Um dos especialistas em Vaticano de maior prestígio, o jornalista italiano Marco Politi escreveu o best seller “Sua Santidade, João Paulo II”, com o jornalista americano Carl Bernstein (que cobriu caso Watergate pelo jornal Washington Post), e, no início do ano, “Joseph Ratzinger. Crise de um papado” (ainda sem tradução para português). Desde Roma, onde publica suas análises sobre o Vaticano no jornal Il Fatto Quotidiano, ele respondeu às perguntas de Zero Hora sobre a crise na cúpula da Igreja:

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Zero Hora – O Vatileaks mostra que o Papa foi avisado de casos de corrupção. Por que ele não reagiu?

Marco Politi – As denúncias não são apenas sobre corrupção. Há também um sério conflito entre o secretário de Estado do Vaticano, Tarcisio Bertone, e o cardeal Attilio Nicora, presidente da nova Autoridade de Informação Financeira, sobre a completa transparência do Banco do Vaticano. O presidente do Banco do Vaticano, Ettore Gotti Tedeschi, que com o cardeal Nicora pediu total transparência para levá-lo à “lista branca” do sistema financeiro internacional, foi abruptamente demitido alguns dias atrás. Na quarta-feira, o papa Bento XVI reconfirmou a confiança em seus colaboradores mais próximos, e isso significa que ele não deseja mudar o cardeal Bertone como secretário de Estado agora. O Papa se sente velho, sente sua saúde frágil e precisa, evidentemente, estar próximo de pessoas que conhece há décadas, como Bertone. Mas isso significa, também, que nesse momento de profunda crise na Cúria romana, o Papa tem uma liderança fraca.

ZH – Quais são as alternativas para o cardeal Bertone?

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Politi – Uma parte da Cúria romana estava em oposição secreta a ele desde sua nomeação, em 2006. Seus oponentes alegam que ele não tem experiência diplomática, e para administrar a máquina do Vaticano, ao longo dos anos, tornou-se muito autoritário e centralizador. Algumas pessoas esperam que o Papa faça alguma mudança suave em dezembro, quando o cardeal Bertone completar 78 anos. Um possível sucessor é o cardeal Mauro Piacenza, prefeito da Congregação para o Clero, o cardeal Leonardo Sandri, prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, ou o ministro das Relações Exteriores do Vaticano, monsenhor Dominic Mamberti.

ZH – Qual o impacto do Vatileaks no pontificado de Bento XVI?

Politi – Todo o pontificado tem sido marcado por crises. Com o Islã, com o judaísmo, com os católicos reformadores. E outras crises sobre o preservativo, Aids e abusos sexuais na Igreja. Nunca havia ocorrido, nos últimos cem anos, um pontificado com tantas tensões e crises. Bento XVI é um grande teólogo, pregador e pensador, mas não tem o temperamento de um líder de governo, que é necessário para uma organização com mais de um bilhão de fiéis, como a Igreja Católica.

ZH – A crise é uma evidência de que a Igreja precisa de mudanças?

Politi – A Igreja precisa muitas reformas. Primeiro de tudo, para superar a falta de sacerdotes e dar um novo papel às mulheres. Alguns dignitários da Igreja, como o cardeal Carlo Maria Martini, ex-arcebispo de Milão, dizem que é tempo para um novo concílio. Há necessidade de colegialidade. Colegialidade significa participação dos bispos e cardeais nas tomadas de decisões da Igreja, fazendo o processo da Igreja universal. Deve haver uma participação e consulta mais ampla dos bispos e dos leigos nas decisões sobre que caminho a Igreja deve tomar.

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ZH – Quem é o cérebro por trás do Vatileaks?

Politi – Está claro que há uma rede de dissidentes que vazam esses documentos para lutar contra o governo do cardeal Bertone. Paolo Gabriele é uma pequena peça de um mecanismo conspirativo maior. Mas ainda não temos evidências para apontar nomes.