* Por Lourdes Magalhães

Como profissional do mercado editorial tenho acompanhado com especial interesse o amplo debate sobre a real eficácia de estimular o hábito da leitura via televisão; mais especificamente, via novela da Globo. E, como cidadã, o tema me interessa exatamente porque o desfecho dessa iniciativa isolada, partindo de um autor popular e extremamente bem-sucedido, pode dar origem a um final feliz, daqueles bem açucarados! Diante de argumentos – tanto contrários quanto favoráveis a Walcyr Carrasco – eis que leio uma notícia que fornece mais elementos para avaliar o tema.

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A imprensa divulgou, no início de janeiro, que dois livros estão na lista dos itens mais procurados pelo telespectador da TV Globo – lista esta que conta com produtos de moda e beleza; acessórios; e itens de decoração. Os dois livros em questão foram recomendados pela atriz Nathalia Timberg em cenas da personagem Bernarda na novela Amor à Vida. No folhetim das 21 horas, Walcyr Carrasco insere os livros na trama como objetos de um merchandising de literatura; um incentivo à leitura feito por personagens de diferentes núcleos e classes sociais. Na visão dele, a leitura faz parte da vida cotidiana dos personagens e funciona como instrumento de interação entre eles. O carismático quase-vilão Félix (Mateus Solano) já indicou o livro Sabedoria Judaica, de Arnaldo Niskier; Paulinha (Klara Castanho) leu Dom Quixote, de Miguel de Cervantes; Michel (Caio Castro), Solidão no fundo da agulha, de Ignácio de Loyola Brandão.

Aos mais céticos sobre o uso da televisão para incentivar a leitura, vale retomar os dados de uma pesquisa importante para o setor livreiro do Brasil. Em Retratos da Leitura no Brasil, edição de 2011, vimos que na questão que indagava quais as atividades de lazer que brasileiros de 15 a 64 anos costumam fazer, 98,5% afirmaram que costumam assistir tevê. Entre os principais meios de comunicação utilizados pela população para se informar, a televisão reina absoluta no primeiro lugar com 72% da preferência, seguida de rádio com 9%. Portanto, a pesquisa mostra, claramente, que a televisão pode (e deve) ser um meio importante da disseminação da importância da leitura.

A questão tem uma outra faceta: a socioeconômica. A ascensão das classes C, D e E pode, na minha percepção, fazer com que as pessoas “importem” das classes A e B hábitos como o da leitura. A baixa renda brasileira tem investido na educação superior dos filhos; as cotas nas universidades públicas, ao longo dos anos, também promoverão a ascensão de classes. Quer mais um exemplo? A mesma pesquisa Retratos da Leitura no Brasil aponta que 64% dos entrevistados concordaram com uma afirmação que associa a leitura ao fato de a pessoa “vencer na vida”; apenas 3% discordam completamente dessa afirmação. Então? existe a percepção do poder transformador da leitura!

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E onde entra o McDonald´s? No projeto McLivro Feliz. A rede de fastfood quer se transformar na maior rede de livrarias do Brasil. Pode parecer exagero, mas a iniciativa prevê distribuir livros na compra do McLanche Feliz – serão 10 milhões de exemplares em 2014 a serem distribuídos em toda a América Latina, sendo que 50% desse montante ficará nas 700 lojas da rede no país, espalhadas em 159 municípios.

Quanto à Primavera Editorial posso disser que minha equipe está extremamente feliz ao ver todas essas iniciativas e ao participar de tantas outras. Somos ativistas entusiastas de iniciativas como o Leitura Alimenta, parceria com a Livraria da Vila e da Cesta Nobre – que insere livros nas cestas básicas -; do projeto Livro de Rua, que “liberta” livros nos parques Villa-Lobos (São Paulo) e Gabriel Chucre (Carapicuíba) para serem levados por leitores de todas idades; nas iniciativas do movimento A Corrente do Bem que nos inspiraram a criar o projeto Escritores do Bem?

Com tantas iniciativas de setores distintos da sociedade, acredito que estamos construindo, passo a passo, uma sociedade de leitores. Queremos, na prática, despertar aquela sede defendida por Carlos Drummond de Andrade: “(?) A leitura é uma fonte inesgotável de prazer mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede”. Que o brasileiro sinta mais sede em 2014!