O governador Carlos Moisés (Republicanos) foi o primeiro a sofrer dois processos de impeachment em SC. As tentativas não triunfaram, mas deixaram bastidores e curiosidades que marcaram a história política do Estado. São casos como o de uma cartomante ouvida por políticos envolvidos nor processos antes dos julgamentos. Confira:
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Escute o episódio 1: A Cartomante
Impeachment em três atos: a cartomante
Os deputados estaduais atravessaram o primeiro ano da gestão Moisés descontentes com a frágil relação mantida pelo governo do Estado. Desconhecido até 2018, Moisés foi eleito com ajuda da onda Bolsonaro e tentava dar suas digitais ao novo governo. Logo no primeiro ano, ele teve desgastes em temas como reforma administrativa, mudanças no duodécimo, tributação de agrotóxicos e renúncia fiscal. Assim, enfrentando crises e já se distanciando dos bolsonaristas, ele começou a criar resistências.

Ainda no final de 2019, meses antes do primeiro processo de impeachment explodir, havia um movimento disposto a tirar Moisés do cargo. A vice-governadora de SC, Daniela Reinehr, chegou a ser procurada por um grupo de parlamentares da chamada ala ideológica do PSL, também eleitos na onda Bolsonaro. Eles queriam que Daniela os apoiasse na ideia de um impeachment contra o governador, que tornou-se um “traidor” na visão do grupo. A vice-governadora, porém, negou o convite para participar da trama.
Foi a partir do início da pandemia de Covid-19 que as estreitas pontes com o parlamento construídas no primeiro ano começaram a ruir de vez. Sem convívio por conta da paralisação das sessões e nem pauta, já que todos os esforços se voltaram ao combate à crise de saúde, a semente do impeachment começou a germinar. Quando o governo se viu enrolado com a desastrosa compra dos 200 respiradores não entregues, por R$ 33 milhões, abriu-se a oportunidade para a tentativa de derrubar o governo com o qual estavam aborrecidos. O movimento era encorajado também por outros impeachments de governadores abertos durante a pandemia, como no Rio de Janeiro.
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Na Assembleia Legislativa, é ponto pacífico entre a maioria dos deputados que havia um acordo para que Moisés e Daniela fossem apeados dos cargos em processo de impeachment. Como consequência, o então presidente da Alesc, Júlio Garcia (PSD), assumiria o cargo. A tese vai além e aponta que Júlio poderia ser o candidato ao governo na eleição indireta prevista no caso de cassação de governador e vice, em que os próprios deputados elegeriam quem assumiria o restante do mandato. Até discussões para a presidência posterior da Alesc já estariam no pacote. O ex-presidente da Alesc foi procurado pela reportagem para abordar o tema, mas não quis conceder entrevista.
Foi nesse contexto que não um, mas dois processos de impeachment foram abertos em menos de dois meses. O primeiro, em razão de uma equiparação salarial feita a procuradores do Estado, que tiveram o salário igualado aos procuradores da Assembleia Legislativa, em ato assinado pelo governador. O decreto era apontado pelos autores da denúncia como ilegal. Numa primeira tentativa, em janeiro de 2020, o defensor público Ralf Zimmer Junior, principal articulador do pedido, teve o requerimento negado por Julio Garcia.
Meses depois, em maio de 2020, Ralf voltou à carga com “fatos novos”. Ele incluiu Daniela Reinehr no pedido para alegar que ela assumiu o governo do Estado em janeiro do mesmo ano e poderia ter revertido o benefício aos procuradores.
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A vice-governadora, entretanto, sabendo da equiparação salarial, pediu que a secretaria de Administração repassasse mais detalhes, o que também foi usado por Ralf para incrementar os “fatos novos”. Assim, estava desenhado o cenário ideal para os deputados: Moisés e Daniela seriam afastados e Julio assumiria o governo numa composição acordada entre ampla maioria dos deputados.
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O segundo pedido de impeachment aceito pelo então presidente da Assembleia, por causa justamente da compra dos respiradores, investigada também por uma CPI na Alesc que pôs membros do primeiro-escalão de Moisés no banco de depoentes, veio logo em seguida. A forte adesão dos deputados aos processos de impeachment abertos se confirmou nas votações em que os parlamentares decidiram se as denúncias deveriam ou não ser levadas adiante. No processo dos procuradores, o placar foi de 33 votos a 6 contra Moisés. No caso dos respiradores, 36 a 2.
Resultado improvável
Quando o primeiro processo de impeachment chegou à fase de julgamento no tribunal misto, que reunia cinco deputados e cinco desembargadores do Tribunal de Justiça (TJSC), poucas eram as dúvidas sobre qual seria o desfecho. Nem mesmo o entorno do governador acreditava em uma chance de reverter o quadro.
Foi nesse período que entrou em cena uma personagem inusitada dos bastidores do impeachment: a cartomante Dóris. A deputada Paulinha (hoje no Podemos) foi líder do governo durante o período em que Moisés era alvo de um dos impeachments na Alesc. Acompanhou e conduziu algumas das vãs tentativas de obter apoio junto aos deputados.
Paulinha conhecia Dóris há quase 10 anos e já havia consultado a cartomante em outras ocasiões em busca de previsões sobre política e vida pessoal. No auge dos processos de impeachment, intermediou um encontro com membros da defesa de Moisés e Dóris, no gabinete da parlamentar na Alesc. Dóris abriu as cartas e anunciou sua visão: Moisés não sofreria impeachment.
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Ninguém acreditou. Um dos assessores do governador questionou. Reagiu cético à cartomante, como um personagem do conto homônimo de Machado de Assis. Foi surpreendido quando a vidente relatou situações particulares sobre ele.
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A previsão da cartomante chegou até mesmo aos ouvidos de Moisés. Cristão, o governador não teria demonstrado muita confiança, mas achou por bem não refutar um dos poucos prognósticos que àquela altura lhe eram favoráveis.
— É mesmo? Poxa, tomara que esteja certa, então — respondeu.
Em 24 de outubro de 2020, no caso dos procuradores, Moisés foi salvo por um voto controverso dividido do deputado Sargento Lima. No voto, o parlamentar decidiu que o governador deveria ser afastado, mas a vice não. Ainda durante a votação, Lima foi cercado por parlamentares e telefonemas que tentavam demovê-lo da ideia. Todos ficaram surpresos porque achavam que ele faria o que havia sido acordado nos bastidores: a ordem era afastar Moisés e Daniela para que Julio assumisse.
Com o voto de Lima, Moisés ficou afastado por cerca de um mês, mas foi absolvido e retornou ao cargo. Em maio de 2021, no processo sobre a compra dos respiradores, o roteiro se repetiu. Mesmo já próximo dos deputados, foi afastado temporariamente, mas terminou voltando ao cargo após a decisão do tribunal misto.
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