Há pouco mais de um mês Joselene de Oliveira perde a noção das horas. As badaladas do sino vizinho eram o despertar diário, às 6h. Mais tarde, todos da casa sabiam que a almoço estaria à mesa logo depois do toque. Às 18h o sol riscava o céu de laranja e o som vindo da igrejinha octogenária ditava o fim de mais um dia. No final de setembro os sinos emudeceram e Joselene agora sente falta da rotina cadenciada. A Igreja Evangélica Salto Weissbach foi notificada pela Fundação do Meio Ambiente (Faema) por violar a Lei do Silêncio. Para evitar multa, calou-se.
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– Toda a vizinhança quer os sinos de volta. Faz parte da comunidade. Eles estavam aqui antes de a gente chegar, então a gente se acostuma. É um som muito bonito – conta Joselene, que mora há 15 anos quase em frente à igreja com jeito de interior.
O silêncio é temporário, garante o pastor responsável pela igreja, Alexander Busch. A opção em interromper o badalar três vezes aos dia foi para evitar multa. Busch explica que o aparelho que faz os sinos tocarem automaticamente é antigo e não aceita reprogramação. Pela legislação, os sinos poderiam tocar apenas a partir das 7h. Uma empresa será contratada para instalar um novo equipamento para reagendar o horário dos badalos e fazer o isolamento acústico para reduzir os decibéis emitidos pelos sinos. Hoje chegam a 57, mas a lei prevê no máximo 50 nas áreas residenciais.
– Nossa postura é de reconciliar. A comunidade precisa compreender que é preciso manter a tradição, mas também temos de nos adequar às mudanças que o crescimento da cidade impõe – explica o pastor Busch.
Indicar a hora é só uma das funções do badalar. O pastor lembra que o som dos sinos deve levar à reflexão e remeter à fé. Além disso, é um meio de comunicação. Eles avisam quando algum membro da comunidade morre, alertam para o início e o fim dos cultos. No Ano-Novo, sinalizam o início do novo ciclo.
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Durante 15 anos Werner Mette foi responsável junto com um vizinho por agitar os dois sinos da igreja. O compromisso era diário e inadiável, caso contrário, ouviam reclamação. Há 20 anos um dispositivo eletrônico é que faz os sinos dobrarem.
– A comunidade chegou a pedir que fizéssemos abaixo-assinado, mas vamos corrigir o que é preciso para que os sinos possam tocar dentro da lei – argumenta Mette, que hoje é vice-presidente da associação que representa a comunidade evangélica luterana local.
O motivo da reclamação que gerou a denúncia é o badalar das 6h, explica Luciano Oscar Martins. Morador de um prédio vizinho, ele explica que pediu à Faema que fizesse a medição do nível de ruído dentro do seu quarto, que indicou o som acima do permitido pela lei e por isso a igreja foi notificada.
Martins argumenta que não é contra o som ou mesmo a tradição. Quer apenas que a legislação seja respeitada. Com o indicativo de que os horários e nível de ruídos serão adequados, ele não pretende entrar na Justiça.
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– Não pedi para que os sinos parassem, só para respeitar a lei. Cada cidadão tem seus direitos. Não há necessidade dessa polêmica toda – pede Martins.
Faema fiscaliza a partir de denúncias
O presidente da Faema, Jean Carlos Naumann, explica que as ações relacionadas à fiscalização da Lei do Silêncio, de 2007, ocorrem quando há alguma denúncia. Foi o que aconteceu no caso da igreja do Salto Weissbach. A lei impões regras especificamente a locais que funcionaram com alvará.
As igrejas têm prerrogativas, mas ainda assim precisam seguir regras, como horário e o nível de decibéis permitido para o zoneamento da região. Se é flagrada alguma irregularidade, o local é notificado. Se não corrigir o problema, poderá ser multado num valor que vai de R$ 150 a R$ 60 mil.
– Não costumamos ter esse tipo de reclamação contra igrejas. Mas é um direito do cidadão e a Faema tem de tomar as medidas cabíveis quando recebe a denúncia – explica Naumann.
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