João foi ao cinema no domingo. Parece um passeio simples, mas o programa era algo impensável há dois anos. O menino de 6 anos tem atrofia muscular espinhal (AME). A doença genética que interfere na capacidade de movimentar os músculos deu sinais logo após o nascimento no garoto de Florianópolis e foi diagnosticada aos cinco meses de vida, em 2012.

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O remédio que estabiliza sintomas da doença foi habilitado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) somente em 2018. Por quase seis anos, João lutou como um herói da saga "Os Vingadores" que ele assistiu na telona.

Superou internações, pneumonias, projeções pessimistas de médicos de que na viveria mais que um ano. Ganhou a companhia do destemido Miguel, o irmão mais novo que hoje tem 1 ano e 8 meses e também nasceu com AME.

Os pais, Alex José de Amorim e Gracieli Maria Schlemmer, lançaram uma campanha para conseguir custear o tratamento de João e Miguel. Com um último aporte do jogador de futebol Roberto Firmino, o casal arrecadou R$ 4,4 milhões, o suficiente para um ano de tratamento dos dois filhos.

Na semana passada, famílias como as de Alex e Gracieli tiveram uma boa notícia. O medicamento Spinraza, que até hoje só se conseguia na Justiça ou por meio de campanhas de doações em função do alto custo, vai passar a fazer parte da lista de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

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A novidade é resultado de um esforço de famílias de todo o país que fizeram pedidos ao Ministério Público e abaixo-assinado para que o governo passasse a fornecer o medicamento. O remédio deve estar disponível em um prazo de até 180 dias, segundo o Ministério da Saúde.

O problema é que o medicamento só será fornecido para quem tem o tipo 1 de AME. É o caso dos filhos de Alex e Gracieli, mas não é o de outras centenas de famílias no país, como os pais de Lucas Gabriel, de Joinville, e Manuela de Blumenau.

Pacientes com os tipos 2 e 3 da doença – caracterizados por quando a doença se manifesta mais tarde, dos sete meses aos 12 anos incompletos – ou então que necessitam de traqueostomia de forma permanente para respirar não vão poder receber o fármaco pela rede pública. O governo federal informa que esses casos estão em análise e que podem vir a ser atendidos num formato de compartilhamento de risco, em que o governo só paga o fornecedor se houver melhora na saúde do paciente.

O Ministério da Saúde não respondeu à reportagem até a publicação desta matéria se há prazo para esse modelo ser adotado para pessoas com os demais tipos de AME. Enquanto isso, as famílias não atendidas precisarão comprar o remédio ou recorrer à Justiça para tentar fazer com que o poder público garanta a compra.

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A situação provocou uma mistura de sensações no casal de Florianópolis, que participou da luta pela inclusão do medicamento no SUS e acompanhou pessoalmente o anúncio da conquista semana passada, em Brasília.

— São dois sentimentos. Um é de felicidade, por saber que meus filhos poderão ter direito. O outro é de tristeza por saber que tem muita família que está desesperada, passou pelo que eu passei e recebeu essa notícia frustrante. Mas é por isso que a luta não para — conta Alex.

O dinheiro arrecadado na campanha para o primeiro ano termina daqui a dois meses, e até que possa contar com o medicamento pelo SUS, os filhos de Alex ainda precisarão enfrentar uma janela de quatro meses. A ideia por enquanto é buscar na Justiça o remédio para esse período.

Campanha vai defender remédio para todos os tipos da doença

Mas a nova luta de que Alex fala não é exatamente essa para os próximos meses dos próprios filhos. Trata-se de uma campanha para conseguir estender o benefício de receber o medicamento pelo SUS a pacientes com os tipos 2 e 3 ou que dependam exclusivamente da ventilação mecânica, feita pela traqueostomia.

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— Estamos criando uma campanha "Somos todos AME", porque não importa o tipo, não tem exclusão. O remédio faz efeito em todos os pacientes com AME e é importante para todos os tipos. O mais difícil foi colocar a doença nesse patamar. Esperamos que fazer a inclusão dos demais tipos seja mais fácil — projeta.

Segundo o pai de João e Miguel, a estimativa é de que existam no país 857 crianças com AME. Ele diz não ter dúvidas sobre a eficácia do medicamento. Antes de João receber o remédio, os pais não podiam sair de casa ou mesmo receber visitas pelo risco de o filho ser contagiado com alguma doença respiratória – os pulmões são parte bastante prejudicada dentro do quadro de atrofia muscular.

Atualmente, passeios como a ida ao cinema ou o futebol no jardim que os pais postaram no fim de semana na página da campanha no Facebook são realidade e alegram o dia a dia de toda a família.

