Indícios de fraude na emissão de diplomas universitários utilizados por candidatos no concurso da Polícia Militar são as principais razões que levaram o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) a suspender o curso de formação de 711 soldados que começou nesta quarta-feira.
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A medida saiu em uma ação movida por advogados de seis aprovados e não classificados, onde há denúncias que candidatos chamados classificados — a suspeita recai para ao menos 53 deles — teriam se beneficiado do uso de documentos falsos para ingressar na carreira militar. Também há suspeita de uso de diplomas por instituições não autorizadas pelo Ministério da Educação (MEC).
A decisão é do desembargador substituto do TJ-SC, Luiz Zanelato, ao julgar recurso dos candidatos que havia sido negado anteriormente na 5ª Vara Criminal de Florianópolis por falta de elementos suficientes. “Foi apresentada uma lista de candidatos que supostamente possuem diplomas de cursos não reconhecidos pelo MEC, mas não foram juntados tais documentos, de modo que não há como presumir a irregularidade de todos”, alegou o primeiro magistrado.
De acordo com o desembargador, o começo do curso de formação dos soldados está suspenso até que as supostas irregularidades sejam esclarecidas e que haja julgamento em definitivo do recurso por uma câmara do TJ-SC (julgamento coletivo). O desembargador considerou os elementos apresentados na ação suficientes para a indicação de irregularidades, mas acredita que os candidatos não devem ser desclassificados sem a chance de defesa. Portanto, ele deferiu parcialmente a liminar suspendendo o início do curso nesta quarta-feira.
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“É de se reconhecer que indícios de fraude na emissão de diplomas universitários remonta a quadro grave, mormente quando tais documentos foram utilizados para ingresso nos quadros da PM, instituição que tem por um de seus fins a garantia da ordem também jurídica”, destaca o desembargador.
“Compra de diplomas”
O advogado Marcelo Santos Silva, que representa seis candidatos na ação, afirma que há suspeita de que diplomas tenham sido comprados por candidatos aprovados e depois apresentados à PM (leia abaixo a entrevista completa). As faculdades são de outros Estados, algumas no Nordeste, e com cursos não reconhecidos pelo MEC como se exige no concurso, conforme o advogado. Outra suspeita, levanta o advogado, é que os aprovados classificados não teriam apresentado endereço de residência nesses lugares e sim de Santa Catarina nos últimos dois anos.
Para o desembargador Zanelato, a indefinição dos candidatos irregulares impede o deferimento da medida liminar de desclassificação dos mesmos, mas acata a medida parcialmente solicitando a suspensão do início do curso de formação.
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“Seria muito mais prejudicial ao Estado, ao erário público, aos cidadãos catarinenses e aos próprios candidatos se iniciado um curso de formação com grande proporção com candidatos que podem a qualquer momento sofrer desclassificação. O resultado seria perda de tempo e dinheiro para administração e para os contribuintes sem o desejado aumento efetivo policial nas ruas”, defendeu o desembargador.
Ministério Público é acionado para investigação
Os autos do processo foram enviados nesta quarta-feira aos procuradores-chefes do Ministério Público Federal e Ministério Público de SC por recomendação do desembargador Zanelato a fim de se apurar a prática de ilícitos penais e atos de improbidade.
O subchefe da Comunicação Social da PM, tenente-coronel Alessandro Marques, informou que às 19h houve a notificação e que a decisão será acatada. O tenente-coronel disse ainda que desconhece qualquer irregularidade no trâmite do concurso público para ingresso de soldados na PM.
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Em medida do comando-geral divulgada à noite, a PM suspendeu a convocação dos candidatos e informou que fará a reconvocação depois que houver a normalização da situação.
Em nota divulgada no fim da tarde, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que não havia sido notificada pela Justiça.
À noite, a PGE anunciou que entrará com recurso. Para o procurador-geral do Estado, João dos Passos Martins Neto, a determinação do desembargador é muito prejudicial aos esforços da administração estadual de formar novos agentes em benefício da segurança pública catarinense e repercute negativamente sobre toda a logística que envolve o curso de formação desses policiais.
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Advogado denuncia compra de diplomas por R$ 3 mil
Contratado por candidatos aprovados não classificados no concurso da Polícia Militar, o advogado Marcelo Santos Silva, de Florianópolis, afirma que recebeu relatos dos seis clientes apontando que diplomas universitários teriam sido comprados por até R$ 3 mil e apresentados para o ingresso na carreira militar. Confira a entrevista:
O senhor verificou indícios de fraude na apresentação de documentos por candidatos?
Sim. Este pessoal, cerca de 53 candidatos, apresentou diplomas de cursos de graduação presenciais em outros Estados – Ceará, Pernambuco, Brasília, Maringá no Paraná -, só que um dos requisitos para o concurso era apresentar nos últimos cinco anos as certidões negativas de antecedentes criminais nos municípios onde se morou, só que isso não bateu. O pessoal declarou que morava em Florianópolis ou em outras cidades e apareceu diploma que estudou nos últimos dois anos em Maringá, por exemplo, ou pior ainda, no Ceará ou Pernambuco.
Na documentação havia endereços de SC e não dos lugares em que havia o curso, é isso?
Exatamente.
E como soube do teor das denúncias?
Alguns dos candidatos que ficaram atrás na classificação procuraram a gente no escritório.
Teve acesso a esses documentos ou apenas tem a denúncia deles por enquanto?
Eu tive acesso a boa parte dos diplomas. Já foi intimado o Estado a fornecer a comprovação da residência e isso a gente não teve acesso ainda.
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Esses diplomas são dos mesmos cursos?
Não, é de um grupo de faculdades.
Acredita que houve má fé de candidatos ou eles realmente fizeram o curso e o mesmo não era reconhecido pelo MEC?
Olha, no processo tem alguns indícios de que inclusive foram comprados diplomas nessas condições e isso pode ter acontecido. Foram juntadas no processo algumas imagens de redes sociais que mostra o pessoal no Facebook e WhatsApp explicando como compraram, com quem eles falaram.
Mas é algo muito grave. Havia algum valor para a compra do diploma?
Pelo que vimos era a partir de uns R$ 3 mil.
O candidato não frequentou o curso e obteve o diploma?
Pelo que a gente tem, ele não frequentou presencialmente o curso por um ano ou dois anos, que era o mínimo normal do curso. Alguns parece que foram ministrado como se fossem a distância, só que pelo MEC essas faculdades não tinham autorização para fornecer esses cursos a distâncias.
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