Quando os funcionários da produção da Altenburg, de Blumenau, retornarem ao trabalho na segunda-feira, ainda devem se deparar com o estoque quase lotado de produtos de cama e banho. Nas últimas duas semanas, a empresa conseguiu utilizar a reserva de matéria-prima para continuar o trabalho normalmente, mas a paralisação dos caminhoneiros impediu a saída dos produtos prontos. O resultado foi uma área de expedição sem espaço para mais nada.
Continua depois da publicidade
Com os insumos para produzir perto do fim e funcionários com dificuldade de ir ao trabalho, a empresa mudou os planos e decidiu dar folga às equipes na quinta, feriado e na sexta-feira. A segunda-feira é que deve marcar a retomada na Altenburg, e também em outras empresas do Vale do Itajaí. Ainda assim, na fabricação de alguns itens mais volumosos da têxtil blumenauense, como travesseiros, ainda pode ser preciso puxar o freio de mão até que os caminhões de carga partam para liberar espaço no estoque.
O exemplo da Altenburg é apenas um dos milhares de casos de empresas prejudicadas pela paralisação dos caminhoneiros das últimas duas semanas. Um levantamento da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) com 905 empresas do Estado aponta que 70% delas foram intensamente afetadas pela manifestação. O prejuízo financeiro total é calculado pela entidade em R$ 1,6 bilhão e a maioria das indústrias ouvidas pela Fiesc estimou o revés em 20% do faturamento de todo o mês de maio.
Embora os reflexos na economia do Vale do Itajaí sejam generalizados, o setor têxtil, um dos principais carros-chefe da indústria local, foi um dos mais atingidos pela greve. A Círculo, de Gaspar, ficou sem receber cargas de algodão, cavaco, produto químico e até caixa de papelão. A escassez exigiu que a empresa desse licença remunerada aos funcionários que devem retornar no domingo à noite ao trabalho.
Na Cativa, de Pomerode, ao menos três caminhões ficaram retidos em barreiras. Desde terça-feira todas as seis unidades da empresa e confecções parceiras precisaram paralisar a produção. A retomada também está prevista para o fim de semana. Na Kyly, também de Pomerode, funcionários chegaram a ganhar férias coletivas até o dia 11 de junho, até que a empresa consiga normalizar as condições de produção após os impactos provocados pela greve. Os reflexos dos protestos para o segmento têxtil devem ir além das pausas na produção, porque nesse período os representantes comerciais também não foram ao mercado e empresas não compraram mercadorias essenciais.
Continua depois da publicidade
Perda estimada em torno de R$30 milhões entre as têxteis
O presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau e Região (Sintex), que representa 5 mil empresas em 18 municípios, José Altino Comper, explica que, nacionalmente, a Associação Brasileira das Indústrias Têxteis (Abit) calcula um prejuízo de R$ 90 milhões por dia parado. Como o Vale do Itajaí responde por 20% a 30% da produção nacional, ele estima entre R$ 25 milhões e R$ 30 milhões as perdas por dia parado.
– O crescimento que esperávamos para o país, perto de 2%, já está comprometido por esses dias com a produção prejudicada. Acreditamos que vai afetar até os planos de investimentos de muitas empresas, que podem tentar recolher projetos de expansão nesse primeiro momento, até pela indefinição política – afirma Comper.
O dirigente acredita até mesmo em uma mudança de cultura empresarial nas indústrias que sofreram com a falta de produtos durante a greve, ao menos até o fim deste ano. O conceito moderno, de produzir perto dos fornecedores e clientes e manter baixos estoques, pode dar lugar a um hábito de armazenar matéria-prima para continuar produzindo pelo menos por duas semanas, por precaução.
Entre os empresários, há um clima de concordância com a necessidade de algumas mudanças no país, mas também a convicção de que o movimento trouxe prejuízos que devem onerar a todos.
Continua depois da publicidade
– Independente de empresário, trabalhador, caminhoneiro, do papel você ocupa na sociedade, você é um cidadão e faz parte desse todo. E a sociedade como um todo vai pagar os reflexos dessa paralisação. Não que a gente não seja contra a alta carga tributária, o governo inchado e ineficiente, mas esse tipo de protesto na verdade tem que ser feito na urna, em outubro – cobra o diretor de Marketing da Altenburg, Tiago Altenburg.
Impactos também em outros setores industriais
O setor industrial como um todo contabiliza perdas com os dias sem receber mercadorias e sem escoar produção. Na Imperial Luminárias, a produção parou na segunda-feira e os 20 funcionários ganharam três dias de folga justamente porque a empresa identificou que não conseguiria manter a produtividade.
– Estávamos com dificuldade de receber insumos e, como tínhamos alguns dias de férias em haver, optou-se por encerrar a produção – conta o diretor Hans Bethe.
Para ele, a paralisação brecou o ritmo de crescimento e, até que o mercado volte a ficar confiante para comprar no ritmo de antes, ainda vai levar um tempo.
Continua depois da publicidade
– É como se estivéssemos com o chuveiro quente e agora passássemos para o chuveiro frio – compara.
O diretor-executivo do Sindicato Patronal das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e do Material Elétrico de Blumenau (Simmmeb), Maurício Rossa, afirma que muitas empresas do setor em Blumenau, Pomerode e Gaspar repetiram o exemplo de Bethe e precisaram parar a produção. Ele afirma que o prejuízo financeiro ainda não foi estimado, mas que a perda foi “milionária, com 15 dias de faturamento zero”.
