Os versos infantis conhecidos que entoa “foi o meu amor que me disse assim, que a flor do campo é o alecrim” saem no ritmo certo e com algumas palavras trocadas quase que em uma releitura própria. Seguem e se misturam com outras letras, canções e histórias gravadas em uma memória que tem espaço para detalhes e informações de muito tempo de vida. Aniversários de pessoas próximas estão na ponta da língua, assim como nomes e lugares. Uma dessas datas ela sabe que chegou: o próprio festejo de nascimento.
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Na terça-feira, Maria Antônia Pedroza dos Santos completou 101 anos de idade. A “Tonha”, como é chamada por todos, recebeu presentes e visitas, ganhou festa com bolo de milho, salgadinhos e o forró que gosta ficou tocando. A mais idosa moradora do Asilo Dom Bosco, em Itajaí, bateu palmas e sorriu ao assoprar as velas que marcam a entrada no segundo século de vida.
Alguns detalhes da história da anciã são desconhecidos. Natural do Rio Grande do Sul, ela não teve filhos ou irmãos de sangue, mas virou mãe de criação de muitas pessoas que cuidou ao longo da vida. Netas de coração e pessoas mais próximas dela, as irmãs Cláudia e Sandra sabem que ela era filha de um empregado do avô delas, que morreu e deixou a menina para ser criada pelos patrões. Boa com as crianças, ela acabou passando a vida inteira na família e em outras residências como uma espécie de babá. Não cuidava da casa ou fazia comida, mas dava colo e balançava as crianças chorosas como ninguém.
– A Tonha foi cuidando de todos os filhos da família e de outras residências por perto. Ela chama a minha vó de “mana”, cuidou da minha mãe e de mim. Mas ele sempre foi muito rebelde, quando queriam que ela fizesse algo que ela não gostava, ela pegava as coisas dela e ia embora, mas depois voltava – lembra Sandra Franz.
Desde 1996, Tonha é cuidada pela equipe do asilo. Ela veio para Itajaí depois que uma das netas postiças se mudou para Santa Catarina e gostou do lar de idosos logo de cara, quando fez amizades com funcionários e outros moradores. Lá ela teve as relações afetivas que talvez deixou passar durante a juventude e, no asilo, casou duas vezes e namorou um terceiro morador. Todos já faleceram e nos últimos anos Tonha se fechou, passou a gostar mais de ficar no quarto e valorizar apenas as visitas da família.
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Lúcida, com um metro e meio de altura, pesando 32 quilos, a pequena senhora já não enxerga muito bem e tem dificuldades em ouvir. Fala muito e demonstra carinho, pede beijos e abraços e gosta de ter sua independência na medida do possível. Rebelde desde sempre, faz questão de se vestir e tomar banho sozinha, reclamando se alguém tenta fazer ela vestir alguma roupa que não gosta e trata de arrancar fora. Tem na textura dos tecidos uma de suas manias, assim como a de comer somente bolos amarelos, independentemente do sabor, de preferência molhados no café ou no chá, sempre fortes como as pernas miúdas que a levam em passos ritmados entre os cômodos do asilo.
– Ela tem uma personalidade muito forte e ensina isso para nós todos os dias – contam as funcionárias do espaço, que têm um carinho especial pela moradora de tantos anos e a primeira a passar dos 100 anos na instituição.
Mudanças depois de um século
Até três anos atrás ela era mais ativa, mas chegando ao centenário começou a perder a força. Precisou, aprender a aceitar ajuda e se entender depois de uma vida inteira.
– Ela aprendeu a lidar com isso, a aceitar ajuda, a perdoar se fazem algo que não gosta. Aos 100 anos ela ainda está aprendendo – disse a neta Sandra.
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