Dois trabalhadores rurais foram resgatados em situação análoga à escravidão em uma plantação de cebola em Bom Retiro, na Serra de Santa Catarina, no começo do mês. O prazo para o empregador efetivar o pagamento das verbas indenizatórias aos homens venceu nesta terça-feira (24). A operação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, aconteceu no dia 9 de janeiro e é o primeiro caso de trabalho análogo à escravidão confirmado em 2023 no Estado.

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Outras sete possíveis vítimas também participavam da colheita da hortaliça na mesma propriedade, mas teriam sido retiradas do alojamento às pressas antes da chegada da equipe da Auditoria Fiscal do Trabalho (AFT). Dois deles saíram do local e buscaram as autoridades depois da operação. Segundo o coordenador da fiscalização, Joel Darcie, os dois trabalhadores encontrados no dia da ação estavam dormindo dentro de um ônibus na frente da casa do empregador quando as autoridades fiscalizaram o local.

O relatório da operação aponta que os trabalhadores estavam contratados de maneira informal e estavam em condições degradantes, o que fere a dignidade de uma pessoa e qualifica a situação como análoga à escravidão de acordo com o Código Penal Brasileiro. A situação desrespeitava também as normas de segurança e saúde do trabalhador.

Os trabalhadores eram alojados em uma casa de madeira com frestas, próximo à lavoura de cebola. O local não tinha banheiro ou água corrente, e obrigava que as vítimas fossem até uma área de mato para as necessidades fisiológicas. Um açude de uma propriedade vizinha era utilizado para o banho, e toda a água consumida pelos trabalhadores vinha de um poço a céu aberto no meio da vegetação. Para fazer higiene pessoal e cozinhar, os homens usavam vasilhas de produtos tóxicos para buscar a água no poço.

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— Os trabalhadores dormiam em triliches, sendo que os recipientes de agrotóxicos cheios ocupavam camas nesses mesmos triliches. Não receberam roupa de cama apesar do local fazer bastante frio, principalmente no período noturno — relatou Joel.

Nenhum equipamento de proteção individual foi fornecido aos trabalhadores, e muitos trabalhavam de chinelo de dedo. De acordo com a AFT, nestes casos de atividade que exige grande esforço físico, o empregador tem a obrigação de fornecer itens de proteção, água potável para consumo e alojamentos adequados e gratuitos.

Veja fotos do local do resgate:

Fiscalização em plantação de cebola encontrou trabalhadores em condição degradante (Foto: Divulgação/AFT)
Alojamento dos trabalhadores próximo ao cultivo de cebola (Foto: Divulgação/AFT)
Local onde fica o poço usado como abastecimento de água dos trabalhadores (Foto: Divulgação/AFT)
Triliches onde os trabalhadores dormiam (Foto: Divulgação/AFT)
Local onde os trabalhadores preparavam refeições (Foto: Divulgação/AFT)
Alojamento dos trabalhadores em Bom Retiro (Foto: Divulgação/AFT)
Local de preparo de alimentos no alojamento dos trabalhadores (Foto: Divulgação/AFT)
Poço era única fonte de água dos trabalhadores (Foto: Divulgação/AFT)
Trabalhadores usavam recipientes de materiais tóxicos para transportar água do poço (Foto: Divulgação/AFT)
Alojamento dos trabalhadores em plantação de cebola de Bom Retiro (Foto: Divulgação/AFT)

Os dois resgatados eram naturais de uma cidade localizada a cerca de 200 quilômetros de Bom Retiro. No entanto, entre os outros trabalhadores estavam homens naturais de estados nordestinos, ainda de acordo com o relatório da AFT.

Os trabalhadores iniciaram as atividades no cultivo de cebola em novembro e recebiam por produção. A cada 30 quilos de cebola colhida, o valor recebido era R$ 2. Já no saco de 40 quilos, eles ganhavam R$ 3, e no de 50 quilos, R$ 4.

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Tradicionalmente, o cultivo de cebola é melhor remunerado do que outras culturas em Santa Catarina. O extensionista rural Daniel Schimidt, da Epagri, afirma que os trabalhadores que realizam a colheita, corte de talos e classificação das hortaliças recebem, em média, R$ 200 por dia. Para chegar a esse valor, os homens resgatados em Bom Retiro precisariam colher e ensacar 50 sacos de 50 quilos.

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O empregador é conhecido na região por contratar trabalhadores com falsas promessas e depois deixá-los sem pagamentos, inclusive sem fornecer o retorno aos locais de origem, segundo o Grupo Móvel. Em muitos casos, as vítimas procuraram o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do município e pedindo ajuda com cesta básica para alimentação ou auxílio para retornar às cidades de origem.

Reparação às vítimas

Ainda segundo a AFT, o empregador não demonstrou interesse em resolver a situação e foi conduzido à Polícia Federal em Florianópolis. Durante o depoimento ao delegado, ele não informou para onde os demais trabalhadores haviam sido levados.

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— Na prática, é só mais uma infração. Causou embaraço à fiscalização, não permitindo que os fiscais pudessem conversar e garantir os direitos dos trabalhadores. Ele vai responder pelo artigo 149 só em relação aos dois resgatados — explicou Joel.

Após a notificação formal da inspeção do trabalho, o empregador assinou o termo de ajustamento de conduta (TAC) e de compromisso de pagamento de cerca de R$ 10 mil para os trabalhadores.

No dia 10 de janeiro, foram entregues as guias de Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado emitidas pela Inspeção do Trabalho. Cada trabalhador terá direito a três parcelas do seguro-desemprego especial, no valor de um salário-mínimo cada.

O CRAS de Bom Retiro garantiu o retorno dos resgatados aos seus locais de origem.

Denúncias de trabalho escravo

Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas, de forma remota e sigilosa, no Sistema Ipê, único sistema exclusivo para denúncia de escravidão contemporânea no Brasil.

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O Sistema Ipê é o sistema oficial do Fluxo Nacional de Atendimento das Vítimas de Trabalho Escravo. Ele foi lançado em 2020 pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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