A Havan, gigante catarinense do varejo com sede em Brusque, foi tema de uma reportagem publicada na edição de ontem do jornal The New York Times. O texto destaca o rápido crescimento da rede de lojas de departamentos, inspirado no modelo varejista norte-americano, cujos ícones estão presentes no uso de símbolos como a Estátua da Liberdade e a Casa Branca.

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Com o título Reshaping Brazil’s Retail Scene, Inspired by Vegas and Vanderbilt (na tradução, Remodelando o cenário do varejo no Brasil, inspirado por Vegas e Vanderbilt), a publicação situa a Havan no contexto da economia brasileira, considerada vagarosa pelo autor do texto, o correspondente Simon Romero.

O jornalista afirma que a Havan tem deixado para trás a discussão sobre o consumo como chave para acelerar o crescimento da economia no país, elevando a um novo nível o estilo varejista norte-americano. O texto ressalta a expansão agressiva da rede, com a inauguração de uma loja a cada 15 dias.

O repórter lembrou ainda que a instalação de réplicas de até 30 metros de altura da Estátua da Liberdade pelo Brasil tem gerado críticas entre a população. Romero ouviu Henrique Perazzi de Aquino, professor de história em Bauru (SP), que liderou um movimento pela derrubada da recém-instalada estátua na cidade. Para ele, a réplica representa um tipo de colonialismo americano e mostra que ainda somos dependentes da cultura dos Estados Unidos.

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Ao Diário Catarinense, o empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas de departamento, disse ver a declaração de Aquino como uma opinião “ultrapassada e um complexo de inferioridade que não combina mais com o Brasil moderno”.

– Esse termo não cabe mais nos dias de hoje, especialmente porque vivemos em um país que acompanha a evolução mundial em todas as áreas.

A reportagem destaca ainda a paixão de Hang pelos EUA, revelando sua admiração pelos titãs industriais americanos John D. Rockefeller, do setor de combustíveis, e Cornelius Vanderbilt, dos transportes, fontes de inspiração para os negócios.

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Confira a tradução da matéria:

Remodelando o cenário do varejo no Brasil, inspirado em Vegas e Vanderbilt

Por Simon Romero

Enquanto os líderes brasileiros consideram se o consumo deveria ser o antídoto para uma economia preguiçosa, uma loja de departamentos influente está correndo à frente com sua resposta, levando o desenfreado estilo consumista americano a outro nível.

Proclamando a meca de jogo de azar Las Vegas como sua cidade ideal, o magnata Luciano Hang vem abrindo lojas de departamentos neste ano em um ritmo de uma em cada 15 dias, do sul do Brasil à Amazônia, no noroeste. Cada nova estrutura é uma homenagem ao capitalismo americano, com colunas pretendendo evocar a Casa Branca e réplicas gigantes da Estátua da Liberdade, algumas com mais de 30 metros, estacionadas em suas entradas.

– Minha filosofia é pró-capitalismo, então é claro que os melhores símbolos para isso vêm dos Estados Unidos – disse Hang, que voa pelo Brasil em um Learjet para visitar as quase 60 lojas da sua cadeia, chamada Havan.

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– Eu digo às pessoas que nosso dilema é pela liberdade: há a liberdade de ficarmos abertos quando queremos, a liberdade de trabalhar para nós e a liberdade de vender. Eu sei que isso pode ser controverso, mas eu acho que aqueles que discordam do meu discurso são poucos e distantes entre si.

Realmente, os consumidores parecem concordar, atraídos pelos preços baixos e a vasta variedade, se não pela novidade, do parque temático. Dentro da loja matriz em Brusque, por exemplo, no Estado de Santa Catarina, compradores param para tirar fotos deles mesmos ao lado de réplicas de uma Ferrari vermelha e um Corvette rosa.

Mas alguns economistas questionam se o Brasil deveria confiar no consumismo para reanimar a economia – um padrão abastecido pela onda de crédito dos bancos do governo – em um momento no qual o endividamento familiar já alcançou um recorde alto. A Caixa Econômica Federal até permite a clientes altamente endividados uma pausa no cumprimento de prazos, para que eles possam acumular mais dívida.

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Ao invés disso, esses economistas dizem, as autoridades deveriam fazer mais para apoiar investimento por negócios em áreas como fábricas e infraestrutura, racionalizando uma burocracia complexa e o sistema tributário. Medida como um percentual da economia, a taxa de investimento do Brasil é menor do que a da Argentina e do México.

Inspirado pela cultura “compre até você cair” que ele testemunhou em dezenas de viagens aos Estados Unidos, Hang, um cinquentão esguio que se veste casualmente com jeans das prateleiras das próprias lojas, acha que esse consumismo se ajusta ao Brasil.

