Quando a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil foi inaugurada em Joinville, há exatamente 19 anos, os sotaques dentro da instituição já se misturavam. Os alunos brasileiros, que na época eram, em sua maioria, de Joinville e região, conviviam com professores que vinham da Rússia após encerrarem suas carreiras como bailarinos do Teatro Bolshoi de Moscou, em um intercâmbio formado entre as instituições dos dois países. Há seis anos, há outros idiomas sendo ouvidos dentro da escola, sediada dentro do Centreventos Cau Hansen, na região central da cidade.
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Eles vêm de países da América do Sul, como Paraguai e Argentina, onde a instituição realiza ações para incentivar que crianças e adolescentes também tornem-se estudantes da única filial do Bolshoi fora da Rússia. Além deles, há alunos que nasceram em outros países do continente e até na América do Norte e que, após as famílias mudarem para o Brasil, também assumiram o desafio de transformarem novamente de vida para conquistar um diploma da Escola Bolshoi.
— Desde a fundação da escola, sempre trabalhamos em contato com o Mercosul e estivemos em contato com as escolas de outros países. Esta troca garante à instituição o seu perfil internacional — explica a coordenadora pedagógica do Bolshoi Brasil, Bernadete Costa.
Atualmente, 14 alunos dos 246 que estudam na Escola Bolshoi são estrangeiros. Desde o início, outros já passaram pela instituição — alguns retornaram para seus países de origem, enquanto outros permaneceram no Brasil ou escolheram outros países para dedicarem-se à dança ao serem contratados por companhias internacionais. Ao entrarem no Brasil para viver os anos de formação do Bolshoi, eles passam pelo processo para tirar o visto de residência pelo Mercosul, garantindo a regularização para permanecer no país durante os anos em que estão estudando na instituição.
Sair de casa ainda na infância para viver longe da família é comum entre os alunos da Escola Bolshoi, já que os alunos vêm de todas as regiões do País para estudar em Joinville. Na última seletiva, por exemplo, dos 48 aprovados, apenas cinco já moravam na cidade. Mas, entre os estrangeiros, o desafio da distância ainda é potencializado pela cultura e língua de um novo país.
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— Temos uma miscigenação muito grande no Brasil e o fato de termos alunos de 22 Estados faz com que a experiência de acolhimento para todos tenha um fluimento muito bom, mesmo entre os estrangeiros. Como são jovens, eles se adaptam muito rápido — analisa Bernadete.
Ela recorda que, há três anos, um aluno muito jovem do Paraguai chegou para o primeiro dia de aula e decretou: "Yo no hablo português". Era uma sentença que ele parecia não ter intenção de mudar, mas, em 2019, o mesmo garoto conversa em português quase sem sotaque ao recordar sua trajetória.
— Eu chorava todo dia quando ligava para casa para falar com meus pais e com a minha irmã, porque tinha muitas saudades. Eu era muito apegado com a minha irmã, dormia abraçado com ela. Como ela fez teste para o Bolshoi, eu também quis fazer, mas não entendia bem como era. Achava que era um curso de alguns meses e que logo voltaria para casa — conta Tobias Ferreira, de 13 anos.
Natural de Luque, cidade a 15 quilômetros de Assunção, no Paraguai, e a pouco mais de mil quilômetros de Joinville, Tobias tinha apenas dez anos quando fez uma viagem de 18 horas ao lado de outros jovens paraguaios para participar da audição da Escola Bolshoi. Passou, voltou para casa para comemorar o aniversário de 11 anos com a família e então embarcou para viver em Joinville com uma família paulista que também mudou para a cidade para os filhos estudarem no Bolshoi.
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O primeiro ano foi difícil em todos os sentidos: além das saudades de casa, ele tinha dificuldades na escola tradicional por não dominar o idioma, e acabou reprovando na sétima série. Mesmo assim, encontrou forças para não desistir do sonho iniciado quando tinha apenas três anos de idade e começou a fazer aulas de dança.
— Eu sei que a minha família faz muitos sacrifícios lá no Paraguai para que eu possa continuar estudando aqui. Então, toda vez que eu desanimo, eu penso neles — conta o adolescente.
Língua universal
Já na seletiva do Bolshoi, Tobias percebeu que tentar entender professores russos falando português era um obstáculo que requeria paciência quando ele não conhecia nenhum dos dois idiomas. Por isso, focou em signos que não mudam: nos passos de dança clássica, que são iguais em qualquer lugar do mundo.
Também natural do Paraguai, Melanie Pavon, 12 anos, conta que passou o primeiro mês de aulas em Joinville apenas dizendo “sim” para qualquer interação que fizessem com ela. Melanie tinha nove anos quando foi aprovada para estudar no Bolshoi e mudou com a mãe para Joinville.
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— Viemos de ônibus trazendo apenas dois colchões. Meu pai ficou trabalhando em Assunção para mandar dinheiro, e minha mãe e eu começamos do zero aqui — recorda ela.
Entre os alunos, há também jovens que já viviam no Brasil apesar de terem naturalidade estrangeira. Juan Negreira, 15 anos, tem mãe brasileira e pai uruguaio e nasceu em Montevidéu. Aos quatro anos, a família mudou para Curitiba, onde ele descobriu o balé justamente ao assistir a uma reportagem com um aluno do Bolshoi. Desde o ano passado, ele também é aluno da escola e aproveita a vivência com outros estrangeiros para não perder os laços com a língua-mãe.
— Em casa, só falamos em espanhol, mas eu não aprendi a escrever neste idioma. Agora tenho uma colega no Bolshoi, a Martina, que veio da Argentina. Então eu a ajudo traduzindo as palavras em português no dia a dia, e ela está me ajudando a escrever em espanhol — conta Juan.
Aniversário
Na quinta e na sexta-feira (14 e 15), a instituição comemora os 19 anos de inauguração com uma Gala de Aniversário no Teatro Juarez Machado. Entre coreografias clássicas, neoclássicas e dança à caráter, a programação conta com a participação de 168 alunos e bailarinos da Cia. Jovem, além do tradicional desfile, onde 48 calouros sobem ao palco, ao final do espetáculo, para o seu batismo, agora como alunos da instituição.
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Coreografias marcantes nestes 19 anos serão apresentadas, como por exemplo, as Danças Polovtsianas da Ópera “O príncipe Igor”, que estreou em 2008 na Escola Bolshoi. O repertório também conta com "Polonaise do Século XIX", que é apresentada desde 2001, sempre interpretada por alunos do 2º ano, e "Linha Vermelha", coreografia neoclássica de Willian Almeida, ex-aluno da Escola, que teve estreia em 2018.