O governador Carlos Moisés (Republicanos) foi o primeiro a sofrer dois processos de impeachment em SC. As tentativas não triunfaram, mas deixaram bastidores e curiosidades que marcaram a história política do Estado. São casos como o de um “cativeiro” que abrigou deputados às vésperas de um dos julgamentos de impeachment. Confira:
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Escute o episódio 3: O Cativeiro
Impeachment em três atos: o cativeiro
O segundo processo de impeachment foi levado ao tribunal de julgamento pela primeira vez em 26 de março de 2021, em um clima diferente do primeiro. Moisés já havia se reaproximado da Assembleia Legislativa e de seu presidente, Júlio Garcia (PSD), potencial algoz do governador até poucos meses antes. Deputados já haviam até mesmo assumido secretarias do governo, como Educação e Agricultura.

Por conta disso, havia a expectativa de que o governador teria os votos favoráveis e escaparia da denúncia logo na primeira sessão do tribunal misto. No entanto, para os impeachments de Moisés, valeram também uma máxima que no parlamento costuma ser atribuída a CPIs: sabe-se como começam, mas não como terminam.
Embora tenha recebido votos favoráveis de quatro dos cinco deputados estaduais que integravam o novo tribunal misto, desta vez os desembargadores votaram maciçamente contra Moisés. Os cinco votos foram pela abertura da denúncia, o que afastaria temporariamente o governador. O resultado surpreendeu o estafe de Moisés, que esperava que ao menos um representante do Judiciário votasse pela absolvição.
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Entre os deputados, o apoio esperado após a reaproximação com a Alesc veio. Apenas Laércio Schuster (à época, PSB) votou contra Moisés. Os outros quatro votos foram de quem indicava que o governador não teria responsabilidade pela compra fraudulenta dos respiradores: Fabiano da Luz (PT), José Milton Scheffer (PP), Marcos Vieira (PSDB) e Valdir Cobalchini (MDB).
A posição de Laércio, aliás, caiu como uma bomba para uma pessoa em especial: Eron Giordani, o principal articulador da permanência de Moisés. Coube a Eron o contato com os deputados para que eles estivessem ao lado do governador. Nas semanas anteriores à votação, Laércio esteve com Moisés. Num dos encontros, eles jantaram juntos na Casa D’Agronômica. Laércio nega a reunião, mas outros presentes contam os detalhes daquele momento. Dizem que o deputado garantiu apoio ao governador.
O problema é que nos dias antes da votação o parlamentar sumiu da visão do núcleo duro do governador. Nem Eron o localizava. Preocupado, o então chefe da Casa Civil enviou um interlocutor a Timbó, onde Laércio foi prefeito, para conversar com o deputado. Na conversa, o assessor de Eron ouviu um recado com intenção tranquilizadora: “está tudo certo”. Mas o convencimento não ocorreu. Eron seguiu preocupado.
Na noite anterior à votação que poderia afastar Moisés, o chefe da Casa Civil conseguiu falar com Laércio, mas quando desligou o telefone não saiu convencido: “acho que temos um problema”, disse Eron a Moisés. No dia seguinte, ainda durante a votação, Eron fez outra tentativa. Enviou um interlocutor à residência de Laércio em Florianópolis. Na nova conversa veio a certeza de que o deputado não ajudaria Moisés e deixaria Eron a ver navios. Consumada a “traição” pelo ponto de vista do governo, o chefe da Casa Civil desabou e ficou abatido porque considerava Laércio um amigo. Logo após a votação, Eron apresentou um pedido de demissão ao governador porque sabia que Daniela assumiria o cargo interinamente.
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No entanto, ainda havia jogo. Os outros quatro votos dos deputados não foram suficientes para impedir o afastamento temporário de Moisés, mas seriam o bastante para mantê-lo no cargo na sessão seguinte, que julgaria o caso definitivamente. Isso porque na última votação eram necessários sete votantes para cassar o mandato do governador.
Agindo rapidamente, Eron marcou um encontro com os quatro na Casa D’Agronômica. Apenas Fabiano da Luz e Valdir Cobalchini foram. Zé Milton já havia viajado e Marcos Vieira preferiu conversar com Moisés em outro momento. No papo com Fabiano e Cobalchini, Moisés chorou. Estava abalado pela nova perda do cargo. Porém, passou a ter mais confiança quando sentiu dos deputados o apoio suficiente que o recolocaria no cargo.
Deputados anteviam pressão
A partir daquele momento, os quatro deputados passaram a antever todo tipo de pressão que poderiam sofrer para mudar de voto entre a primeira e a segunda sessão. Em razão disso, passaram a se reunir semanalmente em jantares na casa do deputado Marcos Vieira para decidir como agir. Vieira foi escolhido para comandar o grupo. Era uma espécie de líder.
