A presença de jovens trabalhando para o crime organizado é uma realidade em Joinville. A sedução começa cedo, a partir do momento em que o jovem diz sim para o consumo de drogas. Para atraí-lo, os traficantes vendem uma imagem de sucesso da droga, assim como qualquer organização faz propaganda de seu produto ou serviço. O público-alvo dos criminosos são jovens em conflitos familiares, que não aceitam limites, estão fora da escola e andam livremente nas ruas sem supervisão dos responsáveis.

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A reportagem conversou com um especialista no assunto, alguém que conheceu o crime pelo lado de dentro e já acertou as contas com a Justiça. O entrevistado aceitou falar sob anonimato, por medida de segurança. O que ele revela é um alerta para o jovem que pensa que é imune, que quer a liberdade máxima e acha que tem o mundo em suas mãos. Como se verá a seguir, a liberdade será a primeira a ir embora. Ele se tornará escravo de forças poderosas e, se tiver sorte, completará 21 anos.

– O mundo do crime é cruel, é traição, uma ilusão muito grande. Quem entra, nunca vai ser feliz, nunca vai construir uma família, nunca será alguém e ficará carimbado para o resto da vida. Se tentar pegar um trabalho, não consegue porque esteve na cadeia. Isso se não morrer, pois 80% deles morrem antes de completar 20 anos, o que sobra a polícia pega – explica o entrevistado.

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O convencimento

Quando o jovem vulnerável vê um traficante chegando com seu carrão, mulheres em volta, dando tiro para cima e tomando uísque, está presenciando um ambiente de ostentação que os criminosos sabem que atingirá em cheio o coração dele. Festas regadas a drogas, bebidas e sexo, tudo de graça, são oportunidades criadas para apresentá-lo ao vício também. Um dia, o próprio garoto vai procurar o traficante.

– Eles mesmos se aproximam e aí você vê quem é bom e quem não é. O mais estourado, o que cumprimenta o traficante quando passa, esse pode ser um recruta. Então se chama o cara e diz: “E aí, quer ganhar dinheiro? Como está sua situação?” O cara vai responder que não tem nada, e aí topa fazer uns trabalhos para o crime. Ele não tem medo porque não vê problema com o Estado, é réu primário, é menor – afirma.

Segundo ele, 90% dos jovens que são atraídos para o crime vêm de famílias desestruturadas e sem formação. Oferecer drogas, dinheiro, bebidas e carros são atrativos, pois são tudo o que os meninos querem . E assim o recrutador conquista a confiança. Ele se faz parecer legal, mas isto também faz parte do jogo da sedução.

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– Eles dizem para o jovem: Quer moto? Trabalha uns meses para mim e ela é sua. Gostou da arma? Trabalha mais tantos meses e pode ficar com ela – explica, acrescentando que o rapaz já sai com a arma na cinta, e devendo para o traficante.

No mundo do crime, não há lugar para o empreendedor individual. Como tudo está mapeado, ele vai atrapalhar os “negócios dos outros”, então o indivíduo logo será forçado a optar entre sair do crime ou entrar para uma facção.

A entrada para facção

Existem dois momentos para se ingressar na organização criminosa, na rua ou na cadeia.

– Para entrar na facção, tem que ter bom histórico: não ser dedo-duro, estuprador, não roubar outro ladrão ou mexer com a mulher dele. E a facção é quem vai buscar o rapaz. Ela olha a vida pregressa do cara, e se vê que ele é bom, apresenta o estatuto e pergunta se quer fazer parte da irmandade. Se aceitar, assina o estatuto e entra para facção. É um recrutamento. A idade varia, alguns entram mais cedo, outros mais tarde.

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Na rua, diz o entrevistado, a facção promete fama, moral, respeito, mulher e droga. A proposta é feita para jovens de até 25 anos de idade.

– A promessa contagia, o bonzinho só não vai porque tem medo – afirma.

A rotina

Uma vez lá dentro, o jovem terá que fazer os serviços que o chefe manda: pode ser furto, assalto, dar uma lição ou matar alguém – e não existe a opção de dizer não, amarelar na hora H ou cansar da brincadeira e voltar para casa. Aqueles que são menores de idade assumem a culpa das demandas dos adultos. As disputas por poder entre os grupos criminosos também resultam em mortes.

Quem fica devendo dinheiro para a facção também morre para servir de exemplo para outros, tanto o dinheiro das drogas quanto o dízimo, que é obrigatório e cujo valor varia conforme a organização, algo entre R$ 100 e R$ 500 por mês.

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O consumo de crack é proibido em qualquer circunstância, seja na cadeia ou na rua, entre os membros de facção. Quem é flagrado fumando crack é morto. Este é um produto exclusivo para venda, para ganhar dinheiro na rua, revela o entrevistado.

Na cadeia

Na prisão, quem não entra para uma facção fica à mercê de qualquer coisa, conta o homem. Em geral, os novos detentos acabam aderindo a alguma delas quando são aceitos. Não há dízimo na prisão. A promessa é de respeito e segurança na cadeia e apoio quando voltar para a rua. Receberá arma, carro e droga para vender, ou seja, tudo é providenciado para que volte ao crime, e a facção cobrará por “este favor”.

– Os comandos das facções estão dentro das cadeias e são irrecuperáveis, pois arrumaram tantos inimigos na rua que, se saíssem da prisão, ficariam vulneráveis e morreriam rapidinho. É um caminho sem volta para eles – esclarece.

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A salvação

– Para deixar a facção, o indivíduo precisa escrever uma carta explicando os motivos. É o pedido de exclusão para os irmãos e que será entregue aos “Disciplinas”, que farão chegar até o “Torre”. Depois de um tempo vem a resposta, pode vir com deferimento ou indeferimento. Eles negam a saída quando a pessoa não concluiu a missão, está devendo ou não pagou o dízimo. Se estiver em dia, a saída pode ser autorizada – descreve.

Há um outro caminho também: a igreja. Quem escolhe a igreja é excluído, desde que não tenha pendências a acertar. Segundo o entrevistado, basta explicar que agora está com Deus e abandonou essa vida. E não há restrição a qualquer crença. Ele diz que, assim como água e óleo não se misturam, quem está com Deus não pode estar no crime. Contudo, se depois de aceitar Jesus for pego no crime de novo, não terá espaço nem na rua, nem na cadeia: será o fim da linha para ele.

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