Uma animosidade tomou conta de policiais civis na manhã desta sexta-feira, em Florianópolis, por causa de uma decisão judicial que colocou em liberdade um homem que havia sido preso com uma pistola 9mm e é suspeito de participar do atentado a tiros contra a base da Polícia Militar na praia dos Ingleses.
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Ivonei Barboza Cândido, o Ivo, 25 anos, ganhou a liberdade na quinta-feira em decisão da juíza da 3ª Vara Criminal da Capital, Denise Helena Schild de Oliveira. Ao conceder a sua liberdade provisória, a magistrada relatou que nos fatos narrados nos autos não restou evidenciada a gravidade do crime para que fosse mantido no cárcere.
A juíza destacou na decisão ainda que pairam dúvidas da autoria do delito e que não constavam nos autos as denúncias antônimas sobre o envolvimento do réu com os atentados aos ônibus em Florianópolis, “havendo apenas informações da Polícia Militar de que ele estaria envolvido, porém nada foi juntado aos autos”.
O Ministério Público pedia a conversão da prisão em flagrante de Ivonei em prisão preventiva por causa da suspeita da ligação dele com os atentados. Na decisão, a juíza reforça que a conduta supostamente pratica por Ivonei, ao ser preso com a arma, não causou clamor social ou grave ofensa social à ordem pública.
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Conforme a Polícia Civil, Ivonei tem antecedente criminal por tráfico de drogas e suspeita de envolvimento em homicídio, na favela do Siri, região conhecida de ponto de tráfico do Norte da Ilha.
Na quarta-feira, em nova ação no local, policiais civis da 8ª DP apreenderam um torrão de maconha em sua casa. Durante a prisão, o delegado da 8ª DP, Leonardo Silva, afirmou que Ivonei faz parte do Primeiro Grupo Catarinense (PGC).
A pistola 9mm encontrada na sua casa tem o mesmo calibre usado no atentado à base da PM. A juíza pediu à polícia que encaminhe no prazo de conclusão do inquérito policial o laudo definitivo da arma apreendida.
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Policiais que o investigam ficaram revoltados com a soltura e agora prometem levar o caso ao conhecimento do secretário da Segurança Pública, César Grubba.
Confira na íntegra a decisão da juíza:
Autos n° 023.12.062974-0
Ação: Auto de Prisão Em Flagrante/Indiciário
Indiciado: Ivonei Barboza Candido
VISTOS EM DECISÃO.
Trata-se de análise do disposto no art. 310 do Código de
Processo Penal, à luz da manifestação ministerial, na qual postulou a
conversão da prisão em flagrante do indiciado IVONEI BARBOZA
CANDIDO, em preventiva, pela prática, em tese, do delito de porte ilegal
de arma de fogo de uso restrito, capitulado no art. 16, caput, da Lei de n.
10.826/03.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
DECIDO.
Estatui o art. 310 do Código de Processo Penal, verbis:
Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá
fundamentadamente:
I – relaxar a prisão ilegal; ou
II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando
presentes os requisitos constantes do art. 312 deste
Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as
medidas cautelares diversas da prisão; ou
III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.Primeiramente, não se trata da hipótese de relaxamento da
prisão em flagrante imposta ao investigado pela autoridade policial
competente, prevista no inciso I, do art. 310, do CPP, isso porque este foi
preso portando a arma de fogo se uso restrito, o que caracteriza o estado
de flagrância, nos moldes do art. 302, inciso I, do CPP.
Tampouco se trata da hipótese prevista no inciso II do art.
310 do CPP, para ser convertida a prisão em flagrante do indiciado, em
preventiva, levando-se em conta que não se encontram presentes na
espécie os requisitos ensejadores da custódia cautelar, estabelecidos no
art. 312, do CPP, devendo o indiciado ser beneficiado com a liberdade
provisória (inciso III, do art. 310 do CPP).
Isso porque, é consabido que a prisão preventiva, por
anteceder à decisão definitiva do Juiz, reveste-se de caráter de
excepcionalidade, só devendo ser decretada em extrema ratio, quando se
reconhecer a presença dos requisitos do art. 312 do CPP, quais sejam:
fumus comissi delicti (prova da existência do crime e indícios suficientes
da autoria) e o periculum libertatis (garantia de ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal), sendo que, quando houver dúvida quanto à
existência de qualquer deles, a medida extrema imposta deve ser
reconsiderada.
No caso em tela, a materialidade restou demonstrada por
meio do boletim de ocorrência (fls. 03-04), termo de exibição e apreensão
(fl. 13), bem como dos depoimentos testemunhais colhidos nos autos (fls.
