Seus traços eram vorazes e suas críticas não se limitavam ao papel. Se estivesse vivo, Henrique de Souza Filho, o poeta das charges ácidas, mais conhecido como Henfil, completaria 70 anos hoje. Se o nome ainda não lhe soa familiar, o jornalista, escritor e cartunista foi o responsável pela criação do bordão Diretas Já e contribui com afinco com sua militância contra a ditadura militar brasileira.
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Criador de personagens característicos brasileiros em um momento em que os quadrinhos americanos ainda inspiravam as linhas de muitos ilustradores, Henfil trouxe para instigar suas críticas ao modelo político da época Os Fradinhos, Capitão Zeferino, Graúna, Bode Orelana, Ubaldo e o Urubu, aproveitando-se, claro, do bom humor.
O talento de Henfil é imensurável e tinha uma contribuição genética – era irmão do sociólogo Betinho e do músico Chico Mário. Teve sua história interrompida pelo vírus da aids, contríada em uma transfusão. Ele era hemofílico. Embora tenha partido jovem, influenciou gerações e é referência incontestável quando o assunto é charges e cartuns.
Para homenageá-lo, o Anexo convidou alguns nomes da ilustração da regional para participarem de um desafio: criar um desenho que ilustre a personalidade brasileira. Pedimos a Alexandre Beck, Chicolam, Frank Maia, Marcelo Henrique Oliveira, Sandro Schmidt, Ronaldo Diniz, Humberto Soares e Victor Bello que explorassem seus traços para representar Henfil. A criatividade falou mais alto e o resultado você confere abaixo:
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Alexandre Beck
A história do Henfil tem grande influência em meu trabalho e em minha vida. Sua coragem, sua luta, seus posicionamentos. Como ele sempre enfrentou com humor e inteligência todas as dificuldades tanto em sua vida pessoal quanto em um País vivendo sob o regime da ditadura militar. Henfil espalhou, com seus personagens incríveis, a coragem e a esperança de uma sociedade mais justa. Me identifico com isso, e o Armandinho acaba seguindo passos dados pelo Graúna.
Nascido em Florianópolis e morando atualmente em Santa Maria (RS), Alexandre é graduado em agronomia e comunicação e desde 2000 atua como jornalista-ilustrador e assina os quadrinhos do Armandinho, publicado nos jornais do grupo RBS.

Chicolam
Mesmo não vivenciando os trabalhos do Henfil nos anos 80, seu legado ainda permanece. Eu costumava ir à Gibiteca de São Paulo, cujo nome é Henfil, vi suas exposições no Centro Cultural de São Paulo. Seus trabalhos são uma janela aberta para o cenário político e sociocultural de nosso País. Falar sobre charges sem falar de Henfil é desrespeitar a história dos quadrinhos nacionais.
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José Francisco Peligrino Xavier, ou Chicolam, formou-se como designer gráfico e atua nas áreas de arte e educação desde 2003, como professor no curso de design. Iniciou o Projeto Menino Caranguejo e é o criador do Instituto Caranguejo de Educação Ambiental e cartunista do Anexo.

