Jogo 1 a 0 para o adversário e aos 30 minutos do segundo tempo uma das traves do gramado cai e precisa ser trocada. A nova trave tem quatro centímetros a menos de altura e cinco a menos de largura. Os árbitros não fazem as medições e tudo se encaminha para o reinício da partida. Imagine aquela bola que bate na trave e entra no gol, com a nova baliza ela não entraria, para alívio do goleiro. Mas alguém resolveu avisar ao juiz do problema.

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– Essa trave está com as medidas erradas.

Logo ele, que poderia ser o maior beneficiado por uma trave menor, avisou a arbitragem do problema. Por que o goleiro Bruno, do Criciúma chamou o juiz e avisou do problema?

– A situação já era desastrosa com a queda da trave. Já que era para arrumarmos, que fizéssemos coisa certa.

“A coisa certa.”

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A Europol (organização de polícia europeia) revelou, na última semana, que cerca de 380 jogos na Europa e outros 300 pelo mundo teriam sido manipulados por um grande esquema de corrupção que envolve árbitros, jogadores, dirigentes e, claro, apostadores. Não precisamos ir muito longe na nossa memória para lembrarmos de 2005 e da máfia do apito, que refletiu na anulação de 11 jogos do Brasileirão, arbitrados por Edilson Pereira de Carvalho.

O gesto do goleiro Bruno pela quarta rodada do Catarinense, no estádio Josué Annoni, em Xanxerê, pode não ter recebido os maiores holofotes. Mas diante de casos de corrupção, fraudes e resultados montados no futebol, o ato honesto ganha evidência. Ocorre, na verdade uma inversão de valores, onde o assunto honestidade soa como um alento para os apaixonados pelo futebol que acreditam que seu time perdeu o campeonato porque o rival foi melhor em campo, e não nas casas de apostas.

É também compreensível que no anseio para ajudar seu time, o jogador, quase que instintivamente, feche os olhos para alguma situação. Insista em dizer que não cometeu aquele pênalti claríssimo, que a bola bateu em sua cabeça e não em sua mão. Porém, Bruno não viu vantagem em jogar com a goleira menor. Ele pensou apenas na “coisa certa”.

Acima dos interesses de vitória sobre qualquer custo, há alguns fatos emblemáticos em que a honestidade ou o fair play prevaleceram. Em 2000, o jogador italiano Paolo Di Canio, quando jogava pelo West Ham – ING recebeu um cruzamento dentro da área, e ao invés de cabecear, segurou a bola com mão e parou o jogo. O goleiro adversário estava fora do gol, deitado no gramado após ter machucado o joelho. Di Canio, havia feito a “coisa certa”, honesto.

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Cinco anos mais tarde, o alemão Miroslav Klose, quando ainda vestia a camisa do Werder Bremen -ALE, foi derrubado na área pelo goleiro. O árbitro não titubeou, marcou pênalti e deu cartão amarelo ao defensor. Klose, no entanto, chamou o árbitro e disse que não havia sido falta, que o goleiro chegou antes na bola. Ação desfeita e aplausos do estádio para o atacante alemão.

Em 2012, pela Lazio-ITA, seu atual clube, Klose protagonizou outro lance do gênero. No jogo contra o Napoli -ITA, Klose marcou um gol com mão. Os seu colegas já comemoravam efusivos o 1 a 0, quando o atacante confessou ao árbitro que a bola bateu em sua mão. Nas duas oportunidades, 2005 e ano passado, Klose não aceitou o prêmio de fair-play da Federação Alemã de Futebol.

– Fiz isso por mim e pelo exemplo aos jovens _ declarou após a derrota para Napoli por 3 a 0.

“Cada um tem sua dose de responsabilidade”

Bruno de Oliveira, goleiro do Criciúma

Diário Catarinense _ Como você constatou que a trave era menor?

Bruno – Só no olhar eu vi que a trave era menor. Ao levantar os braços, percebi que era menor mesmo. As mãos passavam sobre o travessão.

DC – Porque você avisou a arbitragem, se uma trave menor poderia ter sido uma vantagem para você?

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Bruno – Aa situação já era desastrosa com a queda da trave. Mas já quer era para arrumarmos, que fizéssemos a coisa certa.

DC _ Em algum momento você pensou em não avisar?

Bruno – Não. Sou um jogador profissional, treino sempre com uma goleira certa. Não faria diferença para mim se ela fosse um pouco menor. A trave tinha medidas erradas e o correto tem que ser respeitado”

DC – Em outra situação, se você percebesse que a bola entrou no gol e voltou para fora. Você avisaria o árbitro que foi gol?

Bruno _ Não sei. Às vezes, até mesmo quando o lance é ao nosso favor não temos absoluta certeza. É difícil dizer, tudo muito rápido.

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DC _ Mas se te perguntassem, o que você diria?

Bruno – Diria o que eu vi, mas sem ter absoluta certeza, seja contra ou a favor. A verdade é que o juiz nunca pergunta isso, e eu não pararia o lance.

DC – O que você pensaria em hora dessas?

Bruno – Só no momento para saber. Nunca vi uma goleira cair e não sei com certeza como agiria em um lance assim. Tem que considerar que minha parte é defender o meu clube, mas cada um te sua dose de responsabilidade.

DC _ Você acredita que pesa na consciência não falar a verdade em um lance?

Bruno – Não sei. Não acredito que seja um ato de maldade. É vontade de ajudar a equipe também. Os jogadores sempre fazem isso, quase virou hábito tentar ludibriar a arbitragem.