A terra firme de um paraíso inacessível é um endereço temporário de três homens. Há mais de um século, equipes da Capitania dos Portos de Santa Catarina se revezam para fazer a manutenção de um farol de peças inglesas inaugurado na Ilha do Arvoredo em 1883.
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A remuneração maior, com as gratificações, e a busca por novas experiências motivam os times ao retiro de 85 dias do resto do mundo. Para ajudar o tempo a passar, eles contam com o computador, as inúmeras tarefas e a vista mais exclusiva e privilegiada do que a do melhor apartamento da Avenida Beira-Mar Norte. O desafio diário de quem opera o farol é lidar de perto com as forças da natureza e com o isolamento.
Quando se sai do Continente e se passa por aquela constância de ondas batendo forte, a vista de uma porção de terra tão rica em verde é, sem dúvida, um alívio. Mas se, no final do século 19, o jornalista Virgílio Várzea já destacava que atracar na Ilha do Arvoredo era “coisa verdadeiramente penosa”, na modernidade do século 21, o desembarque ainda não é fácil. Pela ação do mar, não há praia, apenas um amontoado de rochas circundando a região. Perderam-se as contas de quantos botes infláveis furaram nas pedras. Também não há deque que resista a uma maré mais alta.
O jeito, então, é utilizar um “dispositivo flutuante” – um tipo de balde grande de plástico firme – para transportar os passageiros dos barcos para a margem. Já instalados na Ilha do Arvoredo, os primeiros dias dos marinheiros são os mais difíceis, como conta o marinheiro Dorgival Cordeiro da Costa Filho.
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– É tanto esforço para fazer o trajeto para se chegar no farol, no começo, que parece que o coração está enorme – destaca.
Longe da família
Depois, eles acostumam e aprendem a dividir com os companheiros o alojamento, as obrigações diárias e o peso de estar longe da família.
– A gente vem preparado psicologicamente mas acaba ficando mais estressado, principalmente nos últimos dias – conta o suboficial Carlos Eduardo dos Santos.
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Até a década de 1960, os marinheiros moravam com as esposas e filhos na Ilha, em um total que chegou a sete famílias. Com o aumento da tecnologia, facilitando na operação do farol, a Marinha passou a recrutar menos homens.
O revezamento das equipes e as visitas semanais de marinheiros – trazendo os mantimentos necessários – são estratégias para diminuir os impactos da distância, como explica o chefe do departamento de apoio da Capitania dos Portos, Etevaldo Rodrigues. No entanto, a solidão é insistente.
– Agora, que estou aqui, até liguei para parabenizar minha mulher, pelo dia dela ( 8 de março). A distância e a paisagem fazem a gente refletir, valorizar a família. Muitas vezes, dentro de casa, eu ficava muito calado, ficava em uma Ilha dentro de mim à toa – filosofa Dorgival.
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– Cada dia é um dia a menos, riscado no calendário- conta o marinheiro Jonilson dos Santos.
Nos próximos meses, cada um a seu prazo, eles voltarão a ser parte da multidão, na Ilha de Santa Catarina.
Este assunto é tema de reportagem especial do DC neste domingo
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