Toda obra deve ser executada dentro dos parâmetros da lei. Assim como também exercido o poder-dever da administração pública na fiscalização dos contratos e nos serviços de engenharia. Ano passado, o noticiário trouxe algumas situações referentes a obras públicas que chamaram a atenção pelos riscos. Em Florianópolis, uma escola estadual foi interditada depois de o solo afundar. Em Brusque, a cabeceira de uma ponte cedeu e outra ligação caiu por completo. Em Joinville, uma calçada desabou durante a abertura do Natal Cultural.

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Em nenhum dos casos houve mortes ou feridos graves, mas todos eles geraram transtornos para a população. Além de mais gastos e tempo para que os serviços sejam restabelecidos. No caso de Joinville, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) deu início a um processo de auditoria para averiguar possíveis irregularidades que levaram ao desabamento da calçada, na noite de 22 de novembro. A prefeitura encontra-se no prazo para o envio dos documentos solicitados.

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A intenção do TCE é verificar o contrato levando em conta as obras de macrodrenagem, os projetos estruturais das galerias, o memorial de cálculo, a identificação dos fiscais responsáveis, ARTs de projeto, fiscalização e execução, medições e pagamentos dos serviços realizados, justificativa sobre a necessidade da obra.

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A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) tem promovido em diferentes estados o evento “O Labirinto das Obras Públicas”. Participam desses encontros engenheiros, empresários, gestores públicos. Em agosto do ano passado, quando organizado no Paraná, coube ao superintendente executivo do Paranacidade, Álvaro José Cabrini Junior, dar a opinião dele sobre uma realidade que atinge diferentes regiões do país: 

– O aditivo de contrato dá prejuízo não só para o Estado, mas para o cidadão. 

Pela experiência na empresa com obras públicas, explicou que “o maior problema é a falta de bons projetos de engenharia e de bom planejamento por parte dos gestores públicos”. Na ocasião, ele reforçou a necessidade do comprometimento dos municípios para a importância do planejamento e à gestão para evitar a paralisação de obras e vida útil menor, o que acaba impactando as comunidades e por consequência a vida do cidadão. 

Pressa para garantir verba atropela o planejamento

De modo geral, no Brasil nem sempre é feito um bom planejamento de obras. Procura-se fazer o projeto o mais rápido possível para garantir logo os recursos, sem fazer uma série de estudos preliminares que são necessários. Para os especialistas, falta de dinheiro não é problema. Mas sim o uso inadequado do recurso.

São muitos os casos e denúncias enviados aos órgãos de fiscalização sobre favorecimento em processos licitatórios, fisiologismo político, corrupção e desvio de verba pública para outros fins, como campanhas políticas. Ouras vezes, os recursos destinados acabam por atropelar a fase de planejamento. Há casos em que os convênios e os financiamentos têm prazos de execução que comprometem a organização, pois o período de inscrição é curto.

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Com isso, a programação é feita sem o nível de detalhamento necessário. E mesmo após a aprovação, não se consegue tempo hábil para qualificar o projeto final. Assim, é licitada uma obra com estudos inadequados. Além disso, para a execução da obra é necessária que técnicos qualificados fiscalizem se o trabalho está sendo feito conforme o planejado. 

Tráfego pesado coloca vidas em risco em Brusque

Em Brusque, a ponte João Vitório Benvenutti, também conhecida como Santos Dumont, e que faz a ligação dos bairros Santa Terezinha e Steffen, caiu em abril do ano passado. A obra sobre o Rio Itajaí-Mirim rompeu-se no lado do bairro Steffen. A causa apontada: o tráfego pesado.

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Cabeceira da ponte caiu e deixou carros presos (Foto: Patrick Rodrigues, Jornal de Santa Catarina, Arquivo, 21/04/2021)

Construída na década de 1990, a estrutura havia passado por uma reforma no final da mesma década. Mas a falta de uma cultura de manutenção agravou o problema. A reconstrução da cabeceira foi finalizada em agosto e levou em consideração o atual volume de trânsito no local.

