Em um colchão velho e rasgado, sob a sombra do concreto do Elevado Dias Velho, na saída da Ilha de Santa Catarina, a índia caingangue Márcia Freitas, 28 anos, descansava com as filhas de nove e dois anos na tarde ensolarada de segunda-feira. Desde o início de dezembro o local tem sido a morada da família. Em barracas improvisadas, dividindo espaço com usuários de drogas, ela e outras duas índias se instalaram com seus filhos ao lado da rodoviária, vindas do Paraná para vender artesanato em Florianópolis. A reportagem encontrou ao menos 10 índios – entre adultos e crianças – vivendo sem condições mínimas de higiene e habitação nesta segunda.
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Esta é a primeira vez que Márcia veio para a Capital. Ela conta que na aldeia onde vive, na cidade de Laranjeiras do Sul, não tem trabalho, e uma amiga falou para ela que em Florianópolis era bom para vender. Pegou as filhas, cestos, uma barraca e entrou no ônibus para uma viagem de 12 horas. O marido ficou. Quando chegou aqui foi direto para a grama debaixo do elevado e montou acampamento, no dia 7 de dezembro. Uma torneira próxima é utilizada para a higiene e também para cozinhar.
Durante o dia, ela monta um ponto em alguma das ruas do Centro para vender seus produtos. No fim da tarde volta para a acampamento. Diz que vê homens usando drogas, mas não tem medo:
— É ruim ficar na rua, mas não tinha nenhum outro lugar. Hoje (segunda) eu já vou embora, já vendi quase tudo e consegui comprar as passagens — contou.
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Situação semelhante é a da índia Justina Generosa, 49 anos. Da mesma aldeia que Márcia e viúva, ela veio com três filhas adolescentes e outra criança para Florianópolis. Como já vendeu praticamente tudo, pretendia voltar na segunda para o Paraná. Ela explica que durante o tempo em que ficaram acampadas se viraram com marmitas e também pagavam um banheiro para tomar banho.
Já a índia Marilena Bandeira, também caingangue de Laranjeiras do Sul, chegou no dia 4 de dezembro com o filho de 13 anos e a filha de dois e pretende ficar até o fim de fevereiro. Nesta segunda, se instalou na rua Jerônimo Coelho para vender os colares, pulseiras e filtros dos sonhos confeccionados por ela mesma e outros índios. A filha pequena toma mamadeira, se esconde, pede colo da mãe e observa atenta o movimento ao redor. Marilena conta que já veio para a Florianópolis outras vezes, inclusive alugou uma casa no Morro da Caixa, de maio a setembro, até voltar para o Paraná, mas desta vez não tem dinheiro para aluguel e trouxe uma barraca para ficar com os filhos.
— Um homem da Funai veio aqui e disse que iam ver um lugar melhor pra gente ficar no Terminal do Saco dos Limões, estou esperando. Lá em Laranjeiras tá muito difícil, então a gente dá um jeito aqui. De dia eu compro marmita, de noite eu cozinho perto da barraca.
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A situação do povo indígena caingangue em Laranjeiras do Sul é marcada pela pobreza, além de constantes conflitos com fazendeiros locais por disputas de terras.
MPF pede que prefeitura providencie local para as famílias indígenas
No dia 16 de dezembro, a procuradora do Ministério Público Federal, Analúcia Hartmann, enviou um ofício ao prefeito Cesar Souza Junior relatando que existia um inquérito civil público sobre a situação de risco dos caingangue que haviam chegado em Florianópolis para venda de artesanato durante o verão — direito assegurado pelo constituição federal —, e pedia providência urgentes para evitar acidentes com as famílias.
No ofício, a procuradora explica que órgãos de apoio da Prefeitura participaram de reuniões, porém não foi apontada uma solução para o problema.
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No entanto, ela cita a possibilidade de um encaminhamento das famílias para o terminal de ônibus desativado no Saco dos Limões que, apesar de não ser o local ideal, possui banheiros e cozinhas, e a Funai seria responsável por organizar o acampamento.
A procuradora fixou o prazo de 48 horas para que as providências fossem tomadas. No entanto, 10 dias depois, os índios continuam acampados embaixo de elevado Dias Velho em condições precárias.
O ativista indígena Jalmir Gibbon conta que participou de reuniões, e desde a chegada das famílias têm prestado apoio, mas está muito preocupado com a situação:
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— Vejo aquelas mulheres e crianças sem a menor condições, uma verdadeiro absurdo, temos que respeitar os índios. Em cidades mais organizadas eles dão completa estrutura. A Funai não está fazendo nada — disse.
Ontem, Jalmir esteve no Ministério Público Federal para denunciar o descumprimento por parte da Funai e Prefeitura de instalar as famílias no terminal do Saco dos Limões.
Contraponto
Por meio da assessoria de comunicação, a Prefeitura de Florianópolis informou que na sexta-feira houve uma reunião entre a Funai e a Superintendência de Patrimônio da União, e depois uma vistoria na área do terminal do Saco dos Limões, que é da SPU e cedido à Cotisa (empresa que administra os terminais). Portanto, quem tem que dizer o que será feito para alocar os índios no local é a Funai ou Cotisa.
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A Funai informou que havia conversado com os índios e ficou de retornar com um posicionamento, porém não enviou resposta até as 22h horas de segunda-feira. A reportagem não conseguiu contato com a Cotisa.