Em frente à pequena sala da igreja, diversas bicicletas disputam os poucos espaços de apoio. São 10 horas da manhã de um domingo gelado de inverno e a missa está na metade. Os pregadores se revezam no púlpito e são aclamados pelos fiéis, cerca de 30 haitianos que se vestem com as melhores roupas que têm para a celebração.

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A igreja jaraguaense abriu as portas para os recém-chegados, que realizam, a cada domingo, suas missas em francês e crioulo, idiomas oficiais do Haiti. Eles representam uma parcela de haitianos que escolheu Jaraguá do Sul como terra para uma nova oportunidade.

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Mesmo que precisem de ajuda, eles não desejam viver de caridade. Querem apenas um emprego e a possibilidade de sustento _ para si e suas famílias, que deixaram no país caribenho.

_ Mesmo que precisem de ajuda, eles nunca pedem, não falam. Mas se ajudamos, ficam felizes _ conta a pastora da Igreja Amados de Deus, Adalci Corrêia Coelho.

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Dentro da igreja, Adalci pergunta quem está sem emprego. As mãos se erguem, revelando que mais da metade do grupo ali presente não tem trabalho. Se as dificuldades na chegada ao Brasil já são grandes, a falta de trabalhos preocupa, afinal, eles saíram de um país em crise para buscar oportunidades e, agora, deparam-se com os impactos de uma crise econômica que também atinge o Brasil.

Mas eles têm fé. Agarram-se ao coletivismo, à solidariedade alheia e à fé para seguir em frente.

Os primeiros haitianos que vieram para Jaraguá do Sul foram contratados por uma empresa da cidade. Muitos vieram depois, indicados pelos primeiros. Hoje, não há registros de quantos haitianos vivem no município, porém, o número cresceu em 2015.

A Polícia Federal de Joinville já emitiu 500 registros de haitianos na circunscrição de Joinville (200 deles nos últimos três meses). Segundo o agente Fabiano José Rohr, cerca de 60 registros são de Jaraguá do Sul.

Além deles, estima-se que cerca de 600 haitianos com pedido de refúgio vivam no Norte catarinense. Os dados, porém, não revelam a realidade populacional dos imigrantes nas cidades brasileiras. Muitos obtêm os documentos na chegada ao Brasil, pelo Acre, e depois precisam apenas renovar os registros a cada seis meses, independentemente da cidade onde vivem.

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Pai e mãe brasileiros

O casal de pastores Adalci Corrêia Coelho e José de Souza Coelho acompanharam de perto esse crescimento populacional. Há três anos, o curso de alfabetização para adultos ministrado pela Igreja Amados de Deus recebeu um pedido diferente: o ensino de português para 22 imigrantes haitianos. Os grupos começaram a crescer e o casal chegou a atender a 67 imigrantes em uma turma. Hoje, apenas sete alunos estrangeiros fazem parte do curso. O tipo de assistência dada pelo casal é o que mudou.

_ Os pastores são como pai e mãe para mim, ajudam com roupas, alimentação _ sorri o haitiano Adelson Jean, de 38 anos, com dois filhos no Haiti e desempregado há quase dois meses.

Há um ano e oito meses em Jaraguá do Sul, ele é um dos acolhidos pelo casal, que auxilia como pode: roupas são arrecadadas e doadas. Se é preciso, cestas básicas e alimentos são distribuídos. José leva os recém-chegados a Joinville para retirar e renovar o visto. Ele também encaminha a carteira de trabalho _ um problema para eles, pois o documento leva mais de um mês para ficar pronto. José escreve os currículos dos haitianos e, junto à esposa, acompanha os imigrantes nas visitas às empresas. Mais que isso, Adalci e José são o pilar espiritual que sustenta parte da comunidade haitiana em Jaraguá do Sul.

Adelson é um dos imigrantes que tomam a palavra nas celebrações dominicais. Em seu idioma natal, narra as histórias e ensinamentos da Bíblia, em um momento que ajuda a lembrar do Haiti.