Dois meses depois do incidente, em 9 de junho, novo susto: a ponte Prefeito Antônio Heil, que une os bairros Guarani e Rio Branco, sobre o Rio Guabiruba, veio abaixo. A queda total da estrutura ocorreu após a chuva torrencial que atingiu Brusque dias antes. A estrutura da ponte era da década de 1970 e nos últimos anos recebia um aumento significativo de veículos pesados.

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Veja o vídeo da ponte Prefeito Antônio Heil caindo:

O governo do Estado repassou um valor superior a R$ 1 milhão ao município e uma nova ponte foi construída pela prefeitura. No dia 3 de janeiro o trânsito foi parcialmente liberado, mas o local segue em obras. Falta concluir a pavimentação asfáltica e os quadra-corpos nas laterais. A estimativa da prefeitura é que a entrega total da obra ocorra até o final deste mês.

Ainda em Brusque, pelo menos quatro outras pontes apresentaram problemas nos últimos meses. Uma dessas é a ponte da Rua Itajaí, entre os bairros Santa Terezinha e Limoeiro, e que sofreu interdição total. Em julho houve aparecimento de fissuras na estrutura. A prefeitura interditou preventivamente o trânsito de veículos. Antes da interdição total, era mantido apenas o trânsito de veículos leves, com limitadores de altura para caminhões e ônibus.

Como algumas vezes esses limitadores não eram respeitados, houve a necessidade do fechamento total. Agora a prefeitura busca de recursos para a reconstrução ou reforma do local, junto ao governo federal. Mas não há previsão sobre datas e valores casos recursos sejam repassados.

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Ponte que une os bairros Guarani e Rio Branco desabou na hora em que caminhão cruzava a estrutura (Foto: Prefeitura de Brusque, Divulgação, Arquivo, 9/6/2021)

Há rotas alternativas pela rodovia Antônio Heil ou pela Avenida Bepe Rosa (Beira-Rio margem direita). Já a ponte Alois Petermann, que faz ligação no bairro Rio Branco e que em dezembro apresentou falhas nas lajes do tabuleiro, segue com interdição parcial para veículos pesados. O problema das falhas foi detectado por uma empresa contratada pela prefeitura para um diagnóstico. 

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Preventivamente a prefeitura restringiu o trânsito de veículos pesados (ônibus e caminhões). A administração municipal estuda alternativas sobre a reforma ou a construção de uma nova ponte. 

Quase mil alunos aguardam sobre escola que afundou

O recomeço do ano letivo está marcado para 7 de fevereiro e a situação da escola estadual Júlio da Costa Neves, na Costeira do Pirajubaé, em Florianópolis, segue indefinida. Ainda não se sabe com os 966 alunos encontrarão o prédio. O colégio, que custou R$ 7,18 milhões, e inaugurado em 2014, já apresentava problemas nos primeiros meses de funcionamento.

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Pátio da escola Julio da Costa Neves é uma das áreas que apresentou problemas (Foto: Secretaria de Estado da Educação, Divulgação)

Em fevereiro de 2015, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação na Rede Pública de Ensino do Estado (Sinte/SC) divulgou nota alertando sobre a situação. Em 2018, estudantes protestaram por segurança na escola por conta das rachaduras e do piso que havia cedido. A escola passou por obras de reparos em 2016 e 2018, sendo interditada parcialmente.

Para indicar a real condição da estrutura e se poderá ser recuperada, a Secretaria de Estado da Educação (SED) contratou uma perícia e espera pelo laudo. Anteriormente, uma outra empresa chegou a ser contratada, mas o serviço oferecido foi considerado superficial e o contrato foi rescindido. 

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A partir da conclusão da perícia, a SED saberá o encaminhamento técnico a seguir em relação ao prédio. Se for necessária uma intervenção mais complexa, considerando o objetivo de retomada das aulas presenciais no início de 2022, os alunos serão atendidos momentaneamente em estruturas adaptadas.

