” para saber quais lutas teremos. Mostrar para a comunidade quais leis existem no Brasil, quais nos protegem e garantem nosso futuro — finaliza.
Leia também
Originários SC: A voz dos herdeiros da terra
Jorginho leva posição de SC sobre marco temporal indígena a Rosa Weber
Quem é Kerexu Yxapyry, liderança indígena do Morro dos Cavalos, em Palhoça