A analista comercial Joice Reinert, 34 anos, tomou um susto ao abrir um e-mail enviado pela imobiliária. Veio do correio eletrônico a notícia de que o aluguel do apartamento onde ela morava com o marido e o filho de um ano e meio ficaria mais caro. E não era pouca coisa. Pelo imóvel de 64 metros quadrados com dois quartos no bairro Salto do Norte, em Blumenau, a família desembolsou R$ 732 no aluguel de outubro, pago em novembro. Essa conta subiu para R$ 921 depois do reajuste. O acréscimo de cerca de R$ 190 foi bem superior ao que eles estavam acostumados. 

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– Quando veio o boleto, tive um choque – lembra. 

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O destino acabou preservando o bolso da família. Joice e o marido já tinham encaminhado a compra de um terreno para construir a casa própria. Como estavam de saída do apartamento onde viviam há quase quatro anos, o aumento acabou não pesando no orçamento. Hoje eles moram temporariamente na casa da sogra dela, enquanto juntam dinheiro para começar a obra do futuro lar. Mas nem todo mundo tem opção.

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Nos últimos meses inquilinos têm sido surpreendidos com boletos mais salgados. Os aumentos são um reflexo da oscilação do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), indicador mais utilizado para atualizar os valores de locação de imóveis. Em novembro, a popular “inflação do aluguel” avançou 3,28% sobre outubro, com alta de 24,5% em 12 meses. É justamente essa variação acumulada no período de um ano que é considerada no reajuste dos contratos. 

A escalada do IGP-M é desproporcional ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial da inflação do Brasil, que acumula variação de 4,31% nos últimos 12 meses, e também do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), principal referência para ajustes de salários de trabalhadores de vários setores. Esse descompasso diminui o poder real de compra de quem tem boletos de aluguel para pagar todo mês.

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Coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), responsável pelo cálculo do IGP-M, André Braz, diz que esse distanciamento se deve principalmente ao câmbio. A maior parte do indicador (veja na tabela como é feito o cálculo) é composta por commoditties ligadas ao setor industrial, como minério de ferro, cobre e alumínio, e também do agronegócio, a exemplo de milho, soja e trigo. Com a desvalorização cambial, esses produtos, cotados em dólar, aumentaram muito de preço, pressionando o IGP-M para cima.

A polêmica que existe nessa história é justamente a utilização de um índice aparentemente tão distante do setor imobiliário para aplicar reajustes nos contratos. Braz diz que nunca partiu da FGV a sugestão de que o IGP-M fosse o indexador do setor.

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– Não seria justo praticar um reajuste por um indicador que não está perfeitamente associado ao mercado imobiliário. Tem que ser um índice que reflita o momento da construção, do mercado imobiliário, para orientar as correções – avalia Braz. 

Esse indicador, no entanto, ainda não existe e a discussão está longe de terminar, acrescenta Braz. Por outro lado, ele revela que a FGV já pensa na elaboração de índices específicos para o mercado imobiliário. Até lá, enquanto vigorar o IGP-M, vale a orientação padrão de especialistas em finanças pessoais: pechinchar no aluguel sempre que for possível.

Como o IGP-M é calculado?

É formado a partir da junção (média ponderada) de outros três indicadores, cada um com um peso diferente (em parênteses) na composição do IGP-M: 

1) Índice de Preços ao Produtor Amplo (60%): monitora a variação de preços de bens agropecuários e industriais percebidos pelos produtores. 

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2) Índice de Preços ao Consumidor (30%%): acompanha o comportamento de preços que impactam diretamente o consumidor final, como o varejo e serviços destinados ao consumo das famílias. 

3) Índice Nacional de Custo da Construção (10%): leva em conta a variação de preços de materiais de construção e o custo de mão de obra especializada. 

Fonte: Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE)

Momento é de negociação, dizem especialistas

Em um primeiro momento, a pandemia provocou um esvaziamento geral de alguns tipos de imóveis. Com aulas suspensas, o setor perdeu muitos inquilinos estudantes. Salas comerciais mais corporativas, normalmente usadas por escritórios e outros prestadores de serviços, foram desocupadas com a implantação do home office. Muitas dessas empresas talvez nem voltem depois que a vacina for uma realidade.

– Como a pandemia não dava sinais de quando ia acabar, muitos preferiram não renovar (os contratos) e acabaram desocupando, principalmente as lojas corporativas – diz Sérgio Luiz dos Santos, presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação, Administração de Imóveis e dos Condomínios Residenciais e Comerciais de Santa Catarina (Secovi-SC).

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Agora, com o índice utilizado no reajuste dos contratos de locação nas alturas, a palavra de ordem é negociação. Em um momento ainda de recuperação da economia, o repasse do IGP-M cheio é considerado “proibitivo” no mercado. Por isso, imobiliárias não se limitam a encontrar clientes para proprietários de imóveis: têm atuado também como consultorias, buscando um meio termo que satisfaça locatário e locador. 

– A gente acaba ajudando as partes a entender qual é a melhor solução – conta Stephanie Fernanda Pereira, gerente de locação de uma imobiliária em Blumenau.

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IGP-M é superior também ao INPC, principal referência para ajustes de salários de trabalhadores de vários setores (Foto: Patrick Rodrigues)

Nestas situações, as empresas do ramo têm alertado os donos de imóveis de que pode ser difícil repor a locação em caso de perda do inquilino atual. Sempre há exceções, mas a grande maioria dos proprietários entende o momento e está disposta a ser mais flexível e a repassar somente uma parte do IGP-M, segundo Santos e Stephanie.

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Alguns, inclusive, se anteciparam ao cliente nas negociações, num gesto de boa vontade – e, claro, para manter a renda, afinal arcar com os custos de um imóvel vazio é um mau negócio.

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Na outra ponta, a negociação costuma ser mais tranquila para os inquilinos com bom histórico de pagador e que demonstram intenção de permanecer por mais tempo no imóvel. Por outro lado, os que já pagam um valor abaixo do mercado, negociaram preços outras vezes e levam muitas multas em condomínios, por exemplo, têm menos chances de conseguir um bom desconto.

Dicas na hora de alugar

> Tenha paciência. A pressa é inimiga para quem busca a melhor oferta. 

> Além de portais específicos de imóveis, fique atento também a anúncios feitos em redes sociais. 

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> Analise os valores de aluguéis na região. Saiba a média de preços e perceba quais são os mais caros. 

> Confira o aluguel em relação ao preço do imóvel. Até 0,5% do valor de mercado é considerado adequado. Se o imóvel vale R$ 300 mil, o ideal é pagar até R$ 1,5 mil de aluguel. 

> Se gostou de alguma opção, entre em contato com o dono do imóvel ou a imobiliária para conversar. Muitas vezes os proprietários acabam fechando negócio por um valor menor do que o anunciado. 

> Ofereça menos do que é o ideal para você, não revele de primeira o quanto gostaria de pagar. 

> É possível propor parcerias para baixar o custo do aluguel, como alguma reforma ou pintura. 

> Teste o chuveiro, pias, descarga e toda a parte elétrica e hidráulica. 

> Vale perguntar ao síndico ou ao porteiro como é a vizinhança e a segurança.