Pessoas que caíram em galeria aguardam por indenização da prefeitura de Joinville

 Em Joinville, um susto em plena cerimônia de abertura da festa do Natal Cultural. A estrutura da calçada cedeu e cerca de 30 pessoas caíram em uma galeria pluvial. Os 22 adultos e 10 crianças foram levadas para hospitais, mas sem ferimentos graves liberados em seguida. Um mês depois, em 21 de dezembro, foi divulgado o laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP) sobre a queda.

Confira o vídeo do momento da queda:

O documento aponta que o acidente foi causado por um problema em uma viga, implantada em 1970, e que girou. Com isso, a laje e a calçada que estavam em cima caíram e fizeram um “V”, derrubando as pessoas no rio.

A Companhia Águas de Joinville realiza um diagnóstico na rede de água e esgoto que passa pelas imediações do local onde ocorreu o acidente, para se certificar das condições do sistema. Por questão de segurança, o trecho do acidente recebeu tapumes e permanece interditado.

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A prefeitura de Joinville está concluindo o processo administrativo para indenizar as pessoas que sofreram o acidente, repondo danos morais e materiais. 

“Profissional tem responsabilidades”, diz presidente do Crea-SC

Para Carlos Alberto Kita Xavier, engenheiro civil e de segurança do trabalho e presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) de Santa Catarina, a responsabilidade de um engenheiro que assina uma obra pública – seja do ponto de vista civil, técnico, penal ou administrativo – está bem definida. Isso passa pelas Anotações de Responsabilidade Técnica (ARTs) junto ao Crea-SC. 

– Por conta disso, este profissional assume os riscos oriundos da má execução ou a responsabilidade pelos danos que o empreendimento possa causar a terceiros, como dispõe o artigo 186 do Código Civil e também Código de Defesa do Consumidor – aponta Xavier.

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O engenheiro civil e de segurança do trabalho Carlos Alberto Kita Xavier preside o Crea-SC (Foto: Adriano Comin, Divulgação)

Uma eventual conduta imperita, negligente ou imprudência, aliada à ocorrência de um fato ilícito e de um nexo de causalidade entre este e o dano sofrido por terceiros dependem de comprovação: 

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– A negligência no cumprimento da legislação ou o exercício inadequado da profissão pode ocasionar um processo ético-disciplinar dentro do conselho profissional com penalidades que vão da advertência reservada, censura pública, multa, suspensão temporária do exercício profissional ou até o cancelamento definitivo do registro – completa Xavier.

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Sobre a possibilidade de que em se tratando de obra pública alguns gestores pressionem para que o projeto seja feito o mais rápido possível para garantir com brevidade recursos, sem fazer estudos preliminares, o presidente do Crea alerta: 

– É um dever ético-profissional de todos os profissionais a observância das normas técnicas e legais vigentes, em especial as NBR (Normas Técnicas Brasileiras, emitidas pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas). Essas normas, apesar de não serem leis em sentido formal, têm sido reconhecidas como obrigatórias pelo Poder Judiciário, e o não cumprimento pode causar uma série de riscos e responsabilidades aos profissionais e às empresas, além de comprometer a qualidade e a segurança dos empreendimentos – pontua.

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Para o presidente do Crea-SC, “é inadmissível” que gestores públicos utilizem projetos preliminares para contratar, sem as especificações técnicas, projetos executivos e demais documentos necessários para iniciar uma obra com segurança. 

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– Em relação às obras públicas paradas ou com problemas estruturais, podemos destacar também projetos mal detalhados e execuções com vícios construtivos. O Crea catarinense tem realizado aproximação com os órgãos públicos, se colocando à disposição para o suporte técnico. Temos buscado trabalhar em conjunto com as administrações municipais aplicando o conhecimento técnico científico em benefício do Estado – conclui Xavier.

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