A tributação para investimento-anjo, regulamentada por meio de Instrução Normativa (IN) da Receita Federal, tem provocado uma reação negativa por parte de representantes do setor. O texto, publicado no Diário Oficial da União de 21 de julho, determina que a mordida do imposto de renda nesse regime de aplicação seja de 15% e 22,5%.
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Na prática, a norma da Receita regulamenta a Lei Complementar 155/2016 (Crescer sem Medo), de outubro de 2016, considerada uma vitória pelo segmento, já que antes disso a legislação não previa a figura do investidor-anjo. Entre outras alterações, a lei desobrigou os investidores de se tornarem sócios das startups, isentando-os de possíveis prejuízos como em casos de ações trabalhistas.
— Houve todo um trabalho de uns quatro anos junto ao Congresso para conseguir que o investidor fosse reconhecido. Quando isso finalmente ocorreu a Receita fez isso – lamenta o líder da Rede de Investidores Anjo de SC, Marcelo Cazado.
Segundo o analista do Sebrae SC, Alexandre Souza, a normativa aumentou impostos de casos poucos prováveis de rendimentos. A alíquota fica igual para a maior parte dos casos – que é a remuneração periódica sobre os resultados da sociedade e já estava definida na nova lei em 15% a 22,5% – , e aumentou nos menos comuns – quando há venda de participação ou sobre a diferença entre o valor do resgate e o aporte inicial. No entanto, diz Souza, a expectativa do mercado era de haver incentivo fiscal ou mesmo isenção.
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— Perderam a chance de incentivar esse tipo de investimento. É conhecido que quanto mais se investe em empresas inovadoras, mais imposto você gera depois. Em vários países, há isenção – avalia o analista.
Para o presidente da Anjos do Brasil, entidade sem fins lucrativos que representa o setor no país, Cassio Spina, a tributação deve impedir que os investimentos cresçam tanto quanto deveriam, já que há outras opções atrativas no mercado.
— Quando você compara com outros investimentos, como fundos imobiliários ou mesmo empresas listadas na bolsa, são mercados com muito menos risco e impostos, é óbvio que o investidor vai pesar tudo isso.
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Como o investimento-anjo é o aporte de capital próprio, por pessoa física, em empresas que estão começando, as chances de a startup não decolar e de se perder o dinheiro aplicado são altas. De acordo com levantamento da aceleradora Startup Farm feito entre 2011 e 2016 junto a 191 empresas, 74% das startups brasileiras fecham após cinco anos, e 67% encerram suas atividades entre dois a cinco anos de funcionamento.
Falta de diálogo
Tanto Cazado quanto Spina criticam a falta de diálogo por parte da Receita, que chegou a abrir consulta pública sobre o tema.
— Enviamos muitos comentários demonstrando que, na prática, isso não aumenta a arrecadação. Se você dá incentivo, para cada um real de incentivo você gera R$ 2,20 de impostos. A Receita praticamente ignorou todas as contribuições – diz o presidente da Anjos do Brasil.
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O secretário de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável de SC, Carlos Chiodini, além de ter considerado a instrução “retrógrada”, afirma que a IN afronta a Constituição:
— A Constituição é bem clara ao dizer que este tipo de tributação para as micro e pequenas empresas só pode ser feita por meio de lei complementar. Se for para aplicar novos tributos aos anjos, devem ser feitos nos referidos anexos e somente depois de amplamente discutido no Congresso Nacional e com a sociedade civil organizada, e não por uma instrução normativa – argumenta Chiodini.
Questionada, a Receita Federal informou por meio de nota que “a Instrução Normativa não altera ou institui a tributação, atividade esta que cabe a lei complementar. A instrução normativa se limitou a verificar a compatibilidade da legislação tributária posta com as características do investimento e da sua remuneração e determinar quais dispositivos se aplicam ao caso”.
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Sobre as sugestões, a Receita afirmou que todas foram analisadas, mas que algumas propostas não foram acatadas porque iam de encontro à Lei Complementar nº 123/2016 e à legislação tributária.
O secretário disse que irá discutir a IN em audiência com o ministro da Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, agendada para esta quarta-feira em Brasília. O Sebrae e a Anjos do Brasil também estão se movimentando junto a representantes do governo para tentar reverter a norma.
Números do setor
O Brasil tem 7 mil investidores-anjo que aplicaram R$ 851 milhões em 2016, 9% a mais em relação a 2015.
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O ticket médio por investidor foi de R$ 120 mil em 2016.
A maior parte é de empresários (42%) e executivos (31%), com idade média de 47 anos.
Fonte: Anjos do Brasil