Cada nota tocada nas ruas redime os anos que arte passou asfixiada pela rotina, pronta para insurgir em liberdade numa viagem sem data para acabar mas com destinos certos. O homem que por dez anos trabalhou na mesma empresa até virar gestor, vai viajar por 25 países da América Latina às custas da música que faz ecoar do violino. Rodrigo Ricardo Martins e seu nome de certidão deixam Joinville nesta-sexta-feira, rumo a São Francisco do Sul. Barba, apelido de rua, acaba de começar a viagem sabática que pode ser eterna. As experiências vão parar no blog On the road by Barba.
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Ricardo começou a tocar aos 11 anos, quando o pai vendeu um dos barcos de pesca para comprar o instrumento que 22 anos depois o levaria às ruas em busca de algum sentido para a vida. Ele vendeu tudo que tinha, pagou todas as dívidas e segue adiante sem dinheiro além do que ganha nos dias de rua com a música.
– O que eu levo é arte. A fé que tenho na minha arte – acredita o viajante violinista.
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Ele nasceu em São José dos Campos, mas a família toda, hoje resumida no irmão e nas três irmãs, mora em Paraibuna. O medo dos perigos da rua foi o primeiro pensamento dos irmãos. Mas eles nada poderiam fazer. Ricardo pegou a mochila e a case do violino e partiu do interior para a capital do estado, São Paulo. Na aorta do coração de SP, a Avenida Paulista, ele esperava que a ajuda viesse dos engravatados. Mas a mulher que o enxergou em meio ao cardume de gente, espremendo os olhos para ler a placa, deixou a vassoura de lado na lixeira com rodas e colocou R$ 5,00 na case do violino ao dizer:
– Que Deus abençoe a sua viagem. Que você vá e volte.
Era o primeiro “troco” que Barba ganhava naquele dia, em que passou a maior parte do tempo “injuriado”, não conseguia disputar com o barulho dos veículos e do tic-tac do relógio. Para sempre ele vai lembrar que “na rua ninguém sabe o que vai acontecer”. O segundo ônibus da viagem Ricardo pegou de Sampa foi para Curitiba (PR). Ficou no Paraná, estado que o viajante violinista conhecia a trabalho, na época em que cuidava da BR-277, a “Grande estrada”, que corta o Brasil de Paranaguá a Foz do Iguaçu. Não houve desavença no trabalho. A faísca para a rua aconteceu dentro dele.
Por que a rua?
– O que me traz à rua é, com o perdão da palavra, tesão por fazer aquilo que você quer e realmente acredita. Eu gostava das pessoas que estavam comigo – argumenta Barba, que continua a explicar – Fui perdendo chefes, amigos e matando minha arte.
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O Barba violonista é também caçula. Conviveu pouco com a mãe, que morreu de câncer com a idade que ele tem hoje, 33 anos. O pai chegou a vender tudo, chácara, empresa e restaurante para pagar o tratamento, mas a medicina “não era tão boa naquela época”. Ficou só com um barquinho e convite para os filhos de voltar para a beira do rio e fazer o que ele melhor sabia: pescar. Talvez tenha sido com o exemplo paterno que ele aprendeu a reconhecer a hora de voltar para si mesmo e pelo que vale à pena abrir mão do conforto que o dinheiro traz.
Nas esquinas da cidade, além de dinheiro trocado, coisas sem preço caem na case do violonista que também é ator. Ainda em Joinville, ele ganhou uma partitura para violino. Czardas, composta por Vittorio Monti ganhou vida pela metade entre as ruas Engenheiro Henrique Meyer e Pedro Lobo. Ele ainda não teve tempo para aprender o restante da música, mas arte que o leva às ruas lhe rendeu o bilhete de uma anônima:
– Abafado pelo barulho da cidade, um violino chora e me toca. Obrigada pela dose de emoção na frieza de todo esse concreto.
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Entre os mesmo concretos, sem querer saber das Czardas ou da Aquarela de Toquinho, um passante pede o clássico do Led Zeppelin:
– Istaruaiturévan.
É assim que o viajante violonista faz da arte uma vida, sendo fonte da música que as pessoas querem ouvir, com repertório que vai do gospel, passa pelo clássico e chega ao rock no tempo de um atravessar de rua. Entre tantos pedidos que ele poderia fazer, o que vai na bagagem tão leve quanto culpa de criança é a frase:
– Escolhe uma música!