Frank Maia
Eu tinha 11 anos. Meu padrasto assinava o Pasquim e eu precisava ter assunto para conversar com o intelectual caladão que ele era. Aí eu ficava lendo aquele jornal cheio de charges, tiradas e elegi de cara o favorito. Era o Henfil. O traço rápido e com um risco ele criava o cenário da caatinga. Eu comecei a copiar, claro. E depois reparei a verve, o tipo de humor moleque me fazia gargalhar. Era destemido, cara de pau, cruel e fantástico. Fiquei deslumbrado com a descoberta. Queria ser um Henfil. Assim eu também tinha um papo ótimo para um pirralho da minha idade. Funcionou com o padrasto, pelo menos. Eu também queria ser um Zico. Não deu muito certo nem um nem outro projeto. Henfil me influenciou mais no jeito de ler a notícia e tirar dela o lado absurdo. Isso mais que o traço. No traço, eu tive muitas influências no passar dos anos. Mas na verve, sempre quis ser mais Henfil, mais Jaguar, mais Pasquim. Acho que aquela molecagem tem um tempero ótimo para charges. Admiro, claro, o cerebral Angeli, o filosófico Laerte e o infame Glauco (in memoriam).
Mas sempre achei demais o tipo de humor feito pelos caras do Pasquim. Avacalhado e profundo. Na alma.
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Formado em jornalismo, desde 1995 Frank faz charges para o A Notícia. Seus primeiros traços profissionais começaram ainda no jornal-laboratório da faculdade, adotando um jornalismo desenhado e textos que cabem dentro dos balões.
Humberto Soares
Henfil era um mestre do desenho que marcou minha arte, ele tinha o poder da síntese, isso é surpreendente no desenho: poder dizer tudo que quer dizer com pouquíssimos traços. Os seus quadrinhos, seus cartuns tinham movimento, eram críticos, fortes e atemporais. Ele ficou na história não só pela estética, mas pelo conteúdo, isso me fez crescer profissionalmente, quando percebi que a arte não pode ser uma “maçã oca”, a arte tem que dizer algo mais, ser mais que bela. Ainda hoje Henfil é atual e continua me influenciando com suas ideias inovadoras e suas lutas por um Brasil melhor. Cada vez que vejo e revejo seus trabalhos, suas entrevistas, o seu filme Tanga e suas Cartas da Mãe sempre são inspiradores. Como não ser influenciado com tanta arte de boa qualidade e com teor político? Confesso que tenho muito que crescer para ser um artista politizado. O único personagem meu que faz uma crítica social é o Tatuí (menino de rua).

Marcelo Henrique Oliveira
Ele teve uma importância política, fez despertar uma nova linha por meio do cartum. Henfil foi um dos caras que quebraram a censura, teve uma contribuição maior na campanha das Diretas Já e colaborou muito com a liberdade de imprensa, fazendo crítica por meio da arte. Como ele foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, meu cartum representou essa ligação do símbolo do partido, que ele ajudou a fundar e se estivesse vivo, estaria decepcionado.
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Oliveira iniciou a carreira como arte-finalista e autodidata, se tornou ilustrador do A Notícia há 18 anos.

Ronaldo Diniz
Sempre fui um fã dos quadrinhos. E me inspirei nos trabalhos dos grandes cartunistas. Dentre eles, o Henfil sabia como ninguém fazer sua crítica ácida ao governo com traços leves e soltos. E por esse seu espírito, devemos muito pela luta dele, do seu irmão e de todos outros grandes nomes que lutaram e ainda continuam lutando por um Brasil melhor.
Graduado em artes visuais, Ronaldo Diniz Silva é ilustrador e diretor de criação do estúdio da agência EDM Logos e participou de diversas exposições.
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Sandro Schmidt
Comecei a prestar atenção nos trabalhos do Henfil no fim dos anos 80, quando estava terminando o ensino médio. Toda noite, quando voltava da aula, assistia ao Jornal da Globo, no qual Henfil era o responsável pela charge. Aquele traço rápido, nervoso, quase esquizofrênico, como quem está desenhando com pressa de mandar a mensagem e fugir do DOI CODI, era impressionante. Suas charges me inspiraram muito. Consigo desenhar melhor do que desenho nas tiras, muito melhor, mais detalhadamente. Mas prefiro a porra-louquice henfiliana. Quando me aprofundei no trabalho do Henfil, e posteriormente nos dos seus alunos, Angeli, Laerte e Glauco, descobri que queria ser cartunista. A galinha que desenho nas tiras é uma homenagem à Graúna. Com o Cão e o Tomba, talvez inconscientemente, tenha tentado me aproximar dos Fradinhos. Meu objetivo foi alcançado. Mas nunca deixei de admirar aquele traço rastilho de pólvora do Henrique de Souza Filho.
Sandro faz tiras, charges e cartuns há 26 anos e é criador do Cão Tarado, publicado no Anexo diariamente. Sandro tem um escritório de arquitetura, mas criou o personagem em julho de 1994.

Victor Bello
O Henfil me ensinou que os cartuns devem rir do opressor e não do oprimido, e que o humor deve, de uma forma ou de outra, contestar. Nesse sentido, sua obra foi uma verdadeira arma de guerra contra a ditadura militar
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Os traços de Victor ganharam foça em 2010, quando publicou tiras na internet. No ano seguinte, publicou seu próprio zine impresso, o Feto em Conserva, que está na terceira edição. Autodidata, Victor já participou de revistas como Prego, Goró e A Zica.