O governador Carlos Moisés (Republicanos) foi o primeiro a sofrer dois processos de impeachment em SC. As tentativas não triunfaram, mas deixaram bastidores e curiosidades que marcaram a história política do Estado. São casos como o de um sargento conhecido da política catarinense e que teve papel decisivo em um dos julgamentos. Confira:
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Escute o episódio 2: O Sargento
Impeachment em três atos: o sargento
No momento mais crítico do governo do coronel do Corpo de Bombeiros Carlos Moisés, coube a um sargento o ato que salvou o mandato e permitiu que ele seguisse no governo de SC até o fim de 2022. O gesto, no entanto, esteve longe de ser um ato de cortesia ou corporativismo entre colegas de farda. Pelo contrário. O deputado Sargento Lima (ex-PSL, atual PL) nunca escondeu as mágoas que diz sentir do atual governador. Mesmo assim, coube a ele um voto que ajudou Moisés e mudou o curso da atual política catarinense.

A relação entre Moisés e Sargento Lima começou com os dois na condição de aliados. Era o início da onda bolsonarista que alçaria os dois aos corredores do poder. O então Comandante Moisés era o rosto nos santinhos entregues por Lima em semáforos de Joinville, durante a campanha eleitoral de 2018. Até então desconhecido, Moisés ganhou força por ostentar o mesmo número 17 de Bolsonaro, e o resto é história. Mas a relação de Moisés e Sargento Lima se deteriorou logo nos primeiros meses do ano seguinte.
Em uma entrevista para o jornal Folha de S.Paulo, em maio de 2019, Carlos Moisés já tratou de se diferenciar de Bolsonaro. Chamou de “sandice” o extremismo político visto nas redes sociais e com o “pessoal da arminha”. A fala selou um distanciamento e a pecha de traidor entre os adeptos do “bolsonarismo raiz” que o governador até hoje não conseguiu reverter. Na Alesc, um deputado bolsonarista tirou o quadro de Moisés da parede para colocá-lo “de castigo” e membros do então PSL ameaçaram pedir a expulsão dele da legenda.
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Foi nesse período que Sargento Lima relata ter levado um “bolo” de Moisés, marcando de vez o distanciamento de ambos. Em 17 de outubro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro visitava a academia da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para uma formatura de novos agentes. Na mesma data, o deputado e lideranças convidadas por ele teriam um reunião com Moisés — o compromisso não consta na agenda oficial do governador. Ao chegar ao Centro Administrativo, porém, só encontrou o vigia. Moisés estava no evento presidencial.
A partir daí, Lima tornou-se uma das vozes de oposição na Alesc, e chegou a presidir a CPI que investigou a compra dos respiradores pelo governo de SC.
Por todo esse contexto, não foi novidade quando Sargento Lima decidiu votar contra o governador e a vice nas votações de abertura do processo de impeachment na Assembleia Legislativa. Nesse período, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP) diz ter lhe mandado uma mensagem pedindo que livrasse apenas a vice, em nome de ter uma governadora mais próxima ao presidente Bolsonaro. Lima nega o contato. Na votação do primeiro pedido no plenário, foi um dos 33 deputados que deram sinal verde ao impeachment de governador e vice.
Convocado para compor o tribunal de julgamento do primeiro processo de impeachment, era dado como certo que novamente votasse pelo afastamento de Moisés e Daniela, e desse sequência ao plano da Alesc.
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Sargento Lima apresentou um voto diferente do que vinham revelando os demais jurados do tribunal de julgamento. Na primeira sessão, em 23 de outubro de 2020, todos os cinco que votaram antes dele decidiram por destinos comuns para Moisés e Daniela. Por 3 votos a 2, governador e vice se livravam da acusação e do afastamento. Na vez de Lima proferir seu voto, surpreendeu: pediu a continuação da investigação contra Moisés, o que resultaria no afastamento, mas defendeu a absolvição de Daniela Reinehr.
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As consequências do voto salomônico foram sendo assimiladas à medida que os outros quatro jurados votavam. Foi aí que começou a correria dos parlamentares para pedir que Lima revisse o que fez, afinal ele estava dentro do que se esperava, que era o afastamento de Moisés e de Daniela. Não havia um plano em que Daniela ficasse. Por 6 votos a 4, Moisés foi afastado. No caso de Daniela, o empate em 5 a 5 obrigou o presidente do Tribunal de Justiça, Ricardo Roesler, a desempatar. Ele também decidiu livrar a vice.
Ao abrir um voto dividido em que afastava Moisés, mas livrava Daniela, Sargento Lima sepultava qualquer possibilidade de que o então presidente da Alesc, Júlio Garcia, assumisse o governo de SC, ainda que interinamente.
Com o arquivamento da denúncia contra a vice, seria ela quem ficaria à frente da gestão caso Moisés fosse condenado. E o segundo processo de impeachment, sobre a compra dos respiradores, não envolvia a vice, apenas o governador. Quando comenta o assunto, Lima diz não ter nada contra o ex-presidente da Alesc, mas defende que “ele não fez voto para governador”. Nesse cenário, após o voto do sargento, a escolha que restava passou a ser entre Moisés e Daniela. E os deputados não demoraram a tomar lado.
Daniela sabia que a Alesc não a desejava como governadora. Tinha consciência disso desde o começo do processo. Mesmo assim, na madrugada do sábado em que o Estado amanheceu com a surpresa de ter uma governadora interina, Daniela começou a fazer planos. Reuniu-se com uma pessoa próxima na residência oficial da vice-governadora, no bairro Itaguaçu, na Capital, e começou a traçar estratégias de ação. A conversa se estendeu até 9h do dia seguinte.
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Moisés e Julio se aproximam
Mas não era apenas Daniela que agia. Quem havia sofrido uma derrota na noite anterior também já pensava no que fazer. Ainda naquele final de semana, houve um encontro fundamental. Marcos Probst, então advogado de Moisés, teve um contato telefônico com Eron Giordani, braço-direito de Julio Garcia. Da conversa saiu um encontro marcado. Moisés e Julio se sentaram na mesma sala, horas depois. Além de ambos, Probst e Eron, o anfitrião do encontro, acompanharam a conversa.
Julio disse a Moisés que aceitaria ajudá-lo a voltar ao cargo, mas para isso Eron deveria ser o chefe da Casa Civil. O governador recém-afastado relutou, chegou a negar. Logo em seguida, recuou e cumprimentou Julio. Os dois, naquele momento, selaram a paz e a reconstrução do governo.
Nos dias seguintes, Moisés tratou de inserir Eron na rotina da sua equipe. A estreia ocorreu num encontro na Casa D’Agronômica, com poucos secretários e o governador. Eron apenas ouviu, e ali começava a parceria entre ambos. Doze dias depois, após acenos de interlocutores, Moisés e Júlio Garcia já se fizeram fotografar juntos em uma reunião. O governador apresentou uma “Carta ao Parlamento Catarinense” com compromissos de um diálogo mais próximo caso permanecesse no cargo. Foi o início da reconstrução de pontes que permitiu que Moisés fosse absolvido nos julgamentos seguintes e voltasse a ter ambiente para tocar o restante do governo.
Já o sargento experimentou um afastamento dos colegas deputados após mudar o curso do primeiro impeachment em SC. Ainda assim, seguiu sendo voz contrária a Moisés no parlamento. Em outubro, se reelegeu deputado estadual, além de ter ficado na história como o deputado que mudou os rumos do Estado.
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