No dia mundial do meio ambiente, há 25 anos, uma cortina de fumaça denunciava o incêndio que deixaria uma marca permanente no ecossistema catarinense. Era 5 de junho de 1995 quando uma ligação feita às autoridades locais avisou sobre o fogo no topo do morro Spitzkopf, em Blumenau. O incêndio tinha começado ainda no dia anterior, quando adolescentes comemoravam a chegada ao local com fogos de artifício. Passado um quarto de século, a área atingida ainda é visível a distância. Uma vegetação de um verde mais claro contrasta com o verde mais escuro da mata nativa original que há milênios fazia parte da paisagem.
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O incêndio durou por vários dias e foi necessária uma grande operação nas encostas íngremes e de difícil acesso, combinada com uma chuva forte, para conter as chamas. Apesar de graves, as consequências poderiam ter sido ainda piores. Segundo o naturalista e professor aposentado Lauro Eduardo Bacca, por sorte, depois, não ocorreram chuvas torrenciais que arrastariam as cinzas morro abaixo e, com isso, os nutrientes contidos nelas.
– O solo permaneceu fofo e permitiu a infiltração de água. Em se tratando de solo jamais queimado, continha também um formidável banco de sementes nativas que permitiu o ressurgimento de vegetação com espécies originárias do lugar. Vegetação mais pobre em termos de biodiversidade, mas nativa.
Ainda assim, Lauro estima que a recuperação deve levar pelo menos 100 anos. O solo, considerando a espessa serapilheira formada pelo acúmulo de folhas e raízes em geral finas, ainda não se revigorou. A maior parte da fauna morreu carbonizada. Mesmo alguns bichos que podiam se deslocar rápido, mas que foram cercados pelo fogo, também morreram. Além disso, o solo desnudado facilitou o surgimento de espécies exóticas, como alguns exemplares de Pinus sp, que só conseguem crescer em ambiente ensolarados.
Desde então, nenhum outro acidente com fogo foi registrado no Spitzkopf, no Vale do Itajaí. Entretanto, em vários outros pontos de Santa Catarina incêndios deixam rastros de destruição na vegetação. Em todo o Estado, o Corpo de Bombeiros Militar já atendeu 3.369 ocorrências somente neste ano, entre 1º de janeiro e 31 de maio. No mesmo período de 2019 foram 692 ocorrências. Já em 2018 foram 996 casos e 605 em 2017. O grande destaque no comparativo está nos números do mês de maio. Em 2020 foram 921 ocorrências, contra 38 registros em 2018, 249 em 2017 e 84 em 2016. A estiagem facilita a propagação do fogo, principalmente nos topos de morros. De acordo com o biólogo, nesses locais, dadas as condições de estresse hídrico onde, apesar da enorme capacidade de infiltração de água das chuvas, em períodos de estiagem a cobertura sobre o solo permanece seca, portanto facilmente combustível às chamas.
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– Acontece que este tipo de vegetação se desenvolveu por muitos milênios sem a presença humana. Mesmo os indígenas pouco frequentavam os topos de morro e seus aldeamentos aconteciam nos fundos de vale, mais úmidos. A vegetação dos topos não é adaptada à presença humana.
No topo do morro
Os topos dos morros possuem um ecossistema específico, com espécies animais, vegetais e fungos quase que exclusivas, devidamente adaptadas ao longo dos milênios. Em períodos de estiagem, apesar da alta capacidade de infiltração de água das chuvas, a cobertura sobre o solo permanece seca, o que faz com que essas áreas sejam mais vulneráveis ao fogo. Veja no infográfico:
Tempo seco facilita propagação do fogo
Em outras áreas, como fundos de vales e encostas morro abaixo, a vegetação é geralmente mais úmida. Mesmo assim uma encosta voltada para o Norte, com o sol atingindo-a em cheio em pleno inverno, é muito mais vulnerável ao fogo comparada com uma encosta voltada para o Sul, que recebe pouca insolação durante a maior parte do ano e permanece mais úmida mesmo em períodos de estiagem.
– Em condições de falta de chuvas, mesmo que o solo permaneça úmido sob a floresta, a serapilheira formada por milhões de folhas e galhos de todos os tamanhos caídos sobre o solo seca. Aí, basta uma fonte de calor, em 99% dos casos causada por pessoas inconsequentes de seus atos, que o fogo passa a se alastrar, muitas vezes de forma incontrolável – explica o naturalista Lauro Bacca.
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As consequências dependem do tipo de ecossistema florestal. Algumas formas de vegetação são adaptadas ao fogo, como o cerrado brasileiro, por exemplo. Não é o que ocorre em Santa Catarina em que o tipo de floresta mais comum é a de encosta atlântica, também conhecida como floresta pluvial tropical. A vegetação, de área chuvosa, não é adaptada ao fogo, o que faz com que, ao sofrer uma queimada, tenha um dano ambiental imenso e de difícil recuperação. Bacca cita como exemplo o morro do Cambirela, em Palhoça, na Grande Florianópolis, onde os vários episódios de incêndios fazem com que a situação seja ainda mais dramática.
– Ali, já não se recupera mais a vegetação original como antes. Além disso, espécies exóticas mais resistentes à condição de solos desnudos e pobres em nutrientes, conseguem uma enorme vantagem sobre as espécies nativas e acabam tomando conta da paisagem, descaracterizando principalmente o ecossistema local já fortemente afetado pelos incêndios.