O prejuízo da falta de movimento nas ruas impactou comércio e restaurantes
Com linhas de ônibus escassas, carros só com a gasolina que sobrou no tanque, falta de produtos em supermercados e manifestações nas ruas, muita gente decidiu se recolher em casa. O pouco movimento de pessoas nas ruas trouxe impacto também ao comércio e ao setor de serviços, que de quebra também era afetado com os caminhões de mercadorias que não chegavam.
O restaurante Gutes Essen, administrado por Volnei Schmidt no bairro da Velha, não chegou a ficar sem abastecimento de alimentos. No entanto, com a dificuldade de funcionários para chegar no local de trabalho e o baixo número de clientes, ele baixou as portas na terça-feira, auge da crise dos caminhoneiros, antecipando um feriado que na verdade só viria na quinta. Na quarta-feira, dia em que os postos voltaram a receber gasolina em Blumenau, os pontos de bloqueio foram desarticulados e a população voltou a andar nas ruas sem tanta desconfiança, ele reabriu o estabelecimento para refeições ao meio-dia e à noite.
– Se a greve não tivesse terminado, eu não teria nem aberto nesses últimos dias (quinta e sexta-feira). O que eu tinha disponível seria suficiente para mais dois ou três dias de trabalho no máximo, mas não até domingo. Os restaurantes em geral sentiram muito, não só a questão das entregas, mas a falta de público. Acredito que na maioria o público deve ter caído na base de 50% – projeta.
Continua depois da publicidade
Para não ser atingido tão fortemente por essa queda, teve quem buscou saídas para manter as vendas por entregas. A Nana Hamburgueria precisou cancelar um evento que faria na segunda-feira. O atendimento na loja também caiu. Em compensação, a empresa fez algumas entregas de bicicleta na região mais perto para economizar combustível. O resultado foi um público maior que o comum no serviço delivery, o que compensou a queda no estabelecimento.
Em um grupo de Whatsapp de donos de restaurante, uma iniciativa coletiva também ajudou a superar as dificuldades. Estabelecimentos que tinham algum ingrediente de sobra emprestavam para outros que estavam sem algum item. No caso da Nana, por exemplo, o restaurante cedeu cebola, que conseguiu comprar em um atacadista, e conseguiu batata-doce de um restaurante que tinha sobrando.
– Foi uma experiência interessante porque um acabou ajudando o outro – conta o gerente da hamburgueria, Bruno Henrique.
Setor lojista estima prejuízo de R$ 350 milhões em SC
O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Blumenau (CDL), Helio Roncaglio, confirma que o menor fluxo de pessoas na rua fez despencar as vendas do comércio durante os dias de greve. Em todo o país, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) estima em R$ 3,1 bilhões o prejuízo ao setor pelas paralisações. Em Santa Catarina, um levantamento da Fecomércio-SC calculou em R$ 350 milhões o revés com os dias de paralisação.
Continua depois da publicidade
Em Blumenau, Roncaglio afirma que a estimativa de perda deve ser calculada somente na segunda-feira. No entanto, explica que estabelecimentos como padarias, farmácias, lojas de roupas e principalmente de eletrodomésticos foram os mais impactados. Neste último, a redução foi de cerca de 60% das vendas. Um dos agravantes é o prazo de entrega dos bens duráveis, como geladeira e fogão, que dependem de fretes partindo dos centros de distribuição, algo que estava impedido de ser feito durante a greve. Esse mesmo motivo atrapalhou também o desempenho das vendas pela internet.
– O que se deixou de vender dificilmente se recupera. A retomada leva cerca de 90 dias até voltar ao status e ao ritmo de antes – comenta Roncaglio.
Para o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Blumenau (Sindilojas), Emílio Schramm, a recuperação agora passa por aproveitar bem datas como o Dia dos Namorados e a Copa do Mundo – que inclusive foram unidas na campanha para os lojistas. A expectativa do comércio para o período deve ser divulgada nos próximos dias, mas o tom já é de um otimismo, até mesmo por necessidade.
– Se iríamos vender 10 no Dia dos Namorados, vamos tentar vender 11. O que vier de promoção teremos de fazer – avalia Schramm.
Continua depois da publicidade
Reflexos fortes nos supermercados e nos hotéis
Tão difícil quanto contabilizar os pontos de bloqueio nas rodovias durante a paralisação é enumerar os setores da economia prejudicados ao longo desses dias. Nos supermercados, a expectativa é de que ainda leve mais uma semana até que os estabelecimentos tenham os estoques normalizados, segundo o presidente da Associação Catarinense de Supermercados (Acats), Paulo Lopes. A maior dificuldade está em laticínios, que tiveram produções paralisadas.
– De forma geral houve uma impressão de ter vendido acima do normal. Alguns relataram ter vendido até mais do que na véspera do Natal, mas depois disso houve uma queda muito grande – explica o empresário.
Entre os hotéis, a rede de Blumenau tinha 90% de ocupação em razão de eventos grandes na cidade neste fim de semana, mas acabou caindo para uma média de 10% de leitos reservados, diz o vice-presidente do sindicato do setor, Emil Chartouni Neto.
O economista e professor da Furb Nazareno Schmoeller afirma que a recuperação econômica pode demorar meses.
Continua depois da publicidade
– Tudo vai depender do nível de consumo que vamos ter depois da recuperação.