Nesta semana, leitor enviou-me longa carta. Discorreu sobre vários assuntos, preferências e observações e terminou a missiva com conselho muito bem-humorado: “Ah, não esqueça de mandar benzer o seu JEC”. Enviou o e-mail na manhã de terça, horas antes do jogo do JEC em que Jael perderia dois pênaltis em cinco minutos, ambos defendidos pelo goleiro. Coincidência?

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Ao topar com a palavra benzer, vieram-me à lembrança muitas passagens. Não sei se este hábito de fé ainda tem a força que tinha quando se benzia de “arca caída”. Não sei se ainda nascem ou se formam benzedores. Não faço conta se ainda exista quem acredite, na proporção em que existiam quando o mundo não era este janelão escancarado. Mas…

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Há poucas semanas, caminhando, notei um carrão parado em frente a uma casa que está com uma parte do telhado afundando. Já tinha passado ali outras vezes, sei quem são os moradores, cumprimento-os com bom-dia e boa-tarde. Aquele carrão era a novidade no cenário. Olhei para o quintal e lá estava um casal, jovem (estimo na faixa dos 30 e tantos), sendo benzido pela dona da casa, que murmurava e sacudia algo além das mãos. A expressão da mulher sendo benzida era de muita concentração, muita crença, chegava a fazer caretas. O homem parecia mais relaxado, mas também tinha os olhos fechados em contrição. O carro era moderníssimo, de marca. A fé, tradicionalíssima. Um parecia não combinar com o outro. E daí?

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Mamãe e papai recorriam muito à proteção evocada em uma boa benzeção. Benziam-se, e a nós também, em periódicas idas à dona Rita, dona Ana Picada, à mãe do Arvino (que esqueci o nome), ao seu Miguel. E tratavam-nos com as garrafadas do seu Antônio Rosquinha. Miguel foi o mais conhecido. Sua casa, em São Francisco do Sul, raramente não estava tomada de gente em busca de seus cuidados. Uma vez, compareceu em nossa casa para uma benzida coletiva, em que estávamos nós e vizinhos formando um círculo na sala, com Miguel e seus dizeres ao centro. Eu, gurizão, levei duas broncas de Miguel por ter cruzado as pernas, desconcentração que ele não perdoou. Foi o que bastou para mergulhar, de fato, na respeitosa meditação daquele momento.

Andar com fé eu vou…

Prolongo a prosa de hoje por mais algumas linhas para dois registros:

1. Foram lançados nesta semana em Joinville dois livros com fundamentais extratos da construção da história da cidade. Um sobre os 50 anos da Udesc e outro sobre os cem anos do Hospital Dona Helena. Não sei se vão às bancas e livrarias. Mas será importante todo joinvilense que puder folheá-los e dedicar-lhes tempo à leitura. A polis se forma nos detalhes e obras têm o poder de nos aproximar deles, de conhecê-los e a seus personagens e de entendê-los.

2. Ando com o coração em sobressaltos. Em decisão pessoal, encerro minha longa passagem pelo “AN” na semana que vem. É clichê, mas é verdade: estou revendo o filme de uma vida. Por isso, tomo emprestada frase de Rolando Boldrin: “Essa hora da gente ir-se embora é doída”.