06-09).
Assim, das provas colacionados, ainda que presente o
requisito indispensável do fumus comissi delicti, da mesma forma não se
pode afirmar quanto ao periculum libertatis, posto não se constatar a
necessidade de preservar a ordem pública se o indiciado for solto, já que
demonstra não acarretar risco à sociedade, além do que, no delito
supramencionado não houve violência ou grave ameaça. Outrossim, a
instrução processual e a aplicação da lei penal não serão prejudicadas se
o investigado obtiver o benefício da liberdade provisória, pois apresenta
residência fixa no distrito da culpa (fl. 10).
Diante disso, em que pese os argumentos trazidos peloPromotor de Justiça, enfatizando a necessidade da cautela extrema do
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indiciado, por ser reincidente, além de ser suspeito de ter participado dos
atentados contra os ônibus de transporte coletivo e Bases da Polícia
Militar, razão não lhe assiste, uma vez que nos fatos narrados nestes
autos, não restou evidenciada a gravidade do crime, para que seja
mantido no cárcere, pois se trata de porte de arma de fogo de uso
restrito, em que ainda pairam dúvidas acerca da autoria delitiva, além do
que, não constam nos autos as denúncias anônimas relatando o
envolvimento do réu com os atentados aos ônibus em Florianópolis,
havendo apenas informações pela Polícia Militar de que ele estaria
envolvido, porém nada foi juntado aos autos. Portanto, não é razoável a
segregação cautelar, quando a ofensa ao bem juridicamente é modesta e
a garantia da ordem pública não restar prejudicada, como na hipótese em
apreço.
Portanto, embora o indiciado seja reincidente, a conduta
supostamente praticada não causou clamor social, ou grave ofensa à
ordem pública, para que seja necessária sua restrição cautelar. Assim
sendo, por preencher os requisitos legais da benesse, deve lhe ser
concedida a liberdade provisória condicionada ao cumprimento de
medidas.
Registre-se, por oportuno, em casos como o dos presentes
autos, o magistrado deve fazer um juízo de ponderação entre o interesse
público e as liberdades individuais, sendo que é sob a ótica do princípio
da proporcionalidade que se chegará a uma conclusão se a medida
cautelar extrema é necessária ou não.
Dessa forma, em razão da proporcionalidade, quando
houver uma outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar a
situação em apreço, essa deve prevalecer. Isso porque, como o próprio
nome já diz “são medidas cautelares diversas da prisão”, exatamente
porque buscam dar alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão
preventiva como último instrumento a ser utilizado.
A respeito do assunto, já decidiu o Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, in verbis
HABEAS CORPUS. FURTO SIMPLES TENTADO. Apesar
de presentes os requisitos da prisão preventiva no
caso, ela se mostra desproporcional, pois o fatoimputado em tese ao paciente não envolve violência
e/ou grave ameaça à pessoa e, apesar de reincidente,
muito provavelmente cumprirá eventual e futura pena
em regime menos gravoso que o fechado. Assim,
plenamente aplicáveis ao caso as medidas cautelares
alternativas. Liberdade provisória concedida, mediante
condições. (Habeas Corpus Nº 70048729784, Sexta
Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Aymoré Roque Pottes de Mello, Julgado em 10/05/2012)
Grifou-se.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES CONTRA O
PATRIMÔNIO. FURTO QUALIFICADO. PRISÃO
PREVENTIVA. NECESSIDADE NÃO VERIFICADA.
LIBERDADE PROVISÓRIA MANTIDA. Não há abalo à
ordem pública quando não evidenciada, no caso concreto,
a periculosidade na conduta dos agentes. O acusado
reincidente não ostenta condenações por crimes
cometidos com emprego de violência ou grave ameaça
contra a pessoa, tratando-se de fatos de pouca
gravidade. Ademais, a alusão aos antecedentes dos
acusados, isoladamente, não são suficientes para
autorizar o decreto de prisão preventiva – precedentes
do Supremo Tribunal Federal e desta Câmara. RECURSO
IMPROVIDO. (Recurso em Sentido Estrito Nº
70047323654, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgado
em 04/04/2012) Grifou-se.
Cita-se ainda, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E PORTE
ILEGAL DE ARMA DE FOGO.PRISÃO EM FLAGRANTE.
LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA. FALTA DE
FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. GRAVIDADE
ABSTRATA DO DELITO. VEDAÇÃO DO ART. 44 DA LEI
Nº 11.343/2006. ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS.
REINCIDÊNCIA. FUNDAMENTO INSUFICIENTE. ORDEM
CONCEDIDA.
