Enquanto o caso do menino de 10 anos ferido com produto de uma indústria aguarda o laudo pericial para ser concluído, outra denúncia veio à tona nesta semana. Um homem de 35 anos diz ter sofrido queimaduras graves com o resíduo no mesmo terreno em que aconteceu o acidente com o garoto, em Três Barras, cidade do Planalto Norte. A situação de Josiel Maia Moreira aconteceu há dois anos, mas, à época, a família não buscou a polícia por medo.
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Josiel lembra que havia saído pescar com um grupo de amigos durante um fim de semana e, no final da tarde, no retorno da pescaria, o cachorro de uma colega acabou entrando no espaço e tendo contato com o produto. Na tentativa de ajudar o animal, o homem entrou no local e afundou na substância até a altura da barriga. Ele conta que teve queimaduras instantâneas.
Menino sofre queimaduras graves com resíduo de indústria em SC: “Muita dor”, diz mãe
— O cachorro morreu, não teve salvação. Eu ainda tive a sorte que estava com os amigos, que me ajudaram, senão eu tinha morrido também. O terreno não era cercado e nem nada indicando que era produto perigoso — relata Josiel.
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O morador diz que teve ferimentos desde o pé até a barriga, e também em algumas partes do braço. Ele ficou internado por um mês e meio em um hospital de Joinville. A dor, segundo Josiel, era insuportável e, por isso, vivia à base de medicamentos de alto poder analgésico.
— Morfina eu tomava a cada uma hora na veia, porque não aguentava a dor. Depois que saí [do hospital], continuei tomando remédios, doía até para tomar banho — lembra Josiel, que carrega até hoje cicatrizes nas pernas e em outras regiões do corpo.
Família tinha medo de denunciar
Josiel conta que, à época, a mãe dele chegou a procurar advogados a fim de processar a empresa, mas foi desencorajada por conhecidos e desistiu por medo do filho ser prejudicado. Mariana Fiedler, que atua na defesa do menino que também se queimou, informou à reportagem do A Notícia que, a partir desta segunda-feira (26) também atuará no caso de Josiel.
Ela explica que as famílias que vivem na região são de origem humilde. Josiel, por exemplo, é analfabeto e, após comentários que circularam pela vizinhança, acabou não levando a situação à frente por se tratar de uma empresa de grande porte.
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— Após o caso do menino, ele teve conhecimento que tinha direito e agora vamos dar prosseguimento para uma ação a favor dele — complementa a advogada.
Nesta semana, Mariana diz que a família do menino deu entrada em uma ação judicial contra a empresa e o escritório também fez a procuração para entrar com processo no caso de Josiel.
Laudo médico aponta que criança sofreu queimaduras com produto químico de indústria em SC
Mesmo que não tenha sido registrado boletim de ocorrência na ocasião, o delegado Nelson Nadal, responsável pelas investigações, afirmou que deve chamar Josiel para depôr nos próximos dias. A declaração deve ser anexada ao inquérito policial que segue em andamento.
Por nota, a empresa Mili alegou que, até o momento, “jamais teve conhecimento de outro incidente” envolvendo o “produto similar ao calcário”. Também reforçou que este procedimento de doação deste resíduo a agricultores da região acontece há mais de uma década e tratou o caso do garoto como “pontual. Além disso, destacou que, desde então, tem alertado os trabalhadores rurais sobre o ocorrido.
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Laudo sobre o produto é peça que falta para conclusão de caso
O laudo pericial sobre a composição do produto que causou queimaduras na criança é a peça que falta para a Polícia Civil concluir o caso. Segundo o delegado Nadal, a família da vítima, representantes da empresa Mili e o proprietário do terreno já foram interrogados e agora Josiel, que trouxe o caso à tona nesta semana, também deve ser ouvido.
Por se tratar de uma investigação que corre em sigilo, no entanto, Nadal não comentou o teor dos depoimentos, mas destacou que a identificação do material que ocasionou as queimaduras é imprescindível, principalmente para indicar se houve ou não crime ambiental por parte da Mili.
— Porque, a partir desta identificação, nós vamos poder, por exemplo, analisar se a empresa tinha ou não autorização pra produção desse material, se o manuseio desse material foi feito respeitando as normas estabelecidas, e se o eventual descarte também foi feito de acordo com a legislação já estabelecida — detalhou o investigador em entrevista anterior.
Uma amostra do resíduo foi coletada no terreno no mesmo dia do acidente com garoto e enviada para análise na sede da Polícia Científica de Florianópolis. Enquanto ainda estava no Hospital Infantil Joana Gusmão, o AN teve acesso ao laudo médico do menino, que apontou que ele sofreu “queimaduras com produto químico”. O prontuário também será anexado ao inquérito policial.
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O acidente com o garoto aconteceu no dia 17 de maio, em um terreno que fica na região do Alto do Mussi. Ele ficou internado por duas semanas e passou por cirurgias que, futuramente, de acordo com a família, podem até dificultar a locomoção.
De onde vem o resíduo que causou queimaduras
O resíduo saiu da Mili, uma indústria que produz papel de uso doméstico com sede em Três Barras. Conforme a Epagri, a empresa possui como diferencial a celulose de pínus e utiliza uma quantidade considerável de aparas de papel reciclado como fonte de fibras. No entanto, como parte desta massa reciclada não é absorvida no processo de produção do papel, esta “sobra” acaba sendo enviada para as Estações de Tratamento de Efluentes (ETE’s). Lá, o resíduo, chamado de lodo de ETE, deve passar por tratamento para remover possíveis poluentes e químicos para então ser distribuído.
Mas por se tratar de um produto com 60% de umidade, precisar ser incorporado ao solo e ser distribuído em grande quantidade, apresenta dificuldades operacionais como a de altos custos de transporte, o que acaba gerando prejuízo financeiro. Por este motivo, a Mili desenvolveu um sistema de calcinação do resíduo para adequá-lo ao uso agronômico e, ao mesmo tempo, diminuir danos ambientais e o consumo de energia.
O A Notícia procurou a Epagri, que não comentou sobre a investigação em andamento sob a justificativa de não ter tido acesso aos laudos de análise do produto que causou as queimaduras. Em nota, o órgão apenas relatou que analisou e testou o resíduo em questão em 2003 e em 2011 — conforme havia informado a Mili —, e com base nesses estudos, o material foi classificado como Classe IIA (não perigoso e não inerte), “bem como apresentou potencial para uso agrícola como corretivo da acidez do solo”.
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