– Eu terei 100 lojas em 2015, e dobrarei essa quantia alguns anos mais tarde – conjecturou.

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Nem todos concordam que imitar o consumismo americano – ou colocar Estátuas da Liberdade em dezenas de cidades pelo país – seja o melhor caminho.

– É um tipo de colonialismo. Nós ainda somos dependentes dessa cultura da América do Norte. Nós poderíamos gostar mais de nós mesmos. – contrapôs Henrique Perazzi de Aquino, 53, um professor de história em Bauru, Estado de São Paulo, onde ele e outros habitantes recentemente formaram um movimento para se opor à estátua na frente da nova loja da Havan.

Como uma alternativa, ele propôs um monumento para a Casa de Eny, um renomado bordel local uma vez frequentado por políticos e escritores. Mas no final, Hang ganhou, enfatizando que a chegada de Havan em Bauru iria gerar 200 vagas de emprego. Cresceu mais uma Estátua da Liberdade.

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Hang disse estar bem ciente de que a adoção do estilo consumista americano está em contraste com o estado de espírito presente em partes do Brasil, onde líderes estão se irritando com as revelações de que a NSA estaria espionando a presidente Dilma Rousseff.

Fora dos círculos político e intelectual das elites, Hang insiste, o sentimento pró-América ainda é profundo. O Consulado americano em São Paulo, onde 3 mil pessoas por dia vão solicitar vistos para os Estados Unidos, parece provar a opinião do empresário. O local é um dos postos de emissão de vistos mais movimentados do mundo.

A América está profundamente tecida na identidade de Hang, tanto quanto em sua marca. A tela de seu smartphone mostra uma foto da mulher com a atriz Sharon Stone, tirada em frente ao mar. Ele dirige apenas Chryslers importados.

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Luciano Hang chama suas lojas de “Casas Brancas brasileiras”, e ele contratou atores brasileiros para falar português com sotaque inglês em comerciais de televisão, representando caubóis, cantores de rap ou membros de gangues de moto.

Assim como algumas empresas americanas usam expressões criativas para descrever seus empregados (na Starbucks, por exemplo, eles são “parceiros”), as 10 mil pessoas que trabalham para Hang são chamadas de colaboradores. Ele é o único dono da Havan, o que não quebra detalhados resultados financeiros mas mostra que a receita das vendas excedem U$ 1 bilhão por ano. A cada abertura de loja, colaboradores são encorajados a compor seus próprios gritos de guerra, uma música frenética que eles rugem com a incitação de Hang, com punhos no ar.

– Nós gostamos de ensinar nossos colaboradores que trabalho pode não ser chato, mas divertido e revigorante – declarou Hang.

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Filho de trabalhadores de uma fábrica têxtil, descendente de imigrantes alemães e italianos, Luciano Hang disse que admira a cultura europeia, mas prefere os Estados Unidos. Ele disse que foi inspirado por um programa do History Channel, O Homem que Construiu a América, sobre titãs industriais como John D. Rockefeller e Cornelius Vanderbilt.

– Eu não conseguia dormir depois de ver esse programa – admitiu.

Seu modelo de negócio é baseado em parte pelo Walmart, cuja origem de cidade pequena ele admira, assim como o método de tornar economias de escala em preços baixos.

Alguns críticos de Hang não veem isso dessa forma. Ademir Brunetto, legislador do Mato Grosso, criticou fortemente os incentivos ficais perseguidos neste ano pela Havan. Brunetto os via como estratégia da empresa para quebrar competidores menores:

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– Eu poderia viver com a Estátua da Liberdade, para a qual eu acho legal olhar. Eu só não conseguiria suportar a ideia da Havan chegando em alguns lugares e colocando lojas com décadas de história nas comunidades fora do negócio.

Hang afirmou estar rascunhando um plano para abrir uma loja em Alta Floresta, cidade natal de Brunetto.

– Se eles não querem nossa injeção de vitalidade dentro da comunidade, essa é uma decisão deles – defendeu-se.

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Onde Havan não coloca estacas abaixo, deixa uma impressão. Em Barra Velha, sul do Brasil, a réplica da Estátua da Liberdade tem 57 metros, quase o dobro do tamanho do Cristo Redentor. Um elevador leva os consumidores para o topo, onde eles podem olhar por cima de uma rodovia.

– A loja, a estátua, o estacionamento. Eles são todos muito limpos, bonitos e grandes. Parando aqui, eu quase senti que não estou no Brasil – opinou Adilson Rezende, um caminhoneiro do município de Conselheiro Lafaiete, que parou na frente da loja para tirar fotos.