O desafio está posto: nadar 1,9km, pedalar 90km e ainda correr uma meia maratona de 21km. Se possível, em menos de cinco horas. É mole? Não é à toa que essa competição se chama Ironman (homem de ferro, em tradução livre). Agora imagina se preparar para esta prova tendo que conciliar os treinos com o estudo e o trabalho. Este é o tamanho do desafio que mais de mil atletas amadores irão enfrentar domingo na Capital.
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Dos 1,2 mil competidores do Ironman 70.3 Florianópolis em 2018 (1.009 homens e 191 mulheres), a grande maioria não é profissional, inclusive o medalhista olímpico Thiago Pereira, que irá estrear no triatlo nesta prova.
Assim, precisam estudar e/ou trabalhar para pagar as contas e bancar os treinamentos e materiais esportivos, como é o caso do manezinho Carlos Augusto Fernandes, o Guto, 25 anos, que mora no bairro Córrego Grande. Pela manhã, Guto estuda Educação Física em Palhoça. À tarde e à noite, trabalha como estagiário na Escola de Triatlo de São José e em uma assessoria de treinos de corrida. Em meio a tudo isso encontra tempo para nadar, pedalar e correr.
– Em certos momentos do ano, quando o bicho pega, dá vontade de passar batido pelo treino de natação, vontade de largar tudo. Mas passa rápido – brinca.
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É da Escola de Triatlo de São José onde hoje Guto dá aula que vem uma das candidatas ao pódio na categoria feminino de 18 a 24 anos. Taynara Bonetti, 20 anos, não chegou a conviver com Guto. Sua passagem por lá começou muito antes, quando tinha apenas nove anos. Uma década depois, Taynara faz parte do chamado grupo “amadores de elite”, mas ainda precisa conciliar os estudos com os treinamentos.
– Ali na escola eu me descobri e não parei mais. Sempre soube que isso estava dentro de mim. Atualmente, acordo 4h40min e treino das 5h30min às 14h. À noite vou para a faculdade (Fisioterapia). No começo fiquei em dúvida, achei que ia ter mais dificuldades para conciliar as coisas, mas estou conseguindo levar.
A diferença entre profissionais e amadores vai muito além dos tempos de prova, patrocínios e afazeres cotidianos. Geralmente, os profissionais trabalham em um centro de treinamento, com tudo à disposição em um mesmo local. Realidade distante da rotina de Taynara, por exemplo.
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– A grande diferença é a descentralização dos treinos, o que complica muito. Corro em Jurerê, pedalo em São José, nado em outro lugar… Ainda tem a fisioterapia para prevenir lesões e as idas ao nutricionista. O que complica é o deslocamento, problema raro para os profissionais. Se a gente se entregar 100% consegue.
Correria no quintal de casa
Acostumados a competir em outras cidades e países, Taynara e Guto não veem a hora de correr, nadar e pedalar pelas ruas onde cresceram. Atleta da equipe de São José – vice-campeão do JASC 2017 –, Guto vai para o quarto Ironman 70.3, o primeiro em casa. Depois de chegar duas vezes em terceiro lugar (uma em Palmas-TO, outra no Rio), a ansiedade é grande para disputar a prova em Florianópolis.
– É muito massa disputar aqui em casa, sentir o apoio do pessoal. Estou extremamente ansioso.
Para Taynara não é diferente. Apesar de se sentir vulnerável para treinar, principalmente, ciclismo nas ruas da Capital – o trajeto da prova passa pela perigosa rodovia SC-401 –, a vontade de disputar o Ironman é imensa.
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– Aqui é uma energia diferente dos outros lugares. Estamos em casa, conhecemos o percurso. A energia é totalmente diferente, todo mundo torce por nós, é surreal – diz a atleta.
Maratona de Boston traz bons exemplos para inspirar
Se a rotina entre treinos, trabalho e estudo prejudica o desempenha dos atletas amadores em comparação com os profissionais, o exemplo da última Maratona de Boston (EUA), disputada na semana passada, mostra que é possível sonhar até com o lugar mais alto do pódio.
O japonês Yuki Kawauchi, de 31 anos, é inspetor de um colégio em Saitama e treina apenas nas horas vagas. O funcionário público conseguiu fazer uma prova de exceção e, com “ajuda” do clima, cruzou a linha de chegada em 2h15min58s e venceu a corrida de 42,1km, embolsando um cheque de US$ 150 mil.
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– Ele inspirou muita gente. O atleta amador é o que mais motiva o pessoal, porque tu está treinando nas horas vagas, dá pra perceber que o pessoal vê com outros olhos. Casos como esse motivam todo mundo – afirma Guto Fernandes.
Outra inspiração para os amadores é a enfermeira Sarah Sellers (EUA), que queria apenas acompanhar o irmão na mesma prova e acabou fazendo história ao cruzar a linha de chegada na segunda colocação. Levou US$ 75 mil para casa.
São exemplos como esses que fazem Taynara e Guto sonharem alto e almejar uma das vagas para a disputa da etapa mundial do Ironman 70.3, na África do Sul, em setembro. Até lá, muita água e asfalto vai rolar por baixo dos pés desses manezinhos que têm o esporte correndo nas veias.
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