1. É pacífica na Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça a compressão de que se exige concreta motivação
para a manutenção de qualquer prisão cautelar, inclusive
nas hipóteses de crimes hediondos e de tráfico de drogas,
sendo de rigor a demonstração da presença dos requisitosprevistos no art. 312 do Código de Processo Penal.
2. A simples alusão à vedação contida no art. 44 da Lei
nº11.343/2006 não basta para indeferir a liberdade
provisória, se não demonstrada a real imprescindibilidade
da medida extrema.
3. A reincidência, por si só, também não é fundamento
válido para justificar a segregação cautelar, conforme
entendimento pacificado nesta Corte.
4. Ordem concedida para garantir aos pacientes o direito
de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da
condenação, mediante assinatura de termo de
compromisso de comparecimento a todos os atos do
processo, devendo ser expedido alvará de soltura
clausulado. (HC 115580 / MG; HABEAS CORPUS
2008/0202984-5; Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE
ASSIS MOURA (1131); Órgão Julgador T6 – SEXTA
TURMA; data do Julgamento 20/10/2009; data da
Publicação/Fonte DJe 09/11/2009)
Logo, os requisitos previstos no art. 312 do Código de
Processo Penal, ensejadores da custódia preventiva, não se encontram
presentes na espécie para ser mantida a prisão cautelar do indiciado,
devendo o investigado ser beneficiado com a liberdade provisória,
condicionada às medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP.
Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência:
HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE
PÚBLICA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO
PERMITIDO (ARTIGO 14 DA LEI 10.826/2003). PRISÃO
EM FLAGRANTE. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA
INDEFERIDO SOB FUNDAMENTO DE SEGREGAÇÃO
CAUTELAR DO PACIENTE POR CONVENIÊNCIA DA
PERSECUÇÃO PENAL E GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA. MEDIDA EXCESSIVA. ANÁLISE DO
CONJUNTO PROBATÓRIO E DA PENA A SER
APLICADA PARA O CASO DE CONDENAÇÃO JUDICIAL.
RÉU PRIMÁRIO, BONS ANTECEDENTES E RESIDÊNCIA
FIXA. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS DO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGALCONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. (Habeas Corpus
n. 2010.073578-8, de Caçador, rel. Des. Hilton Cunha
Júnior. Data: 07/12/2010) (grifei).
Portanto, deve ser aplicada à espécie, a hipótese prevista
no inciso III, do art. 310 do Código de Processo Penal, para ser
concedida a liberdade provisória ao acusado, condicionada às medidas
cautelares previstas no art. 319, I e IV do CPP: I – Comparecimento
quinzenal ao cartório desta Vara para informar e justificar suas atividades,
assim como comparecimento a todos os atos processuais que requeiram
sua presença; IV – Proibição de ausentar-se da Comarca sem prévia
autorização judicial.
Isso porque, há necessidade de se manter um mínimo de
vinculação do investigado com a instrução processual, para a garantia de
eventual aplicação da lei penal.
Por outro lado, essas medidas são adequadas à gravidade
do delito, pois não houve violência ou grave ameça à pessoa, tampouco
qualquer circunstância do fato que recomendasse a manutenção da
prisão, sem prejuízo de se converter, eventualmente, a medida cautelar
ora imposta, conforme prevê o atual art. 282, §4º do Código de Processo
Penal.
Ante o exposto:
I – Com amparo nos arts. 310, inciso III, c/c o art. 312
parágrafo único, art. 282, I e II, e art. 319, incisos I e IV, todos do Código
de Processo Penal, CONCEDO A LIBERDADE PROVISÓRIA ao
acusado IVONEI BARBOZA CANDIDO, condicionada às seguintes
medidas cautelares:
A) comparecimento a cada quinzenal ao cartório desta Vara
para informar e justificar suas atividades, assim como comparecimento a
todos os atos processuais que requeiram sua presença;
B) Proibição de ausentar-se da Comarca sem prévia
autorização judicial;
C) Comprovação de residência fixa e atividade laborativa no
distrito da culpa, no prazo de 48 horas;Expeça-se alvará de soltura em favor do indiciado, se por al
não estiver preso e lavre-se termo de compromisso.
II – Oficie-se à Autoridade Policial para que encaminhe, no
prazo de conclusão do Inquérito Policial, o Laudo Definitivo da Arma
Apreendida.
Cumpra -se.
Dê-se ciência dessa decisão ao representante do Ministério
Público.
Florianópolis (SC), 22 de novembro de 2012.
Denise Helena Schild de Oliveira
JUÍZA DE DIREITO