Naquela ocasião, os deputados foram alertados sobre uma suposta “proposta financeira milionária” que poderia ser oferecida aos parlamentares para que votassem pelo impeachment de Moisés na sessão seguinte.
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— Aquele deputado que mudasse o voto, já saberíamos que deveria ter levado dinheiro — conta um parlamentar, que acompanhou as discussões sobre o impeachment na época.
Para simbolizar o apoio que haviam garantido ao governador, eles criaram rituais. Nos jantares na casa de Marcos Vieira, os quatro colocavam as próprias mãos uns sobre as mãos dos outros e mandavam fotos para Moisés e Eron. Os quatro ainda faziam outro sinal de lealdade. Um ao lado do outro, eles repetiam a mesma sequência quando perguntados pelos próprios colegas com quem eles estavam: “Estou com Moisés”, dizia cada um deles.
Nos dias seguintes, a previsão se confirmou, e os deputados começaram a receber ligações e visitas de ‘interlocutores’ interessados em convencê-los a mudar de voto. Uma troca de posição no novo julgamento provavelmente significaria permitir à vice Daniela Reinehr seguir como governadora até o fim do mandato.
Daniela nega que tenha pedido votos para derrubar Moisés. A vice afirma que procurou parlamentares porque entendia que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) iria determinar o afastamento do governador na investigação dos respiradores, algo semelhante ao que ocorreu naquele período com Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro. Por isto, Daniela acreditava que seria a governadora do Estado e queria sensibilizar os parlamentares desta situação.
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Foi nesse contexto que os deputados passaram a buscar uma ideia que os tirasse do ambiente de pressão. Assim surgiu o “cativeiro”.
“Os quatro estão fechados”
Os quatro deputados que haviam votado a favor de Moisés na primeira sessão decidiram ficar juntos nos dias que antecederam o tribunal de julgamento. A ideia era blindá-los de pressões externas ou ofertas pouco republicanas para que mudassem de voto.
Em uma quarta-feira, 5 de maio de 2021, os quatro deputados saíram da sessão na Assembleia Legislativa e foram direto para um sítio no bairro Vargem Grande, no Norte da Ilha. Ali, ficariam reunidos até a sexta-feira, dia 7, data em que ocorreria a votação do impeachment. Para passar o tempo, fizeram churrasco, tomaram vinho, contaram histórias. Um dos deputados fez até uma poesia sobre os dias de reclusão.
— Os quatro lá isolados, sozinhos, sem falar com ninguém. Eu disse, bom, estamos num cativeiro — brinca um dos deputados envolvidos.
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Os únicos contatos ao telefone eram com familiares. O que não significava que os telefones, deles e até mesmo de parentes, não tocassem à exaustão.
— Minha mulher ligava e dizia: estão ligando aqui pra você. Gente que eu nem conheço ligou aqui atrás de você — conta um dos parlamentares.
No dia da votação, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (ex-PSL/SP) vazou o telefone dos cinco deputados que julgariam o impeachment em uma publicação no Twitter. Um dos envolvidos diz que o Whatsapp lotou com mais de 2 mil mensagens recebidas, o que fazia o celular ficar de lado.
A programação de dois dias e meio no cativeiro foi animada. Um gaiteiro conhecido chegou a ser levado para animar os parlamentares na quinta-feira. Durante o dia, a casa ficou mais movimentada com a presença de lideranças políticas, incluindo Carlos Moisés e Julio Garcia. O clima era de festa, e os quatro que mais importavam ao governador estavam lá.
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Enquanto seguia o exílio dos deputados, parlamentares pró-impeachment tentavam obter liminares para adiar a votação. Em uma das poucas ligações de pessoas de fora do seu círculo que atendeu no ‘cativeiro’, um dos deputados conversou com uma jornalista que buscava a informação da semana: como votariam os deputados no julgamento do dia seguinte.
— Você quer um furo (jargão jornalístico para notícia exclusiva)? Tá aí o furo. Se estão entrando com liminar (para adiar), é porque não conseguiram os votos. Os quatro estão fechados — respondeu.
Na sexta-feira do tribunal de julgamento, os quatro saíram juntos do sítio no Norte da Ilha e seguiram para a Assembleia Legislativa. Embora a sessão fosse virtual, os quatro participaram da videoconferência de seus lugares no plenário da Alesc. Quando chamados a votar, mantiveram a posição favorável a Moisés. Ao fim do julgamento, o placar de 6 a 4 da primeira sessão se manteve, e o processo de impeachment foi arquivado. No dia seguinte, Moisés retornou ao cargo. Se no primeiro processo Moisés havia sido salvo com ajuda da Justiça, já que teve o voto de quatro dos cinco desembargadores, no segundo era a política que o livrava da cassação.
Confira as outras matérias da série Impeachment em três atos
Ato 1: cartomante foi ouvida por aliados e fez previsão sobre Moisés
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Ato 2: sargento foi personagem central em julgamento de Moisés
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