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O culto dos haitianos é alegre. Instrumentos de percussão são utilizados, todos entoam as canções, há dança. Adalci conta que é comum eles fazerem um momento a sós para orações: cada um volta-se para as paredes do cômodo, em uma reza que busca a exclusividade. Nas cerca de três a quatro horas que dura a celebração, frequentada quase exclusivamente por haitianos, a distância da terra natal se reduz.

Família completa

Tita Perez, 30 anos, está desde o começo do ano em Jaraguá do Sul. Seu objetivo é específico: juntar dinheiro para custear uma cirurgia para o marido, que ficou no país de origem com os três filhos do casal. O marido sofreu um acidente e é necessário reunir recursos para o tratamento. Tita reveza-se entre três empregos: uma empresa metalúrgica, uma pizzaria e uma loja de móveis. Das 7 horas da manhã à meia-noite, ela trabalha.

_ Cansa, mas quando a gente sabe pelo que luta, vale a pena. E eu gosto daqui, as pessoas são muito boas _ sorri.

A maioria dos haitianos deixou a família no país e veio em busca de melhores condições de vida. Diferentemente de Tita, que quer reunir o dinheiro e regressar ao Haiti, boa parte deles sonha em trazer toda a família para cá. Dadz Lores Guilomr, de 28 anos, é um deles. Há quase dois anos no Brasil, ele já trabalhou na construção civil em Manaus e mudou-se para o Sul, incentivado por um tio que mora em Curitiba. Encontrou emprego em Jaraguá, mas agora está desempregado.

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Dadz é dos poucos que falam sobre a crise no Haiti. Conta que o terremoto de 2010 acabou com casas, estruturas públicas e também com fábricas, minando as opções de trabalho. Ele, que atuava como motorista na vizinha República Dominicana, buscou no país distante um chance de ajudar a família.

Com muitos desempregados, eles tentam reduzir gastos dividindo espaços pequenos e baratos. Na Vila Lenzi, um condomínio de quitinetes é superpovoado pelos imigrantes. Nos restrito espaço de dois quartos e cozinha, é comum que vivam de quatro a cinco pessoas. Além de ajudar as famílias, muitos ainda têm de quitar as dívidas feitas para virem ao Brasil, que, segundo eles, podem variar de R$ 3 mil a R$ 12 mil. Trabalhando principalmente em fábricas, a média salarial deles é de R$ 1.000 a R$ 1.500.

Encontro de culturas

Feguens Desir, 25 anos, mora há cinco anos no Brasil. Passou pelo Rio de Janeiro, mas queria uma cidade mais segura e veio há dez meses para Jaraguá do Sul. Trabalhando em um supermercado da cidade e falando bem o português, o jovem é um dos haitianos que buscam mais que emprego.

Diferentemente de outros conterrâneos, Feguens deixou seu país em busca de autonomia e novas experiências. Encontrou no Brasil sua liberdade e hoje pensa em ajudar outros haitianos por meio da cultura.

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Ele e um amigo têm um grupo, chamado Rezilta HB, que se dedica tanto à músicas haitianas, como o kompa, quanto à composição de gêneros híbridos _ baseados em ritmos do país natal e em novidades para eles, como o pagode. Feguens acredita que a cultura pode ser um importante elo entre os haitianos e os brasileiros. E também pensa em uma organização que possa ajudar os recém-chegados.

Acolhimento

Em Jaraguá do Sul, não há programa municipal específico para atender aos haitianos, porém, o crescente número de recém-chegados chamou atenção da Prefeitura e da Câmara de Vereadores, que abriram debates sobre o tema. Uma das primeiras ações criadas na cidade foi a abertura do curso de língua portuguesa e cultura brasileira para estrangeiros, no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) de Jaraguá do Sul. Quarenta alunos foram selecionados para começar as aulas gratuitas neste semestre.

A Prefeitura estuda abrir vagas disponíveis pelo Sine para os estrangeiros residentes na cidade.