— Hoje, a coisa mais feliz do mundo para mim é quando acordo e vejo ele se espreguiçar, mexendo todo o corpo. É comovente, eu ganho o dia — conta o pai.

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Em Joinville, Lucas Gabriel precisará continuar luta na Justiça

Lucas Gabriel está com quatro anos e, por ter AME tipo 2, por enquanto não será beneficiado
Lucas Gabriel está com quatro anos e, por ter AME tipo 2, por enquanto não será beneficiado (Foto: Salmo Duarte, A Notícia)

Lucas Gabriel Silva tem quatro anos e, desde que tinha um ano e sete mês, foi diagnosticado com o grau 2 da síndrome que causa a Atrofia Muscular Espinhal (AME). Para os pais, não apenas a luta por medicamentos é diária: Lucas luta pela vida.

No fim de 2018, a família fez um pedido na Justiça Estadual para que fosse feita a compra da medicação. No entanto, como não obteve êxito, o advogado responsável pelo caso a partir deste ano pediu para mudar a solicitação da Justiça Estadual para a Federal, processo pelo qual a família já aguarda uma reposta há mais de três meses.

Segundo o advogado Alexandre Luiz Rossi, ainda não houve manifestação por parte do juiz Márcio Renê da Rocha, da Vara da Infância e da Adolescência de Joinville, para decidir se o processo vai para a Justiça Federal.

— Enquanto isso, o Lucas está com dificuldades, porque trata-se de uma doença degenerativa. A inércia do Poder Judiciário acaba fazendo com que as pessoas sofram. Estamos batendo à porta do gabinete, tentando reverter a situação do menino. Noventa dias são muita coisa — diz o advogado.

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Ainda segundo ele, a partir dessa resposta será possível saber quais medidas deverão ser tomadas.

Ao mesmo tempo em que aguarda essa decisão, Lucas cresce e a doença avança. No caso do menino, a inclusão do medicamento na lista do SUS, assinada no último dia 24, não o contempla, visto que ele não possui o tipo 1 da doença. Dessa forma, a briga deve continuar por via judicial.

Segundo a mãe, Mônica Silva, Lucas tem feito apenas acompanhamentos médicos, mas sem o medicamento não haverá evoluções.

— Em 2018 ele perdeu capacidade pulmonar e começou a usar o respirador. A maior preocupação é o pulmão. Ele fala, come, senta quando o colocamos sentado e a locomoção dele é com a gente — detalha.

Com o Spinraza, Lucas poderá estagnar a situação de perda muscular, o que renova as esperanças da família.

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Crianças de Blumenau com AME também não serão beneficiadas com a medida

Pequena Manuela, de Blumenau, também sofre de AME tipo 2 e neste momento não deve ser contemplada com medicamento pela rede pública
Pequena Manuela, de Blumenau, também sofre de AME tipo 2 e neste momento não deve ser contemplada com medicamento pela rede pública (Foto: Beto Espercot, NSC TV)

O que antes despertava expectativa de conseguir o medicamento para a filha tornou-se uma frustração para Evelize Cunha, moradora de Blumenau e mãe de uma criança de 11 meses com AME. Apesar de Antonella Garcia da Cunha Moro ter o tipo 1 da doença, ela não se enquadra nas exigências para receber as doses do Spinraza por ter traqueostomia, intervenção cirúrgica para facilitar a respiração.

— Fizeram uma grande divulgação que iriam liberar o medicamento no SUS, mas não especificaram. Só agora foi visto que vale apenas para crianças de até sete meses e que não faça uso de ventilação mecânica, sendo que a maioria das crianças com tipo 1 tem traqueostomia e dificuldades para respirar — lamenta Evelize, que tenta conseguir na Justiça que o Estado pague o medicamento da filha.

Outra criança de Blumenau que também não será beneficiada com a medida é Manuela Cavasin. A menina de três anos tem o tipo 2 da doença, que pelo menos neste momento não será atendida com doses de Spinraza pelo SUS.

A mãe, Juliana Teske Cavasin, afirma que a restrição atualmente não afeta Manuela, que tem o remédio garantido após decisão judicial, mas que irá lutar para que os demais quadros da doença também sejam incluídos nesse modelo.

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— Esse processo não foi encerrado, então a União ainda pode recorrer e talvez venha a ser um problema. E mesmo assim, essa restrição vai fazer com que muitas crianças não sejam incluídas, principalmente as que são tipo 1 em estado mais grave. Como os tipos 2 e 3 também não estão incluídos, poucas pessoas que serão beneficiadas, a princípio, com esse parecer — avalia a mãe de Manuela.