O haitiano Elie Alceo, 39 anos, faz arte para se sustentar. Não só a ele, mas também para a esposa e as filhas com sete e dez anos que ficaram em Petit-Goâve, município costeiro a 70 quilômetros da capital Porto Príncipe. Desde que desembarcou em Florianópolis, no começo do ano, o imigrante tem estendido telas coloridas em parques, calçadas, muros. As pinturas em óleo e acrílico retratam o cotidiano do Haiti, como feiras livres, mercados, paisagens, religião.

Continua depois da publicidade

Ainda que descreva um cenário de tragédia social e pessoal, o traço também significa resistência. Quem observa o trabalho encontra um quê de Pablo Picasso. Não pela valorização das cores, mas pela presença do estilo cubista. Pessoas e animais em formas geométricas povoam o trabalho de quem deu as primeiras pinceladas nos tempos de criança, mas só a partir dos 18 anos quando começou a estudar artes plásticas passou a desenvolver a técnica.

O artista diz que se inspirou no pai, também pintor e que mantém um pequeno atelier no Haiti.

— Lá está muito difícil para vender, pois todos são muito pobres. Eu ajudo trazendo algumas peças deles para vender por aqui – explica.

Elie mora numa quitinete no Morro da Caixa, área continental de Florianópolis. No lugar vivem outros imigrantes que dividem as incertezas sobre emprego e esperança de mandar ajuda para os familiares. É o que a venda das telas tem permitido a Elie. Uma vez por mês ele deposita dinheiro para a mulher, uma enfermeira que está desempregada.

Continua depois da publicidade

— Não é muito. É o que dá – responde.

O pintor fala francês, crioulo e se empenha no português. Elie chegou ao Brasil em 2016. Estimulado por amigos e atraído por emprego foi para Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul. Não demorou muito para que o lado artístico aflorasse. Coordenador da Comunidade Haitiana na cidade organizou com outro imigrante e apoio da prefeitura uma exposição com 65 telas feitas no Haiti. Na sequência vieram outros eventos onde expôs a produção própria.

Em Santa Catarina Elie participa de eventos relacionados aos imigrantes, como o Pedal Humanitário, em 29 de junho, que culminou com uma Feira Multicultural no Parque de Coqueiros. Ali ele montou um varal com as telas e fez algumas vendas. Apesar das dificuldades para manter-se num país diferente, Elie diz que tem sido bem acolhido pelos brasileiros. Conta que tem recebido convites para expor em órgãos públicos e atualmente está com algumas peças num muro de uma escola junto ao Tribunal de Contas do Estado.

Artista Haitiano, Elie Alceo, sobrevive em Floripa com a arte através da venda dos quadros
Artista Haitiano, Elie Alceo, sobrevive em Floripa com a arte através da venda dos quadros (Foto: Diorgenes Pandini)

Depois do terremoto, presença estrangeira estimulou o recomeço das pinturas

A pintura haitiana se tornou conhecida no mundo a partir de 1947, quando o pintor Hector Hyppolite expôs suas obras em Paris, além de levá-la também para museus de diferentes países. Hyppolite é uma espécie de Pelé das telas, uma referência para jovens artistas haitianos. O pai de Elie foi um desses influenciados e acabou por ensinar os filhos.

Continua depois da publicidade

Mas em 2010 o terremoto catastrófico que atingiu o país fez com que as galerias ruíssem. Muitos artistas perderam ateliês. Por outro lado, a presença estrangeira para ajudar a reerguer o Haiti fez com que a arte escondida nos escombros despertasse o interesse de quem viajou para prestar ajuda humanitária. Aos poucos, galerias tradicionais retomam as atividades, como faz o pai de Elie e alguns amigos.

Como são raros os compradores, Elie propôs ao pai, ao irmão e amigos também pintores que podia trazer algumas telas para vender no Brasil. Em dezembro ele deve retornar para ver a família e trazer novas telas, que custam entre R$ 250 e R$ 700.